Se você atua com a Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT), já está acostumado a ler, descrever e compreender cada um dos conceitos do hexaflex. Esse que é o coração da ACT, e que direciona o nosso trabalho enquanto clínicos, em prol da busca por flexibilidade psicológica.
Só que nesse artigo eu não quero enfocar a respeito da sua atuação direta com o seu paciente, e sim, trago um convite para que possa refletir acerca de como tem incluído e exercitado esses conceitos no seu dia a dia.
A ACT é uma abordagem que, embora traga conceitos teóricos bastante robustos e se baseie em pesquisas e evidências, é bastante categórica em afirmar que: bons terapeutas ACT precisam não somente conhecer e compreender a ACT, mas também vivenciá-la enquanto prática cotidiana. “Para que os terapeutas adotem com mais flexibilidade a postura terapêutica básica da ACT, eles necessariamente devem estar trabalhando com os processos de flexibilidade em relação à sua própria experiência psicológica” (Luoma, Hays & Walser, 2022, pág. 342).
Ou seja, cabe a nós terapeutas também avaliarmos o quanto temos consciência de nossos pensamentos, sentimentos e comportamentos, bem como daquilo que nos aproxima ou nos afasta do que consideramos uma vida valorosa. Diante disso, te deixo uma primeira pergunta: você sabe descrever o que efetivamente te move, te direciona e te mantem no caminho, ainda que emoções, pensamentos ou situações imprevistas ou desconfortáveis aconteçam? Para trazer essa resposta será necessário que você tenha clareza acerca dos seus valores, ou seja, que você saiba descrever as qualidades de ação que te direcionam a uma vida com sentido. Afinal, “Valores não pertencem a um futuro distante. Eles têm uma qualidade apetitiva não evitativa no agora a despeito de sua extensão temporal – é como se o significado no presente se estendesse ao longo do tempo” (Hayes, Strosahl & Wilson, 2021, pág. 239).
Mas como essa clareza te ajudará como profissional?
Os valores “definem o tipo de pessoa que queremos ser, a forma como queremos viver, quem somos e o que queremos defender” (Stoddaed, J.A. & Afari, N., 2025, pág. 162). Sendo assim, diante de desafios inerentes da nossa prática, como um paciente inflexível ou mais confrontativo, aquele que falta muito ou que não se mostra tão motivado e aberto ao processo terapêutico, será essencial que possamos parar e nos reconectar com nossos limites, nosso estilo terapêutico e a forma como desejamos lidar com cada uma dessas situações. Lembrar-se das suas razões é o que vai te sustentar e ser a sua bússola quando todo o conhecimento técnico não for suficiente para um bom andamento terapêutico.
Se outrora havia pressupostos de base que viam o terapeuta como alguém que “ensinará” ao seu paciente, a partir da sua formação técnica, o que hoje levantamos é que nós, terapeutas, também encontramos em nossas vidas desafios muito semelhantes aos dos nossos pacientes, e, por isso, temos a oportunidade de nos conectarmos ainda mais com os nossos valores, crescendo de forma profissional e pessoal diante de quadros clínicos desafiadores. Isso porque “qualquer interação entre dois seres humanos envolve processos de flexibilidade de cada participante” (Hayes, Strosahl & Wilson, 2021, pág. 115).
Portanto, deixo aqui o lembrete e o convite a você terapeuta: leia, estude, se forme, mas acima de tudo priorize exercitar cada um dos pilares consigo mesmo. E esse é um exercício que não tem uma linha de chegada. Afinal, enquanto vivermos somos convocados a entrar em contato com o desafio de nos conectarmos com nossos valores e realizar ações comprometidas em prol de uma vida significativa.
Referências Bibliográficas
Hayes, S.C., Strosahl, K.D., Wilson, K.G. (2021). Terapia de aceitação e compromisso: o processo e a prática da mudança consciente. Porto Alegre: Artmed
Luoma, J. B., Hayes, S.C, Walser, R.D. (2022). Aprendendo ACT: manual de habilidades da terapia de aceitação e compromisso para terapeutas. Novo Hamburgo: Sinopsys Editora
Stoddard, J.A. & Afari, N. (2025). O grande livro de metáforas da ACT um guia do clínico para exercícios experenciais e metáforas na terapia de aceitação e compromisso. Novo Hamburgo: Sinopsys