As histórias que os clientes contam ao psicoterapeuta Tê-Cê-Érrer: Análises molares e análises moleculares em ação!

Nas sessões de psicoterapia há relatos de episódios vividos pelos clientes, sejam recentes ou mais remotos. Os clientes falam sobre o que fizeram desde a última sessão, contam fatos passados de outros momentos da sua vida, discorrem sobre como perceberam suas relações interpessoais, detalham seus sentimentos, descrevem as pessoas com que convivem e conviveram, retomam suas queixas e angústias e muito mais, como se pode esperar. Neste processo, é fundamental que o psicoterapeuta realize perguntas e faça intervenções que o levem a identificar as variáveis ambientais e respostas relevantes, permitindo a composição de análises funcionais moleculares e molares (Nery & Fonseca, 2018).

Uma sessão de terapia em que a psicóloga está sentada de frente para a cliente. Uma mesa as divide e a psicóloga está diante de uma tela de computador, onde desenha uma tabela. A cliente expressa-se de maneira neutra enquanto fala com a terapeuta. No ambiente, há dois vasos de girassóis representando a TCR, assim como livros, e na mesa há um bloco de anotações e uma caneta.
A imagem foi criada com recurso de inteligência artificial (Copilot) para representar a cliente contando algo à psicoterapeuta e a psicoterapeuta elaborando uma tabela com análises moleculares. Os girassóis representam a TCR.

Aquilo que o cliente diz e faz diante do psicoterapeuta lhe permitirá compreender as funções das classes de respostas relevantes (Guilhardi, 2024). O psicoterapeuta conduzirá as sessões respondendo às contingências operando em cada interação – e aos objetivos anteriormente programados-, e apresentará consequências aos relatos verbais, assim como emitirá estímulos com função discriminativa que levarão aos relatos e comportamentos do cliente e, consequentemente, às análises funcionais. Isso quer dizer que a psicoterapia, enquanto mais um contexto de interações em que tanto comportamentos governados por regras quanto comportamentos selecionados pelas contingências de reforçamento são emitidos, exige atenção redobrada do profissional em relação a manter seus comportamentos sensíveis às contingências dos comportamentos do cliente, em benefício do atendimento (Silva, 2025b).

É tarefa do psicoterapeuta analista do comportamento analisar e intervir sobre as contingências de reforçamento em operação das quais os comportamentos (sentimentos, ações, imagens, cognições, ideias etc.) são função, com ampla visão crítica e análises que vão além de um evento comportamental e do indivíduo isoladamente (Silva, 2025a). Ainda que atuando com demandas distintas, o psicoterapeuta comportamental sempre precisará, como ponto em comum nos seus atendimentos, analisar funcionalmente os comportamentos, o que se dá por meio da construção das contingências de reforçamento. Assim, é possível apresentar ao cliente descrições das contingências em operação, incluindo aquelas relacionadas à seleção do comportamento alvo, e aplicar diferentes procedimentos desenvolvidos para o caso em acompanhamento (Comparini, 2025b). Isso não é tarefa fácil, visto que, de acordo com Comparini (2025a), “o comportamento humano é multideterminado — ou seja, responde a múltiplas condições atuando simultaneamente”.

Quanto às análises funcionais dos comportamentos, a Terapia por Contingências de Reforçamento (TCR, Guilhardi, 2004), as inicia por análises moleculares, mas visa a construção de análises molares, segundo Guilhardi (2020, p. 7):

O psicoterapeuta TCR precisa identificar, descrever, analisar e interpretar mínimas contingências de reforçamento (podemos chamá-las de células de episódios comportamentais) e inseri-las em um processo que – em uma espiral virtuosa abrangente – alcança as dimensões sociais às quais o cliente pertence (vida familiar e profissional, interações sociais, atividades de lazer, atuação comunitária etc.) e seu repertório de comportamentos e sentimentos (fuga-esquiva, produtores de consequências reforçadoras positivas, sentimentos de culpa, de ansiedade, de bem-estar, de frustração, de dor, de rejeição etc.). A TCR pode se iniciar por análises moleculares, desde que não se desconecte do seu objetivo final, qual seja chegar às análises molares.

Para ilustrar, no caso de um cliente que apresenta ataques de pânico (Guilhardi, 2024, p. 26),

alguns procedimentos são comuns (análise e intervenções moleculares): por exemplo, controlar a respiração, aguardar o fim do “ataque” que terá duração limitada etc. No entanto, o foco da análise e intervenção deve estar dirigido para o repertório de comportamentos do cliente, que o torna vulnerável e cuja vulnerabilidade se expressa de várias formas, uma das quais é o ataque de pânico (análises e intervenções molares).

Como compreendemos análises molares e análises moleculares?

A análise funcional molecular diz respeito a contingências pontuais relacionadas a comportamentos específicos em contextos específicos. A partir da sua composição, por meio da tríplice contingência (identificando antecedentes, respostas e consequências leva-se à relação funcional A: R → C), construímos a base para análises mais amplas, chamadas de molares. Estas levam a maior compreensão sobre um caso, ao incluir a investigação da construção de padrões comportamentais (Nery & Fonseca, 2018). A análise molar visa “integrar os repertórios atuais e suas variáveis mantenedoras aos aspectos históricos que provavelmente contribuíram para a instalação/aquisição dos padrões comportamentais do cliente” (Nery & Fonseca, 2018, p. 46).

Basear intervenções somente em análises moleculares implica em alguns riscos, sendo, portanto, desaconselhável, como (Nery & Fonseca, 2018, p.51):

aplicação restrita de técnicas comportamentais para tratamento de comportamentos específicos, o que favorece a substituição de sintomas e dificulta a generalização do aprendizado para outros contextos; desenvolvimento por parte do cliente de regras fechadas, o que pode contribuir para uma baixa sensibilidade às contingências; dependência do cliente em relação ao terapeuta, uma vez que as análises são pontuais e não favorecem o desenvolvimento de autoconhecimento amplo, de modo que o cliente não aprende a realizar novas análises ao surgirem novos problemas.

Por outro lado (Nery & Fonseca, 2018, p. 51),

as análises molares favorecem o desenvolvimento do repertório de autoconhecimento, de modo que o cliente passa a ter mais autonomia em relação ao terapeuta para realizar as suas próprias análises ao se deparar com novas dificuldades e novos desafios; […] favorece a exposição a novas contingências e aumenta a sensibilidade às contingências; favorece a ampliação dos repertórios do cliente e a sua generalização para outros contextos; favorece a ocorrência de mudanças em classes mais amplas de respostas sem que se necessite de uma intervenção específica para cada resposta ou situação; evita a substituição de sintomas; o cliente aprende a fazer análises funcionais contextuais, o que contribui para a diminuição da ocorrência de generalizações indevidas; ao conhecer as variáveis que contribuíram para o desenvolvimento de suas dificuldades, há uma redução da culpabilização do cliente por suas limitações e um aumento da responsabilização pela mudança.

A investigação da história de contingências de reforçamento em interação com as contingências de reforçamento em operação no presente faz parte de uma análise comportamental funcional abrangente e necessária, visto que os padrões comportamentais do cliente foram instalados ao longo do seu desenvolvimento e possuem maior probabilidade de serem emitidos por generalização e relações de equivalência de estímulos. Padrões comportamentais como crenças (regras e autorregras), valores (reforços positivos e negativos) e padrões de ação (encadeamentos comportamentais) instalados ganharam função a partir das contingências de reforçamento que selecionaram comportamentos e sentimentos que se manterão até que novas contingências de reforçamento os alterem (Guilhardi, 2013/2015). Deste modo, a análise comportamental funcional mais abrangente pode enriquecer as possibilidades de análise e intervenções do psicoterapeuta, o que evidencia a necessidade de avançar, em qualquer caso atendido, de uma análise molecular para uma análise molar. Cabe lembrar, no entanto, que o psicoterapeuta produz alterações comportamentais manejando contingências de reforçamento atuais, visto que as passadas são impossíveis de serem alteradas (Guilhardi, 2009).

Temos um bom exemplo de como as análises moleculares e análises molares são complementares nos casos em que o psicoterapeuta identifica a perda de controle sobre o consumo de substâncias psicoativas em um cliente com ansiedade social (Aranha, 2025b). A ansiedade social relaciona-se ao menor acesso a reforçadores positivos (devido ao distanciamento do ambiente social), que são acessados nas ocasiões de consumo de substâncias psicoativas, tanto os farmacológicos, quanto os sociais (porque sob efeito da substância, a pessoa fica menos sensível aos estímulos sociais que lhe são aversivos e eliciam ansiedade, permitindo acesso às interações sociais). Contudo, o aumento do uso tende a gerar consequências aversivas, as quais são relatadas pelo cliente como motivação para diminuir e interromper o consumo desse tipo de substâncias. Se o psicoterapeuta restringe-se a análises moleculares, pode não prever que, embora o consumo das substâncias psicoativas produza consequências aversivas, prevalecerá o acesso a reforçadores que elas proporcionam ao cliente se não for desenvolvido um repertório social.

Para concluir, o psicoterapeuta Tê-Cê-Érrer aprende a escutar as histórias que os clientes contam e emitir perguntas que contribuam com o desenvolvimento de análises funcionais satisfatórias (as quais envolvem análises dos episódios contados em análises moleculares, e uma integração em análises molares), por um processo de enriquecimento do próprio repertório. Os psicoterapeutas aprendem a realizar análises funcionais que permitem intervenções mais acertadas enquanto constroem sua trajetória profissional, a qual depende de uma série de exposições do psicoterapeuta a diversas contingências, conforme apontado por Aranha (2025a): graduação em Psicologia, especialização em psicoterapia comportamental, psicoterapia pessoal, grupo de estudos para discussão de casos clínicos, supervisão clínica, participação em congressos, entre outras.

Referências

Aranha, A. S. (2025a). Alguns motivos para um psicoterapeuta comportamental estudar os Transtornos por Uso de Substâncias. Portal Comporte-se. https://comportese.com/2025/05/03/alguns-motivos-para-um-psicoterapeuta-comportamental-estudar-os-transtornos-por-uso-de-substancias/

Aranha, A. S. (2025b). Perda de controle sobre o consumo de substâncias psicoativas na perspectiva da Análise do Comportamento: uma introdução. Portal Comporte-se. https://comportese.com/2025/04/06/perda-de-controle-sobre-o-consumo-de-substancias-psicoativas-na-perspectiva-da-analise-do-comportamento-uma-introducao/

Comparini, I. (2025a). Recomendações gerais de saúde, sua relevância e os desafios do psicoterapeuta – Uma introdução. Portal Comporte-se. https://comportese.com/2025/04/21/recomendacoes-gerais-de-saude-sua-relevancia-e-os-desafios-do-psicoterapeuta-uma-introducao/

Comparini, I. (2025b). Terapia por Contingências de Reforçamento: Aplicações em Atendimentos Clínicos Diversificados. Portal Comporte-se. https://comportese.com/2025/03/14/terapia-por-contingencias-de-reforcamento-aplicacoes-em-atendimentos-clinicos-diversificados/

Guilhardi, H. J. (2004). Terapia por contingências de reforçamento. In C. N. Abreu & H. J. Guilhardi (Eds.), Terapia comportamental e cognitivo-comportamental: Práticas clínicas (pp. 3-40). São Paulo: Roca.

Guilhardi, H. J. (2009). Terapia por Contingências de Reforçamento (TCR). Instituto de Terapia por Contingências de Reforçamento. https://itcrcampinas.com.br/pdf/helio/Terapia_reforcamento2009.pdf

Guilhardi, H. J. (2013/2015). Perdão em uma perspectiva comportamental. Instituto de Terapia por Contingências de Reforçamento.

Guilhardi, H. J. (2020). Como entendo comportamentos clínicos de terceiro nível de seleção. Instituto de Terapia por Contingências de Reforçamento.

Guilhardi, H. J. (2024). Comportamentos do psicoterapeuta TCR: Terapia por contingências de reforçamento (1ª ed.). Campinas, SP: Do autor.

Nery, L. B.; & Fonseca, F. N. (2018). Análises funcionais moleculares e molares: um passo a passo. Em A. K. C. R. de-Farias, F. N. Fonseca e L. B. Nery; Teoria e formulação de casos em análise comportamental clínica (pp. 22- 54). Porto Alegre: Artmed.

Silva, N. C. B. da (2025a). Considerações a respeito da cultura na Terapia por Contingências de Reforçamento (TCR). Portal Comporte-sehttps://comportese.com/2025/03/21/consideracoes-a-respeito-da-cultura-na-terapia-por-contingencias-de-reforcamento-tcr/

Silva, N. C. B. da (2025b). “Vida balanceada”: Seguir regras ou deixar as contingências me levarem? Análise de uma TêCêÉrrer. Portal Comporte-se. https://comportese.com/2025/04/14/vida-balanceada-seguir-regras-ou-deixar-as-contingencias-me-levarem-analise-de-uma-teceerrer/

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Escrito por Nancy Capretz Batista da Silva

Psicóloga clínica (CRP 05/54348) e supervisora em psicoterapia comportamental e em cursos de especialização, atua em atendimentos psicoterapêuticos a adultos e jovens, incluindo pessoas neurodivergentes. Especialista (2020) em Psicologia Clínica Comportamental (Terapia por Contingências de Reforçamento) pelo Instituto de Terapia por Contingências de Reforçamento (ITCR - Campinas). Psicóloga (2004), Mestre (2007) e Doutora (2011) em Educação Especial pela Universidade Federal de São Carlos - UFSCar, com Doutorado Sanduíche no Exterior-SWE (CNPq) na RMIT - Melbourne/Austrália (2010). Obteve apoio para pesquisa e ensino das agências de fomento FAPESP, CAPES, CNPq, ProEx - UFSCar, ProGrad - UFSCar e SECADI - MEC. Coordenou e foi tutora em cursos de pós EAD. Foi professora no curso de graduação em Psicologia da UNIP (Sorocaba). Conteudista de materiais e professora convidada de cursos diversos, além de revisora de obras e parecerista de periódicos e eventos científicos. E-mail: dra.nancycapretz@gmail.com.

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