
Nos cursos de graduação, a maioria dos estudantes de Psicologia tem aulas sobre a famosa teoria da “Pirâmide de Maslow”. Formulada na década de 1950, essa teoria propõe um modelo visual no qual são elencadas necessidades humanas organizadas de forma hierárquica. Dessa maneira, as necessidades mais básicas (representadas na base da pirâmide) devem ser atendidas para que as mais elevadas possam ser alcançadas. Essas necessidades vão das fisiológicas até, após alguns níveis de organização e desenvolvimento, chegarem à autorrealização – a ponta da pirâmide, segundo o autor (Maslow, 1943, apud Cavalcanti et al., 2019). A “base” da pirâmide englobaria, então, cuidados com alimentação, hidratação, sono, atividade física etc.
A Organização Mundial da Saúde (OMS, n.d.), por exemplo, aponta que cuidados com alimentação saudável, prática de atividade física e atenção à saúde mental são fundamentais para a qualidade de vida do indivíduo. Da mesma forma, a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS, n.d.) destaca que a atividade física traz benefícios significativos para o coração, o corpo e a saúde mental, contribuindo para a redução de sintomas como ansiedade e depressão. Além disso, enfatiza que a prática regular de exercícios favorece o crescimento e o desenvolvimento saudável de crianças e adolescentes. O Hospital Albert Einstein afirma que evitar hábitos prejudiciais à saúde — como fumar, ingerir bebidas alcoólicas ou fazer uso excessivo de telas — pode aumentar a sensação de bem-estar e prevenir doenças cardiovasculares. Nessa mesma linha, estudos como o de Peixoto (2021), publicado na International Journal of Health Management, apontam a socialização como fator de proteção contra doenças cognitivas, como demência ou Alzheimer.
Tais “necessidades básicas” podem se traduzir em comportamentos (respondentes e operantes) fundamentais para a sobrevivência, qualidade de vida e bem-estar do indivíduo, como: alimentação adequada, hidratação suficiente, sono regular e reparador, cuidados fisiológicos e sexuais, entre outros.
Na clínica, é possível observar, em alguns casos, a dificuldade que o cliente tem em manter esses autocuidados, os quais podem, por fim, se manifestar como queixas psicoterapêuticas. “Sei que tenho que fazer atividade física, mas não gosto.”; “Não consigo dormir, e isso me deixa muito irritado.”; “A demanda está muito alta no trabalho, não tenho tempo de preparar minhas refeições.”; “Minha médica recomendou que eu tome mais água ao longo do dia, mas não sei como fazer isso, não é um hábito meu.”
Como, então, o psicoterapeuta deve analisar e auxiliar seu cliente diante desse contexto?
O psicoterapeuta pode partir de dois pontos fundamentais:
- 1. A origem das instruções oferecidas
Quando um profissional de saúde prescreve uma recomendação a seu cliente/paciente — por exemplo, quando um médico sugere a prática de atividade física com mais frequência, ou quando um nutricionista propõe alterações na alimentação —, ele deve estar respaldado por dois aspectos essenciais:
a) A avaliação individual daquele paciente, com base em sua formação e experiência profissional;
b) A fundamentação científica que sustenta sua prática.
Ou seja, as orientações devem ser embasadas em estudos descritivos e experimentais que comprovem a eficácia das intervenções sugeridas. No exemplo anterior, isso significa considerar a base teórica e empírica que demonstra os efeitos positivos da atividade física na prevenção de doenças ou no manejo de quadros clínicos específicos — assim como o respaldo científico para as orientações da nutricionista.
É importante ressaltar, nesse ponto, o valor e a confiabilidade da comunidade verbal que transmite tais instruções. Os clientes devem atribuir credibilidade a profissionais qualificados e especializados. Considerando a quantidade de informações disponíveis atualmente — principalmente em redes sociais, grupos e comunidades online —, é fundamental distinguir entre orientações embasadas e aquelas sem respaldo científico, que podem até ser prejudiciais. Uma boa dica ao leitor é a série “Vinagre de Maçã”, lançada recentemente na Netflix – [https://www.youtube.com/watch?v=ppziQrEFbJY&ab_channel=NetflixBrasil]
A partir desse contexto, o psicoterapeuta pode avançar para um segundo ponto importante de análise e intervenção:
- 2. Qual a função dessas orientações para o cliente?
Se a comunidade profissional está respaldada em fundamentos científicos e propõe uma nova conduta ao paciente, ela está, ao mesmo tempo:
a) Oferecendo uma instrução / orientação a seu cliente;
b) Descrevendo uma regra.
Da Silva (2025), ao citar Skinner (1969/1980), afirma que as regras descrevem contingências de reforçamento: “Trata-se de estímulos verbais que especificam contingências com função de controle discriminativo, isto é, especificam respostas que, emitidas em determinadas condições, produzem algumas possíveis consequências”.
Por exemplo, ao dizer que a prática de atividade física pode melhorar o bem-estar e prevenir doenças, o médico está descrevendo um contexto no qual, se a resposta for emitida com determinada frequência (como praticar atividade física três vezes por semana), haverá consequências como:
– Reforço positivo (sensação de bem-estar, melhora do condicionamento físico, aumento da massa muscular);
– Reforço negativo (diminuição de dores, prevenção de doenças futuras).
A regra, nesse caso, descreve um caminho para a melhora da qualidade de vida do cliente. Mas por que, muitas vezes, essas orientações se tornam desafiadoras ou aparecem como queixas na psicoterapia?
Um dos motivos é que o comportamento humano é multideterminado — ou seja, responde a múltiplas condições atuando simultaneamente.
Por exemplo, o paciente recebe a instrução do médico: “Pratique atividade física do tipo ‘x’, ‘y’ vezes por semana”. Essa orientação, por si só, exige algumas mudanças: pesquisar uma academia, organizar a agenda, conversar com um instrutor, etc. Ao emitir a resposta esperada (realizar a atividade física), ele pode experimentar, no curto prazo, consequências variadas:
a) Ter seguido a orientação médica (o que pode ter função reforçadora);
b) Obter consequencias reforçadoras advindas das interações sociais (como conhecer pessoas novas, dependendo do repertório do cliente);
c) Sentir dores musculares da prática da atividade física (uma consequência de curto prazo que pode ter função punição positiva); entre outros.
Apesar dos benefícios a médio e longo prazo, essa última consequência — a dor — pode pesar mais no momento imediato e levar o cliente a verbalizações como: “Segui a orientação do meu médico. Fui à academia, mas não gostei. Não sei se quero voltar.”
Eis, então, o desafio do psicoterapeuta: como ajudar seu cliente nesse processo? Muito já se discutiu sobre os aspectos motivacionais envolvidos nos comportamentos de autocuidado, mas esse é assunto para um próximo artigo. 😉
Referências
Da Silva, N. C. (2025, 14 de abril). “Vida balanceada”: Seguir regras ou deixar as contingências me levarem? Análise de uma TêCêÉrrer. Comporte-se. https://comportese.com/2025/04/14/vida-balanceada-seguir-regras-ou-deixar-as-contingencias-me-levarem-analise-de-uma-teceerrer/
Cavalcanti, D. R., Ramos, A. C., Oliveira, A. M., & Lemos, L. V. M. (2019). Hierarquia das necessidades de Maslow: Validação de um instrumento. Psicologia: Ciência e Profissão, 39. https://doi.org/10.1590/1982-3703003183408
Hospital Israelita Albert Einstein. (n.d.). Dependência de álcool: entenda os impactos do consumo alcoólico na saúde. Vida Saudável. https://vidasaudavel.einstein.br/dependencia-de-alcool-entenda-os-impactos-do-consumo-alcoolico-na-saude/
Organização Mundial da Saúde. (n.d.). Nutrition. https://www.who.int/health-topics/nutrition#tab=tab_1
Organização Mundial da Saúde. (n.d.). Mental health. https://www.who.int/health-topics/mental-health#tab=tab_1
Organização Pan-Americana da Saúde. (n.d.). Por que a atividade física é importante? https://www.paho.org/pt/topicos/atividade-fisica
Peixoto, J. S. (2021). Saúde mental: Um enfoque voltado à prevenção da demência de Alzheimer. International Journal of Health Management, 7(3).