A depressão, ao ser abordada na literatura e nos diálogos clínicos, é frequentemente pensada segundo o racional patológico, em que os comportamentos do indivíduo são compreendidos como déficits ou excessos a serem tratados. Tal abordagem, ainda que muito necessária, acaba por limitar a compreensão da saúde e a busca por estratégias de prevenção que reduzem riscos, custos e o sofrimento das pessoas.
O conceito de resiliência à depressão, de Dai e Smith (2023), surge recentemente como uma alternativa ao modelo tradicional e desenvolve a noção de adaptação ao estresse e de fatores de proteção para o transtorno depressivo. A resiliência é compreendida em três níveis, que estão em sinergia: o biológico, o psicológico e o social. É, portanto, influenciada por circuitos neurais específicos, como o circuito dopaminérgico mesolímbico e os neurônios do núcleo de rafe dorsal (DRN), que regulam a transmissão de serotonina para áreas cerebrais como amígdala, hipocampo e córtex pré-frontal; e envolve a variação em um gene transportador de serotonina (5-HTTLPR), associado a capacidade de resiliência dos indivíduos por influenciar a cognição social e a capacidade de adaptação emocional.
Maior flexibilidade cognitiva, clareza de propósito na vida e esperança possibilitam a nível psicológico uma melhor regulação emocional, reduzindo a vulnerabilidade a padrões cognitivos disfuncionais, como a ruminação negativa. Redes de apoio e comportamentos pró-sociais, como suporte interpessoal, altruísmo, gratidão e perdão desempenham um papel central na dimensão social da resiliência à depressão, ao diminuir a propensão aos sintomas depressivos ainda que o indivíduo seja exposto a situações de alto estresse. Outra contribuição significativa para a resiliência vem do pertencimento a famílias funcionais e convivência em ambientes cooperativos.
Segundo os autores, uma vacina psicológica – uma exposição controlada a estressores, de maneira moderada e manejável, para que as pessoas desenvolvam repertórios para lidar com as adversidades – seria uma proposta válida para a aprendizagem de uma adaptabilidade resiliente. Aceitação, resolução de problemas, reavaliação positiva, flexibilidade cognitiva e uso de humor para recontextualização de situações estressantes, além do cuidado com as bases neurais envolvidas na depressão e do pertencimento a grupos sociais colaborativos, são consideradas competências centrais para a flexibilidade psicológica e o senso de propósito, que fortalecem a autoestima e o autocontrole dos indivíduos. Trocando em miúdos analítico-comportamentais, a vacinação psicológica é a modelagem de repertórios resilientes pela exposição progressiva a situações estressantes, concorrentes com padrões de sofrimento de fuga-esquiva.
Eventos estressores espontâneos e proporcionais na infância, quando mediados pelo suporte dos cuidadores, podem servir como vacinas para o adoecimento mental, assim como o enfrentamento de adversidades ao longo da vida. No ambiente clínico, programas de treinamento em resiliência voltados para o desenvolvimento de estilos cognitivos adaptativos, mindfulness, variabilidade comportamental, exposição e habilidades sociais podem contribuir para o fortalecimento da resiliência à depressão. Sendo assim, compreende-se que as experiências adversas não necessariamente conduzem ao sofrimento psicológico e ao diagnóstico de patologias, mas podem, se ancoradas em princípios comportamentais e modelos terapêuticos contextuais, contribuir para o desenvolvimento da saúde biopsicossocial dos indivíduos.
Referências
Dai, Qin; Smith, Graeme D. Resilience to depression: implication for psychological vaccination. Journal of Affective Disorders, v. 333, p. 123-135, 2023.
Hayes, S. C., Strosahl, K. D., & Wilson, K. G. (2012). Acceptance and Commitment Therapy: The Process and Practice of Mindful Change. Guilford Press.
Kashdan, T. B., & Rottenberg, J. (2010). Psychological flexibility as a fundamental aspect of health. Clinical Psychology Review, 30(7), 865–878.