Posvenção do suicídio: o que é e qual a sua importância?

Sabemos que o suicídio é um problema de saúde pública, no qual uma pessoa tira a vida, em média, a cada 40 segundos. Em função disso, esforços são necessários para seu combate. Muito se fala da prevenção, que visa impedir que alguém morra por suicídio. Isto pode ser feito através de campanhas de conscientização, restrição de acesso a meios letais, intervenções em hotspots, treino de guardiães, desenvolvimento de tratamentos empiricamente sustentados para lidar com casos com essa demanda no contexto clínico, dentre outros. No texto de hoje, falaremos sobre a posvenção, que merece tanto destaque quanto a prevenção.

O termo foi cunhado por Edwin Schneidman em 1973¹. De forma resumida, a posvenção pode ser compreendida como uma estratégia de intervenção voltada para oferecer assistência e suporte a pessoas enlutadas por suicídio. É importante destacar que, embora seu objetivo principal seja auxiliar na recuperação e na retomada das funções afetadas pelo suicídio, a posvenção se adapta ao contexto e às demandas específicas². Dessa forma, a intervenção em uma escola difere daquela realizada em um contexto familiar, que, por sua vez, apresenta particularidades distintas da aplicada em uma empresa. Além disso, o manejo do luto de um psicoterapeuta pelo suicídio de uma pessoa atendida exige considerações específicas.

Para cada morte por suicídio, em média, 60 pessoas são afetadas das mais diversas formas³, como apresentação de elevados níveis de culpa4, distanciamento familiar por conta de estigma5, sensação de abandono e/ou rejeição intensas pela pessoa que tirou a própria vida6 e aumento do risco de suicídio7. Neste sentido, a posvenção não possui um caráter exclusivo de atenuar sofrimento, como também o de prevenir um novo possível suicídio. Por conta disso, tornam-se necessárias ações de posvenção, quem podem ser oferecidas tanto de maneira ativa – buscando as pessoas enlutadas – quanto passiva – aguardando o contato de quem está tentando elaborar o luto por suicídio.

A posvenção pode ser realizada de diversas formas, dependendo do contexto e das necessidades dos enlutados. O CVV (Centro de Valorização da Vida), por exemplo, oferece os Grupos de Apoio aos Sobreviventes do Suicídio (GASS), um espaço onde pessoas enlutadas podem compartilhar experiências, reduzir estigmas e lidar com sentimentos como culpa e vergonha. Além disso, a psicoterapia desempenha um papel essencial na posvenção, permitindo que o luto seja elaborado por meio do diálogo aberto sobre a perda, ajudando a pessoa atendida a enfrentar o estigma e os processos psicológicos decorrentes da experiência, além de ressignificar sua vida e sua perspectiva sobre ela. Outra estratégia importante envolve intervenções institucionais, que incluem a criação de protocolos para o manejo de uma morte por suicídio, além da definição de papéis e tarefas para as equipes responsáveis por essa gestão.

Um aspecto crucial na elaboração de programas de posvenção em ambientes institucionais é que eles devem ser planejados antes da necessidade de serem executados. É comum encontrarmos exemplos de escolas que buscam o apoio de profissionais da Suicidologia após a trágica perda de um(a) estudante por suicídio. Isso tende a favorecer um caráter de improvisação inicial da instituição no enfrentamento do problema, diminuindo a chance de mitigar o efeito de contágio e de intensificar sentimento de culpa em pessoas enlutadas. Procurar por serviços de posvenção apenas depois do suicídio de um(a) estudante seria o equivalente a lecionar educação sexual após a descoberta de um caso de gravidez de uma adolescente da escola.

No entanto, a implementação de programas de posvenção enfrenta desafios significativos. O suicídio ainda é um tabu em nossa sociedade, o que dificulta a discussão sobre o tema e a inserção de medidas eficazes de apoio. Além disso, muitas instituições destinam poucos ou nenhum recurso para a posvenção, subestimando sua importância até que um caso ocorra. Para que a posvenção ocupe um papel central no enfrentamento do suicídio, é fundamental investir em campanhas de conscientização, capacitação profissional e na criação de políticas públicas que incentivem sua adoção de forma sistemática.

Referências

1 Schneidman, E. (1973). Deaths of Man. Quadrangle.

2 Cruz Gaitán, J. I., & Ortiz Pérez, S. A. (2024). Posvenção do suicídio e psicoterapia. In L. B. dos Santos & G. Bertelli (Orgs.), Posvenção: O olhar e o cuidado ao luto por suicídio (pp. 29–46). Lucto.

3 Levi-Belz, Y., & Feigleman, W. (2021). Pulling together: The protective role of belongingness for depression, suicide ideation and behavior among suicide bereaved individuals. Crisis, 43(4), 278–288.

4 Miles, M. S., & Demi, A. S. (1991). A comparison of guilt in bereaved parents whose children died by suicide, accident, or chronic disease. Omega: Journal of Death and Dying, 24(3), 203-215.

5 Dyregrov, K. (2003). Micro-sociological analysis of social support following traumatic bereavement: Unhelpful and avoidant responses from the community. Omega: Journal of Death and Dying, 48(1), 23-44.

6 Bailley, S. E., Kral, M. J., & Dunham, K. (1999). Survivors of suicide do grieve differently: Empirical support for a common sense proposition. Suicide and LifeThreatening Behavior, 29(3), 256-271.

7 Lazzarini, T. A., Gonçalves, C. C. M., Benites, W. M., Silva, L. F. da, Tsuha, D. H., Ko, A. I., Rohrbaugh, R., Andrews, J. R., & Croda, J. (2018). Suicide in Brazilian indigenous communities: Clustering of cases in children and adolescents by household. Revista de Saúde Pública, 52, 56.

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Escrito por Murilo Vasques Buso

Graduação em Psicologia pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e Qualificação Avançada em Terapia Analítico-Comportamental pelo Paradigma - Centro de Ciências e Tecnologia do Comportamento. Atuou como terapeuta no Laboratório de Terapia Comportamental Dialética (DBT-LAB).

Entrevista com Craig Bryan: Terapia Cognitivo-Comportamental Breve para Prevenção ao Suicídio