A Terapia Baseada em Processos será mesmo a maior revolução na história da psicologia?

A resposta curta é: depende. Para a resposta longa, segue o texto aqui comigo (e se prepare para não ter respostas exatas).

Enquanto ciência, a psicologia já passou por diversas mudanças desde o seu início. Do laboratório de psicologia experimental de Wundt em Leipzig, até os dias atuais com as terapias cognitivas e comportamentais (e também com o paradigma da prática baseada em evidências), a psicologia não parou de evoluir e segue seu caminho sem previsão de que esteja perto de parar.

Considerando isto, é comum que, de tempos em tempos, teorias sobre comportamento humano sejam revistas e aprimoradas, possibilitando o desenvolvimento de modelos terapêuticos e intervenções mais eficazes para a prática clínica. E, ao que tudo indica, estamos novamente passando por um desses momentos na nossa jovem ciência psicológica: a bola da vez é a Terapia Baseada em Processos e sua perspectiva idiográfica (isto é, individualizada) e transdiagnóstica acerca dos transtornos psicológicos. 

A Terapia Baseada em Processos (ou PBT, sigla em inglês para Process-Based Therapy), proposta inicialmente por Hofmann & Hayes (2018), surge a partir de um questionamento a respeito do quanto o modelo médico de “protocolos para síndromes” pode realmente ser transposto para a prática clínica na psicologia. É um questionamento válido, afinal, nossos comportamentos não funcionam tal qual a tangibilidade de um batimento cardíaco: no que diz respeito ao comportamento humano, o mesmo comportamento pode ter diferentes funções, o que torna o psicodiagnóstico, de fato, um desafio.

Nesse sentido, a PBT tem como premissa adotar uma perspectiva idiográfica, ou seja, uma abordagem individualizada que considera os processos psicológicos subjacentes aos transtornos psicológicos. Diferente dos modelos terapêuticos protocolares, que seguem uma perspectiva nomotética (baseada em padrões grupais e na categorização de transtornos), a PBT foca na compreensão dos processos psicológicos específicos que mantêm o sofrimento de cada indivíduo.

Isso significa que, mais do que aplicar um protocolo para determinado transtorno, a perspectiva da PBT busca identificar e intervir nos processos subjacentes aos transtornos psicológicos, dado que, mesmo dentro de um espectro diagnóstico específico, sintomas similares podem apresentar processos subjacentes diferentes.

Uma pessoa que apresenta sintomas compatíveis com TAG (Transtorno de Ansiedade Generalizada), como preocupação excessiva, fadiga fácil, dificuldade de concentração, pode apresentar esses sintomas por uma série de razões, que não necessariamente são descritas no DSM. Nesse caso, os processos subjacentes que contribuem para o surgimento desses sintomas são mais relevantes para a  PBT. Dado que esses processos costumam ser desadaptativos, a proposta de uma perspectiva baseada em processos é de identificar o mecanismo mal-adaptativo e intervir diretamente nele, transformando-o, assim, em um processo adaptativo.

Para isso, a PBT tem se ancorado na própria teoria da evolução, considerando assim que os processos psicológicos (tanto adaptativos quanto mal adaptativos) estão sujeitos aos princípios da variação, seleção, retenção e contexto, bem como são correspondentes a dimensões e níveis específicos. Esses conceitos, combinados, dão origem a um meta-modelo (isto é, um modelo que organiza outros modelos), que na PBT se chama Meta-Modelo Evolucionário Estendido (EEMM, da sigla em inglês para Extended Evolutionary Meta-Model), um modelo pautado na teoria da evolução que, além de considerar os conceitos de variação, seleção e retenção, agrega também seis dimensões psicológicas, a saber: afetiva/emocional, cognitiva, atencional, self, comportamento público e motivação, além de considerar também os níveis sociocultural e biológico (Hofmann & Hayes, 2025).

Em uma perspectiva baseada em processos, o EEMM, auxilia na construção de análises funcionais idiográficas, especialmente através do modelo de rede proposto por  Hofmann, Hayes e Lorscheid (2023). É uma proposta promissora, já que a categorização de transtornos mentais de acordo com o DSM (Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais) recebe algumas críticas por ser nosológica, isto é, pautada na padronização de grupos de pessoas que apresentam sintomas e sinais semelhantes, estruturando assim diagnósticos pautados nessas similaridades encontradas entre grupos, e não necessariamente nos processos que favorecem o surgimento desses diagnósticos, que é exatamente a lacuna que a proposta da PBT pretende preencher. 

Contudo, a pergunta permanece: a PBT realmente será a maior revolução na história da psicologia?

Acredito que já deu pra perceber que (ainda que de forma muito resumida), a proposta da PBT pretende aprimorar tratamentos para condições psicológicas, tornando-os individualizados e personalizados, o que pode favorecer tratamentos psicológicos mais efetivos num nível individual e funcional. Muitos processos subjacentes aos transtornos psicológicos, como esquiva experiencial, ruminação, inflexibilidade psicológica, comportamentos de segurança, fusão cognitiva (entre uma infinidade de outros processos) já perpassam diversos diagnósticos. Isso significa que uma perspectiva baseada nesses processos transdiagósticos pode, de fato, situar a prática clínica da psicologia em um cenário muito mais personalizado e, possivelmente, mais efetivo. Vale ressaltar, contudo, que, embora eu acredite sim que uma perspectiva baseada em processos possa ser um caminho melhor e mais eficaz em termos de psicoterapia, até o presente momento, não temos dados suficientes para afirmar que a PBT pode ser, de fato, tão efetiva e revolucionária quanto eventualmente vem sendo propagada em nosso meio. No momento em que esse texto está sendo escrito, existe apenas um ensaio clínico randomizado em andamento comparando PBT e TCC Clássica para casos de transtornos de humor e ansiedade de difícil tratamento (Stangier et al., 2024), o que ainda é muito pouco para afirmar que tudo mudará na psicologia partir desse ponto.

Talvez ainda seja muito cedo para afirmar categoricamente que a Terapia Baseada em Processos será a maior revolução na história da psicologia. Como em qualquer campo do conhecimento, levantar dados sobre a eficácia de um modelo terapêutico leva tempo e, além disso, é um processo que demanda cautela, revisão constante e responsabilidade com o conhecimento científico. No que diz respeito à PBT, o que temos até agora é uma estrutura possível de como uma psicoterapia baseada em processos subjacentes pode funcionar. Até esse ponto, talvez ela possa ser mais considerada com uma extensão da formulação de caso, que pode ser aplicada para personalizar outros modelos terapêuticos, tal como demonstram Ong et al. (2024), do que um modelo terapêutico em si; ou seja, precisa ser visto com cautela.


Se a PBT representa uma revolução na psicologia, ainda não podemos dizer com certeza. Revoluções e transformações profundas levam tempo. E estamos vivendo ao mesmo tempo em que essas mudanças estão acontecendo na psicologia (o que é, de fato, um marco histórico). Contudo, até o presente momento, ela se apresenta mais como um esboço promissor do que como um modelo totalmente consolidado. Embora a promessa de uma abordagem mais personalizada e eficaz seja atrativa, sem evidências robustas que sustentem sua aplicabilidade em larga escala, qualquer afirmação categórica deve ser feita com parcimônia. Como qualquer inovação científica, a PBT precisará passar pelo crivo da pesquisa, da replicação e da prática clínica para que possamos compreendê-la e refiná-la, de fato. 

Quero finalizar esse texto compartilhando que, escrever sobre esse assunto foi um tanto desafiador. Embora seja uma proposta de fato empolgante e com uma premissa muito necessária para uma psicologia mais efetiva, humana e científica, ainda é muito incipiente. Além disso, muito do que é feito no Brasil (dada a nossa história com a Análise do Comportamento no país) em termos de psicoterapia, não soa tão distante do que os principais expoentes da Terapia Baseada em Processos estão propondo. Além disso, existem ainda muitos questionamentos sobre como uma PBT pode funcionar na prática clínica de fato, pergunta que ainda carece de respostas. 

Como descreve Gleiser (2014) em seu livro “A Ilha do Conhecimento”, cada vez que expandimos nosso conhecimento, a margem do que não conhecemos também aumenta. Nesse ponto, entendo que talvez estejamos no início de uma mudança significativa na forma como pensamos e aplicamos a psicoterapia, mas ainda há muito que precisa ser descoberto: parafraseando também uma metáfora do mesmo autor, por enquanto, temos apenas o rascunho de um mapa para um território ainda pouco explorado. O que, felizmente, significa que ainda há espaço para novas descobertas.

Referências

Gleiser, M. (2014). A ilha do conhecimento: Os limites da ciência e a busca por significado. Record.

Hofmann, S. G., & Hayes, S. C. (2018). The future of intervention science: Process-based therapy. Clinical Psychological Science, 7(1), 37–50. https://doi.org/10.1177/2167702618772296

Hofmann, S. G., Hayes, S. C., & Lorscheid, D. (2023). Aprendendo a terapia baseada em processos: Um manual de treinamento de habilidades para direcionar os processos centrais da mudança psicológica. Artmed.

Ong, C. W., Ciarrochi, J., Hofmann, S. G., Karekla, M., & Hayes, S. C. (2024). Through the extended evolutionary meta-model, and what ACT found there: ACT as a process-based therapy. Journal of Contextual Behavioral Science, 32, 100734. https://doi.org/10.1016/j.jcbs.2024.100734

Ong, C. W., Hofmann, S. G., Ciarrochi, J., Menzies, R. G., & Hayes, S. C. (2024). Introduction to the special issue on process-based therapy. Journal of Contextual Behavioral Science, 31, 1–4. https://doi.org/10.1016/j.jcbs.2023.12.001

Stangier, U., Kohl, V., Görg, N., Sendig, L., Hufschmidt, B., Bonarius, D., Nemani, A., Ebert, M., & Hofmann, S. G. (2024). Process-based therapy vs. routine-CBT for difficult-to-treat mood and anxiety disorders: Study protocol for a randomized controlled trial. Trials, 25(1), 52. https://doi.org/10.1186/s13063-023-07984-5

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Classificação do artigo
Mariangela de Freitas Dias

Escrito por Mariangela de Freitas Dias

Possui graduação em Psicologia pelo Centro Universitário UniBrasil (2013). Possui Mestrado em Educação pela UFPR (2016). Especialista em Terapia Analítico-Comportamental pelo UniBrasil (2022). Atua como psicóloga clínica e supervisora, com base na perspectiva da prática baseada em evidências.

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