Pressões estéticas como uma forma de violência

Escrito por Dhawyane Luiza, Gabrielly Lima, Patricia Di Lorenzo, Taciana Ragazzi e Thaynara Simei

De acordo com o dicionário Oxford Languages, “pressão” é um substantivo feminino que significa “ato ou efeito de pressionar, comprimir, apertar”. Por sua vez, “estética” está associada à “atividade profissional que tem por finalidade corrigir ou minimizar problemas, assim como conservar a beleza física de uma pessoa”. Não à toa, o conceito de “pressão estética” está intimamente associado ao comportamento de buscar, de forma incessante, atingir padrões de beleza. Exercida de várias formas, incluindo mídia, redes sociais, publicidade, amigos, família e até colegas de trabalho, a “pressão estética” envolve frequentemente a promoção de um ideal de corpo, rosto e aparência que é difícil ou impossível para a maioria das pessoas alcançar sem intervenções significativas, como dietas rigorosas, exercícios intensos, cirurgias plásticas e uso desnecessário ou excessivo de cosméticos.

De acordo com a Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica (ISAPS), aproximadamente 34 milhões de pessoas em todo o mundo realizaram procedimentos estéticos em 2022. O Brasil ficou em segundo lugar, atrás dos Estados Unidos da América, correspondendo a quase 9% do total global, com mais de 3 milhões de procedimentos estéticos, cirúrgicos e não cirúrgicos, realizados no mundo todo. Entre os procedimentos cirúrgicos mais realizados, a lipoaspiração liderou com mais de 2 milhões de casos, dos quais 84% foram em mulheres e 16% em homens. Em relação aos procedimentos não cirúrgicos, a aplicação de toxina botulínica foi a mais comum, com mais de 9 milhões de procedimentos realizados em todo o mundo. Destes, 85% foram em mulheres e 15% em homens (International Society of Aesthetic Plastic Surgery – ISAPS, 2022).

No imaginário de beleza atual, o corpo jovem, livre de rugas e marcas, magro e sem flacidez deve ser alcançado a qualquer custo. Segundo a jornalista Naomi Wolf (2018) em seu livro “O Mito da Beleza”, essa pressão é fomentada por uma sociedade machista e patriarcal, com o objetivo de manter mulheres presas em um mecanismo de controle social, dificultando sua emancipação e ascensão. Além desse fator, é notado que o corpo feminino sempre foi utilizado para promover a venda de diversos produtos, replicando imagens de corpos femininos que passam a ser vistos como desejáveis e naturais, mas que na realidade promovem uma desumanização do corpo.

Para a ciência comportamental-contextual, o comportamento humano possui três níveis de seleção: filogenético, ontogenético e cultural. O fato é que essa cobrança – social e pessoal – para atingir padrões irreais de beleza pode levar mulheres ao adoecimento físico e psicológico. O ideal de corpo propagado leva a uma insatisfação corporal crônica, gerando uma busca incessante por procedimentos, controle inadequado do peso e preocupação com a forma corporal. Fatores que formam um “envelope cultural” e corroboram para o desenvolvimento e manutenção de transtornos alimentares, depressivos e ansiosos, além de reforçar a desigualdade de gênero (Lucena-Santos; Pinto-Gouveia e Oliveira, 2015; Andrade e Bosi, 2003). 

Na cultura da dieta, o discurso midiático envolve repetição e homogeneização, através de um bombardeio de milhares de imagens de corpos jovens, magros e condizentes com o padrão e valores morais da elite de cada época. No Brasil, os processos de embelezamento também demonstram a existência de conflitos raciais e práticas eugenistas, observadas através de cirurgias que ocultam e controlam aspectos da fisionomia associada às características africanas ou indígenas (Sanches e Sacramento, 2023).  

Ainda nesse aspecto cultural, Zanello (2022) nos traz a reflexão que as relações de gênero são alguns dos pontos mais importantes de estruturação da cultura ocidental. Em seu livro, “A prateleira do amor”, são discutidas as tecnologias de gênero, termo cunhado por Tereza de Lauretis, que dizem respeito a produtos culturais que retratam, reforçam e reiteram valores, estereótipos e emocionalidades de gênero. Produtos culturais voltados para meninas, costumeiramente ensinam sobre a importância de ser escolhida por um homem no mercado matrimonial como a coisa mais importante na vida de uma mulher. Esse aprendizado se estende ao seu principal capital simbólico e matrimonial que é seu corpo.

Compreende-se que a autoimagem é definida como uma construção subjetiva e multidimensional, que inclui percepções, sentimentos e pensamentos em relação ao seu próprio corpo. Essa definição é moldada por intermédio de aspectos internos e biológicos, mas principalmente impactada por imposições sociais, que são apreendidas e internalizadas através da nossa experiência com a comunidade e com todos os estímulos que a permeiam (Elias; de Souza e Castelo-Branco, 2023).

Logo, a construção do self corporal e da aparência das mulheres, é atravessada consideravelmente por aquilo que está posto culturalmente. Em alinhamento aos pressupostos comportamentais-contextuais, as questões sociais valorizadas, como exemplo, a magreza, a harmonia corporal e a jovialidade, são amplamente reforçadas, assim sendo, buscados. Em contraponto, quaisquer desvios destas características, não apenas são desvalorizados socialmente, mas expostos como modelos aversivos que, de acordo com aspectos verbais apreendidos, são associados, de maneira errônea, a outros comportamentos e estados também aversivos culturalmente; por exemplo, a ideia de que mulheres gordas seriam não saudáveis; em paralelo, a magreza seria sinônimo de saúde. Diante destas teias relacionais verbais, os padrões estéticos são novamente reforçados e fortalecidos, fazendo surgir maior aversão e sofrimento ao que desvia da norma (Elias; de Souza e Castelo-Branco, 2023).

Explorar e questionar o ciclo de pressão estética é um passo significativo, porém extremamente desafiador. Esse ciclo é imposto socialmente e reforçado por diversas fontes (mídia, publicidade, redes sociais, amigos e família), perpetuando o sofrimento físico e psicológico. A busca incessante por um ideal de beleza inatingível mantém os indivíduos, especialmente as mulheres, presos em um estado contínuo de insatisfação corporal e vulnerabilidade emocional. 

A esquiva experiencial, que é a tendência de evitar pensamentos e sentimentos desagradáveis, intensifica esse ciclo, muitas vezes impedindo reflexões mais profundas sobre o assunto. Adotar uma perspectiva de self como contexto, onde o indivíduo se vê como observador de suas próprias experiências, pode ajudar a desmantelar essa dinâmica negativa. Essa mudança de perspectiva permite uma relação mais saudável e equilibrada com a própria imagem corporal, permitindo que sejamos mais compassivos conosco e menos críticos. 

Como podemos promover a prevenção do sofrimento pela pressão estética ao valorizar diferentes aspectos e diversidade corporal de maneira eficaz? Certamente não existe apenas um caminho para isso. Mas a autocompaixão surge como uma ferramenta poderosa nesse processo. Ao nos tratarmos com a mesma gentileza e compreensão que teríamos com um amigo, podemos suavizar a autocrítica interna e cultivar uma imagem pessoal mais positiva. Isso nos permite reconhecer que muitos dos desafios enfrentados são estruturais, não se restringindo apenas ao nível individual.

A repetição constante do discurso sobre padrões de beleza e a disseminação homogênea das imagens veiculadas na mídia levam ao esgotamento de sentido, criando a ilusão de que existe apenas um caminho a ser seguido. No entanto, o contato com o momento presente pode ajudar na reconstrução do sentido no aqui e agora, permitindo que cada indivíduo encontre seu próprio caminho para a autoaceitação e o bem-estar. Ao desafiar as narrativas impostas e cultivar um senso de valor próprio baseado na diversidade e na autenticidade, podemos questionar os padrões de beleza sem nos culpabilizarmos por sua existência, enquanto acolhemos nossos medos e inseguranças, cuidando deles e reconhecendo que estamos em um processo contínuo de transformação. 

É importante ressaltar que não existe um único caminho a ser seguido; cada indivíduo pode encontrar sua própria jornada de aceitação e bem-estar, integrando valores pessoais e reconhecendo a complexidade e diversidade das experiências humanas. 

Referências Biobliográficas

Andrade, A.; Bosi, M. L. M. Mídia e subjetividade: impacto no comportamento alimentar feminino. Revista de Nutrição, v. 16, p. 117-125, 2003.

Elias, L. R.; de Souza, A. S.; Castelo-Branco, P. C. C. O conceito de Imagem Corporal como produto de relações sócio-verbais: cultura, self e corpo. Revista Brasileira de Análise do Comportamento, [S.l.], v. 19, n. 2, dez. 2023. Disponível em: <https://pe riodicos.ufpa.br/index.php/rebac/article/view/15664/10668>. Acesso em: 19 maio 2024. 

International Society of Aesthetic Plastic Surgery – ISAPS. ISAPS International survey on aesthetic/cosmetic procedures performed in 2022. ISAPS, [on-line], 2022. Disponível em: <https://www.isaps.org/media/a0qfm4h3/isaps-global-survey_2022.pdf>. Acesso em: 14 jun. 2024.  

Lucena-Santos, P.; Pinto-Gouveia, J.; Oliveira, M. S. Terapias Comportamentais de Terceira Geração: guia para profissionais. Novo Hamburgo: Sinopsys, 2015.

Sanches, J. C., Sacramento, I. Só a cirurgia plástica pode “consertar “o seu nariz: Racismo e eugenia na coluna – elegância e Beleza de O Cruzeiro na década de 1940. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, 2023. Disponível em: <https://www.scielo.br/j/eh/a/LY4GG4zGNZsBktYgfjwjFYF/?lang=pt>. Acesso em: 14 jun. 2024.

Wolf, N. O mito da beleza: como as imagens da beleza são usadas contra as mulheres. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 2018. Disponível em: <https://www.scielo.br/j/rn/a/DwyJjBYbgKGMzGKTt6S3GjR/#>. Acesso em: 14  jun. 2024 

Zanello, V. A Prateleira do amor: sobre mulheres, homens e relações. 1.ed. Curitiba: Appris, 2022.

5 1 vote
Article Rating
Avatar photo

Escrito por SIG Mulheres na ACBS

Coluna do Grupo de Interesse Especial (SIG) em Mulheres na ACBS Br. Espaço para discussão de variáveis de gênero nas terapias comportamentais contextuais. Projeto organizado por Isla Cezzani, Franciele Justin, Gabrielly Lima, Camila Lourenço, Dhawyne Luiza, Elizara Vieira, Julia Moreira, Manuela Pereira, Taciana Ragazzi, Thaynara de Castro e Patricia Di Lorenzo

Terapia de Aceitação e Compromisso em 2024: Presente, Passado e Futuros possíveis (Parte 01)