Relação terapêutica importa? O que há de mais novo por aí?

Com o desenvolvimento de pesquisas que buscam trazer dados sobre a eficácia de tratamentos psicoterapêuticos, tornou-se necessário compreender quais variáveis devemos dar atenção quando o assunto é a condução da prática clínica. Infelizmente, rivalidades e separações improdutivas no campo se formaram, como se houvesse um caminho A ou um B a ser seguido. Embora polarizações existam, é evidente que décadas de estudos em psicoterapia já demonstram que paciente, terapeuta, o relacionamento entre eles, o método de tratamento e o contexto contribuem para o sucesso (e fracasso) do tratamento (Norcross & Lambert, 2019). 

Por esse artigo se tratar de um desses fatores (a relação terapêutica – RT), iniciarei uma série de publicações com o objetivo de demonstrar por que esse tema é tão importante e trazer o que tem sido encontrado em pesquisas para o aprimoramento de nossa atuação, a começar pelo que podemos entender conceitualmente sobre o assunto. A ideia, nessa série, é entendermos que há sim, formas de compreendermos a RT como aspecto fundamental da condução da prática clínica. Vamos lá! 

Em 1999, dadas tais polarizações que já vinham se tornando mais presentes no contexto norte-americano, a Associação Americana de Psicologia (APA) constituiu uma força-tarefa[1] para identificar e operacionalizar informações sobre elementos empiricamente sustentados sobre a RT. Quando a força-tarefa finaliza seu trabalho trazendo pesquisas meta-analíticas sobre os elementos, uma publicação é feita compilando os dados encontrados. Atualmente, a força-tarefa se encontra em sua terceira edição de publicação (Norcross & Lambert, 2019; Norcross & Wampold, 2019).

Nesta última edição, os autores (Norcross & Lambert, 2019) definem que a RT “são os sentimentos e atitudes que terapeuta e cliente têm mutualmente, bem como a maneira pela qual eles são manifestados” (p. 3). Embora eles entendam o quanto essa definição pode ser abrangente ao ponto de que “o céu é o limite” ao pensarmos as maneiras pelas quais essas expressões podem ser manifestadas, a defesa de uma definição assim é com a intenção de torná-la mais neutra teoricamente, mais consensual e precisa.

Quando vi essa definição, compreendi sua utilidade se o objetivo é entendermos a RT para além de uma linha teórica ou terapia específica, isto é, como o resultado de um conjunto de fatores que é comum às diversas psicoterapias. Há definições que, acredito eu, já estejam sendo entendidas como feitas quando a nomeação “terapeuta” e “cliente” aparecem na apresentação. Mas perguntas me vieram: o que há na natureza dessa relação que a torna psicoterapêutica? Quem é a pessoa do terapeuta? E quem é o paciente?

Para lidar com desafios teóricos que uma descrição generalista pode nos trazer, entendo que os princípios básicos da Análise do Comportamento podem ser bastante úteis. E, especificando no campo da clínica, a Psicoterapia Analítica Funcional consegue trazer o conceito da RT à luz desses princípios, baseados na filosofia behaviorista radical e contextual, de modo muito interessante. 

Para os autores da FAP (Kohlenberg & Tsai, 1991; Tsai et al., 2009), o que um terapeuta é dentro de uma interação com o cliente, bem como o que deve ser considerado para conceituar o cliente, será respondido por meio da análise funcional do comportamento. O que diferencia a relação terapêutica de um relacionamento comum é que, primeiramente, o terapeuta terá o papel de apresentar três tipos de estímulos – reforçadores, discriminativos e eliciadores. A RT se constrói, então, por meio do responder do terapeuta (em suas três formas de apresentação de estímulos) aos comportamentos do cliente que ocorrem dentro da sessão (comportamentos clinicamente relevantes – CCRs) e que sejam funcionalmente semelhantes aos problemas clínicos que o levaram a iniciar o acompanhamento psicoterapêutico, visando a generalização de comportamentos de melhora para a vida diária do cliente. Para que esse processo ocorra, a modelagem ocorre com ênfase no reforçamento natural e contingente, o que torna imprescindível o desenvolvimento de habilidades interpessoais por parte do psicoterapeuta, bem como compreender os comportamentos interpessoais do cliente que podem interferir na RT e que merecerão atenção. Um resumo que acredito ser bastante preciso é o do estudo de Follete, Naugle & Callaghan (1996), os quais definem a RT como um processo no qual o terapeuta utiliza sua própria presença e resposta como reforço social para modelar e promover mudanças no comportamento do cliente, por meio da análise funcional e intervenções diretas nos CCRs que são apresentados na interação.

A força-tarefa da APA que conduz os estudos meta-analíticos apresenta, atualmente, os seguintes elementos ligados a habilidades do terapeuta na RT: diferenciação da formação da aliança em diferentes modalidades (adultos, infanto-juvenil, casais e grupos)empatiaconsideração positiva e afirmaçõesgenuinidadeautorrevelaçãoexpressão emocionalcultivo de expectativaspromoção de credibilidade do tratamentoanálise de dificuldades pessoais do terapeuta que impactam a RT (a conhecida contratransferência – isso mesmo); reparação de rupturascoleta e apresentação de feedback; e a formação de uma relação real.

Com relação aos comportamentos do cliente, temos dados que revelam a importância dos seguintes elementos da RT: estilos de enfrentamento do clienteestilos de apegopreferências do clientenível de reatânciaidentidade de gêneroorientação sexualadaptações do terapeuta à aspectos multiculturais do clientereligião e espiritualidade; e estágio de mudança em que o cliente se encontra.

Enfatizar a relação terapêutica e seus elementos é dar a importância devida a elementos da psicoterapia para além da aplicação de protocolos e técnicas específicas. Contudo, a concentração de estudos na relação terapêutica não significa defender que ela se constitui enquanto a única área de importância; inclusive, é algo não incentivado pela força-tarefa. Na verdade, os autores desejam que mais psicoterapeutas percebam a importância da impossibilidade de separação da relação terapêutica e do tratamento.

Os próximos artigos trarão detalhes desses elementos interpessoais do psicoterapeuta e do cliente, os quais compõem o que é entendido na literatura geral como Relação Terapêutica. Dado o meu aprofundamento no campo da Psicoterapia Analítica Funcional e nos pressupostos teóricos e experimentais da Análise do Comportamento, será um tanto inevitável trazer uma leitura do fenômeno à luz dessa compreensão. Eu desejo muito que gostem!

Referências

Kohlenberg, R. J. & Tsai, M. (1991). Psicoterapia Analítica Funcional: Criando Relações Terapêuticas Intensas e Curativas. Santo André, SP: ESETEc.

Norcross & M. J. Lambert (Eds). (2019). Psychotherapy Relationships That Work – Volume I: Evidence-Based Therapist Contributions. Oxford University Press. 

Norcross & B. E. Wampold (Eds). (2019). Psychotherapy relationships that work – Volume 2: Evidence-based therapist responsiveness. Oxford University Press.

Tsai, M., Kohlenberg, R. J., Kanter, J. W., Kohlenberg, B., Follete, W. C., & Callaghan, G. M. (2009). A guide to functional analytic psychotherapy: awareness, courage, love and behaviorism. New York: Springer.


[1] APA Division 29: https://societyforpsychotherapy.org

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Escrito por Gabriela Martim

Psicóloga, especialista e mestra em Psicologia Clínica. Treinadora e Terapeuta Certificada em Psicoterapia Analítica Funcional (FAP). Amante das relação terapêutica. Atua com psicologia clínica (presencial em Curitiba-PR e online), supervisora e professora.

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