“Bons tempos…”. Nostalgia na Análise do Comportamento

Se você já assistiu ao filme “Divertidamente 2”, provavelmente riu e se divertiu com o Sentimento de Nostalgia. O filme busca apresentar os sentimentos como personagens e, através de situações vivenciadas por uma jovem, Riley, explicar tais sentimentos de forma contextual (episódios que eliciam comportamentos respondentes) e utilizar de analogias e metáforas para explicar nossos sentimentos (condição análoga à como aprendemos culturalmente a nomear sentimentos, por exemplo). Dentre os sentimentos apresentados, a Nostalgia ganha destaque por aparecer apenas em ‘momentos chave’ do filme. A personagem cativa o público ao ser representada por uma senhora simpática que relembra de momentos agradáveis que já vivenciou.

Como poderíamos então entender o sentimento de “Nostalgia” dentro de uma matriz analítico comportamental?

Skinner (1989) descreve que, em um primeiro momento, deve-se observar que o que é sentido, como sentimentos, são estados do corpo e são produtos de certas contingências de reforçamento. A busca por explicações comportamentais e não mentalistas diferenciam a abordagem behaviorista radical de outras versões do behaviorismo (Skinner, 1974). Assim como atestado também pelo autor em 2003 que descreve que estão presentes dois momentos na análise: o comportamento emocional e as condições manipuláveis da qual é função. Ambos se complementam para o objeto de estudo do sentimento.

Neste sentido, o sentimento passa a ser então compreendido como um evento colateral, simultâneo, indissociável do comportamento. Relatar sobre sentimentos e comportamentos como eventos distintos é um equívoco conceitual, tudo é comportamento. Confundir os sentimentos como causa de comportamentos ocorre, para Skinner (1991), porque o comportamento ocorre em paralelo ao que se sente. Para Guilhardi (2003) o fenômeno deixa de ser caracterizado como explicativo e passa a ser um fenômeno explicado. Guilhardi (2023) também sugere o termo “comportimento”, um neologismo que tem como objetivo um único termo que se refira a comportamentos e sentimentos.

Tendo em vista que sentimentos e comportamentos respondem as mesmas leis que regem o comportamento humano, quais seriam as contingências de reforçamento que eliciam e evocam comportimentos de Nostalgia?

Primeiro, deve-se observar que, como comportimento, Nostalgia apresenta classes de respostas diferentes (sentir saudades, se lembrar, imaginar, etc) que aumentam a chance de diminuir o efeito de condições aversivas. Tais classes poderiam ser equivalentes aquelas condicionais no processo de extinção. Neste contexto (extinção), ‘um reforçador que foi produzido e não está mais presente’, agora tem condição de Contingência Motivacional (aversivo) e aumentam a probabilidade de evocar comportamentos que retirem, posterguem ou minimizem a condição aversiva. Sob tais condições especificas, comportamentos que voltam a ocorrer são denominados de ressurgência comportamental. Epstein (1983) descreve o comportamento de ressurgência como “Quando, em uma dada situação, um comportamento recentemente reforçado não é mais reforçado, comportamentos que foram previamente reforçados sob circunstâncias similares tendem a recorrer”. Vale ainda destacar o conceito de “fantasiar” para Skinner (1974). O autor descreve que o comportamento de fantasiar pode ter função de fuga-esquiva. Ao se lembrar, recordar e imaginar, o individuo pode, temporariamente, acessar consequencias agradáveis remotas e minimizar a condição aversiva vivenciada.

Neste sentido, Nostalgia ganha destaque. Dadas as condições aversivas proporcionadas pela contingência de extinção e de que, não posso acessar as consequencias reforçadoras já vivenciadas por estarem no passado, eu emito um comportimento que seria equivalente a variação comportamental na ressurgência: Sentir-se/comportar-se de forma nostálgica. Me lembro e sinto carinho, converso sobre aquele episódio com um amigo que estava presente na situação, observo fotos do momento vivenciado, ouço músicas características daquela época, sinto saudades, etc.

Por fim, vale ainda destacar que o termo “Nostalgia” é derivado do grego “nóstos” (“reencontro”) e “álgos” (“dor, sofrimento”) (Dicionário de Oxford). Em geral, nomes de sentimentos são substantivos com função de tato. A condição corporal é experimentada por um estímulo não verbal, ou seja, o que é sentido está sob controle de contingências a que está exposto (Borloti, Fonseca, Charpinel & Lira, 2009). Respostas verbais que explicitam os sentimentos são produzidos a partir de contingências de reforçamento que, fomentadas pelo ouvinte, são difíceis de serem percebidas quando o que se fala está fora do alcance do outro, ou seja, ocorre dentro da pele do falante. Como comportamento aprendido, nomear sentimentos é uma limitação para quem deve ensinar a conhecê-lo.

Para Catania (1999) a linguagem, ou o comportamento verbal, é a priori um comportamento compartilhado. Entretanto, sabe-se que eventos privados e públicos dificilmente coincidem e, desta forma, palavras que expressem sentimentos não são tão claramente explícitas como aquelas que representam objetos. “Sabemos algumas coisas sobre os órgãos através dos quais sentimos o paletó, mas conhecemos pouco, se é que conhecemos algo, sobre os órgãos pelos quais nos sentimos deprimidos”. (Skinner, 1991).

Acerca da origem da nomeação de sentimentos, Skinner (1989) propõe o que denomina de teoria funcional metafórica. Segundo o autor, palavras usadas cotidianamente para definir os sentimentos começam como metáfora. No caso da Nostalgia, o termo tem origem grega, e propõe justamente o “reencontro” a partir de “algo doloroso”. E você? Qual sua nostalgia preferida?

Ingrid Comparini
Especialista em Psicologia Clínica Analítico Comportamental pelo ITCR Campinas
Mestre em Psicologia como Profissão e Ciências pela Puc Campinas
CRP 06/121249
Email para correspondência ingrid.comparini@gmail.com

Referências

Borloti, E., Fonseca, K.A., Charpinel, C. P., & Lira, K. M. (2009). Uma análise etimológico-funcional de nomes de sentimentos. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, 11(1), 77-95.

Catania, A.C. (1999) Aprendizagem: Comportamento, Linguagem e Cognição. 4ª ed., Porto Alegre: Artes Médicas.

Epstein, R. (1983). Resurgence of previously reinforced behavior during extinction. Behaviour Analysis Letters, 3, 391-397.

Guilhiardi, H.J. (2003). Considerações sobre o papel do terapeuta ao lidar com os sentimentos do cliente.

Skinner, B. F. Sobre o Behaviorismo. São Paulo: Cultrix, 1974.

Skinner (1989). Questões recentes na análise do comportamento

Skinner, B.F. (1991). O lugar dos sentimentos na análise do comportamento.

Skinner (1991). Questões recentes na análise comportamental. Papirus: Campinas, São Paulo.

Skinner, B. F. (1989/2003). Ciência e Comportamento Humano, 11ª Edição (Tradução de J. C. Todorov R. Azzi). São Paulo: Martins Fontes. (trabalho original publicado em 1953).

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Escrito por Ingrid Comparini

Mestre no Programa de Psicologia como Profissão e Ciência na Pontifícia Universidade Católica de Campinas (2016). Especialista em Psicologia Clínica Comportamental (Terapia por Contingências de Reforçamento) (2016), formação em Intervenção Comportamental com indivíduos diagnosticados com Autismo (2018) e Formação em Psicologia Clínica Comportamental pelo mesmo Instituto (ITCR- Campinas). Extensão em "Neuropsicologia, cognição e emoção" pela Pontifícia Universidade Católica de SP (2020). Possui graduação em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (2013). Atua como psicoterapeuta clínica no atendimento de adultos; supervisora de atendimentos dentro da matriz analítico comportamental e como Docente das disciplinas de Análise Experimental do Comportamento e Avaliação e Medidas em Psicologia; Já atuou como Revisora de periódicos científicos e orientadora de Monografias e Trabalhos de conclusão dos cursos de especialização e pós graduação.

Formação em Terapia Analítico Funcional – FAP

XXXIII Encontro da ABPMC