O que deve prevalecer na primeira sessão de psicoterapia: as regras ou as contingências?

Skinner, em sua obra de 1974/1993, Sobre o Behaviorismo, nos esclarece acerca dos processos de aprendizagem. O contato direto com as contingências de reforçamento é a maneira pela qual podemos compreender a seleção de comportamentos ocorrendo no nível ontogenético: aprendemos comportamentos novos nos expondo às contingências, variando e emitindo comportamentos, que serão selecionados pelas consequências (naturais e/ou arbitrárias).

O terceiro nível de seleção do comportamento, o nível da cultura, nos permite expandir as condições de aprendizagem para a transmissão de conhecimento – e aí contamos com o grande salto evolutivo que dotou os seres humanos de sua capacidade simbólica e do repertório verbal. De acordo com Skinner (1974/1993) e Matos (2001), somos capazes de aprender a emitir comportamentos que sejam ensinados, por meio de instruções verbais, por outras pessoas da nossa comunidade socio-verbal. O chamado comportamento governado por regras consiste na emissão de comportamentos mediante a exposição a circunstâncias em que somos ensinados a fazer conforme nos é ensinado / recomendado / instruído.

A possibilidade de aprender via instrução verbal otimiza e acelera o processo de aprendizagem. Isto porque é possível já nos beneficiarmos do conhecimento acumulado pelos nossos grupos sociais e evitarmos exposição a condições de erro (Matos, 2001). Por outro lado, Skinner (1974/1993) e Matos (2001) também alertam para o risco de que os comportamentos guiados excessivamente por regras tenham como efeito colateral indesejado a insensibilidade às contingências de reforçamento em operação. Sendo assim, é plausível supor que uma condição ótima de aprendizagem seria o equilíbrio entre regras que guiam os nossos comportamentos (evitando erros e experiências indesejadas, otimizando o tempo que se leva para aprender) e a sensibilidade às contingências, que nos permite ajustar nossos comportamentos a mudanças sutis e recentes do nosso ambiente.

Levando em consideração tais condições de aprendizagem, pensemos em como o psicoterapeuta poderá aprender os comportamentos necessários para conduzir a primeira sessão de psicoterapia de cada cliente.

O psicoterapeuta da Terapia por Contingências de Reforçamento (TCR) aprende a fundamentar toda sua intervenção no modelo derivado dos pressupostos filosóficos do Behaviorismo Radical, e dos dados produzidos pela Ciência do Comportamento. Partindo deste arcabouço teórico e filosófico, podemos identificar algumas regras que podem governar o comportamento do psicoterapeuta TCR (Guilhardi, 2004; 2017).

A primeira destas regras é de que o psicoterapeuta TCR atua e maneja contingências de reforçamento, instrumento por meio do qual irá coletar e sistematizar os dados que lhe permitirão elaborar as análises funcionais. Estas, por sua vez, são hipóteses a serem testadas por meio dos procedimentos psicoterapêuticos, que consistem no manejo (manipulação deliberada) das contingências de reforçamento (Guilhardi, 2004; 2017).

Guiado por tais regras (diretrizes que norteiam todo o processo psicoterapêutico), o psicoterapeuta pode se perguntar como deve ser conduzida a primeira sessão de psicoterapia, tendo em vista os objetivos de ouvir as queixas iniciais do cliente e iniciar a construção do vínculo psicoterapeuta-cliente.

A TCR não adota um modelo rígido de sessão. Isto significa que não há um roteiro de coleta de dados a ser seguido, senão a busca do psicoterapeuta por compreender de forma suficientemente clara as contingências de reforçamento que prevaleceram na história do indivíduo e aquelas que operam no presente.

Desta forma, é necessário e desejável que o psicoterapeuta observe seu cliente e o que está ocorrendo em sessão, de tal maneira que se permita ser guiado pela regra de conhecer o que traz seu cliente à primeira sessão, porém mantendo-se atento ao vínculo que deve ser construído e à interação que se desenrola durante o tempo de sessão.

É importante que o psicoterapeuta se atente a indícios de desconforto do cliente: dificuldades para organizar seu discurso, verbalização de vergonha, confusão, dúvida sobre o que deve dizer ou outras demonstrações de tais condições (como desvio do contato visual, rubor, entre outros).  No caso da ocorrência destes comportamentos, ou para evitar que eles ocorram, o psicoterapeuta não deve persistir rigidamente nos temas em pauta.

O psicoterapeuta também poderá utilizar-se de comportamentos verbais autoclíticos para oferecer apoio à tentativa feita pelo cliente para estar ali; demonstrar compreensão e empatia ao conteúdo relatado; instruir sobre como poderão adentrar gradativamente nos temas delicados, entre outras opções.

Guiar-se excessivamente pelas regras de coletar dados e evocar relatos do cliente poderia sacrificar outros ricos elementos desta primeira interação entre o psicoterapeuta e seu cliente.  Por outro lado, desconsiderar tais diretrizes poderia privilegiar a interação social que acontece dentro da sessão e desviá-la do caráter psicoterapêutico.

Referências

Guilhardi, H. J. (2004). Terapia por Contingências de Reforçamento. In: C. Nabuco e H. J. Guilhardi (Orgs.) Terapia comportamental e cognitivo-comportamental – Práticas Clínicas. São Paulo: Editora Roca.

Guilhardi, H. J. (2017). Análise Funcional e Análise De Contingências De Reforçamento. Disponível em http://itcrcampinas.com.br/pdf/helio/analise_funcional_e_analise_de_contingencias_de_reforcamento.pdf

Matos, M. A. (2001). Comportamento governado por regras. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, 3 (2), 51-56.

Skinner, B. F. (1974/1993). Sobre o Behaviorismo. Trad. Maria da Penha Villalobos. São Paulo: Editora Cultrix.

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Escrito por Marília Zampieri

Graduada em Psicologia pela Universidade Federal de São Carlos - UFSCar, Especialista em Psicologia Clínica Comportamental pelo Instituto de Terapia por Contingências de Reforçamento - ITCR-Campinas, Mestre em Psicologia pela Universidade Federal de São Carlos - UFSCar. Atua como psicóloga clínica e supervisora de atendimentos a adultos em Campinas - SP e online, e como supervisora dos cursos de especialização do ITCR - Campinas.
Possui acreditação como Analista do Comportamento pela ABPMC.

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