Quando alguém tira a própria vida, são frequentes comentários de pessoas de que foi uma decisão individual e com implicações individuais. Este texto procurará mostrar, com base em pesquisas da literatura científica a estudar o suicídio, impactos em diversas esferas da vida coletiva diante de uma morte autoprovocada. Sabe-se que mais de 720 mil pessoas tiram a própria vida todos os anos, sendo que 73% destas ocorrem em países de baixa e média renda1, o que coloca em xeque um mito popular de que suicídio é um problema exclusivo de pessoas ricas. Além disso, ele ocorre em todas as faixas etárias, sendo a terceira maior causa de morte em pessoas de 15 a 29 anos1, e com taxas de mortes entre pessoas idosas significativamente maiores quando comparadas com outros grupos etários2.
Um consenso da Suicidologia, área do conhecimento dedicada a estudar os porquês de alguém tirar a própria vida, é que o suicídio é um fenômeno complexo e multifatorial. Impactos no tecido social podem influenciar a probabilidade de alguém pensar em se matar ou tentar o suicídio, como ocorre em recessões econômicas – que afetam significativamente mais homens3 – ou em conflitos latifundiários no Brasil, que impactam consideravelmente populações indígenas, que possuem as maiores taxas de morte por suicídio do Brasil, em termos de grupo racial4. Desse modo, não é possível estipular que a decisão de acabar com a própria vida é uma decisão estritamente individual, já que o ser humano é influenciado pelo ambiente à sua volta e as ações de uma sociedade causam impactos em outras pessoas.
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É estimado que 48 milhões de pessoas se tornem enlutadas pelo suicídio todos os anos. Para cada pessoa que tirou a própria vida, cerca de 60 pessoas, em média, são afetadas direta e negativamente5, consistindo de familiares, amigos(as) e colegas de trabalho, escola e/ou faculdade6. Pessoas enlutadas correm maior risco de desenvolver Transtorno de Estresse Pós-Traumático, depressão, ideação suicida, luto complicado e também de tirar a própria vida.
Também há implicações econômicas para mortes por suicídio. A Organização Mundial da Saúde (OMS), criou métricas para estimar fardos globais decorrentes de mortes. Uma delas é o Years of Lives Lost (YLLs), que calcula quantos anos foram perdidos em função de uma morte prematura. No caso de suicídios, no Brasil, foi estimado um YLL de 305,3 para cada 100 mil habitantes7. Isso resulta em prejuízos na produtividade do país, comprometimento na estrutura previdenciária do país, além de custos em atendimentos, tratamentos e internações de pessoas que tentam suicídio.
O estigma em torno do suicídio também ocorre de maneira não intencional. Sobreviventes de uma tentativa de tirar a própria vida podem ser vistos(as) como covardes8, aumentando seu mal-estar e a probabilidade de fazer uma nova tentativa9, criando obstáculos para pedir ajuda10. A forma como pessoas ou a mídia falam sobre o tema influencia em como pessoas vulneráveis ao desenvolvimento do comportamento suicida podem buscar ajuda, seja positiva ou negativamente.
A Suicidologia demonstra que o suicídio não pode ser enfrentado apenas por quem sofre dele e por profissionais da saúde. Esse pensamento carece de respaldo empírico e lógico, como mostrado ao longo do texto. Lidar dessa maneira resulta em consequências desastrosas para integrantes de qualquer comunidade, seja de maneira próxima, como pessoas que tornam enlutadas por suicídio, seja de forma mais indireta, com menor verba de saúde pública destinada a outras formas de tratamento, maior agravo da contabilidade da Previdência Social. Todos temos um papel a cumprir.
Referências
1 https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/suicide, acesso em 06 de Fevereiro de 2025.
2 https://ourworldindata.org/suicide?insight=suicide-rates-can-vary-with-age#key-insights, acesso em 09 de Fevereiro de 2025.
3 Chang, S. S., Stuckler, D., Yip, P., & Gunnell, D. (2013). Impact of 2008 global economic crisis on suicide: time trend study in 54 countries. Bmj, 347, f5239.
4 Alves, F. J. O., Fialho, E., de Araújo, J. A. P., Naslund, J. A., Barreto, M. L., Patel, V., & Machado, D. B. (2024). The rising trends of self-harm in Brazil: an ecological analysis of notifications, hospitalisations, and mortality between 2011 and 2022. The Lancet Regional Health–Americas, 31.
5 Levi-Belz, Y., & Aisenberg, D. (2021). Interpersonal predictors of suicide ideation and complicated-grief trajectories among suicide bereaved individuals: A four-year longitudinal study. Journal of affective disorders, 282, 1030-1035.
6 Berman, A. L. (2011). Estimating the population of survivors of suicide: Seeking an evidence base. Suicide and Life‐Threatening Behavior, 41(1), 110-116.
7 PAHO. The burden of suicide in the Region of the Americas. ENLACE data portal. Pan American Health Organization. 2021 [Internet] https://www.paho.org/en/enlace/burden-suicide.
8 Sheehan, L., Corrigan, P.W. & Al-Khouja, M.A. (2017b) Stakeholder perspectives on the stigma of suicide attempt survivors. Crisis 38, 73–81.
9 Mayer, L., Rüsch, N., Frey, L.M., Nadorff, M.R., Drapeau, C.W., Sheehan, L. & Oexle, N. (2020) Anticipated suicide stigma, secrecy, and suicidality among suicide attempt survivors. Suicide and Life Threatening Behavior 50, 706–713.
10 Han, J., Batterham, P.J., Calear, A.L. & Randall, R. (2018) Factors influencing professional help-seeking for suicidality: a systematic review. Crisis: The Journal of Crisis Intervention and Suicide Prevention 39, 175.