O presente artigo é fruto de um trabalho realizado para o Curso em Terapia Analítico-Comportamental Infantil, promovido e orientado pela psicóloga Amanda Viana dos Santos (CRP – 09/14306) por meio do projeto Guia Prático dos Pequenos (disponível no Instagram @guiapraticodospequenos). A proposta do trabalho foi apresentar um recurso como apoio para intervenção psicoterápica com crianças com dificuldade de regular emoções. O presente texto foi redigido por Amanda Viana dos Santos com a colaboração de Beatriz S. Santos, que desenvolveu o recurso psicoterapêutico.
De modo geral, ensinar a criança a regular suas emoções diz respeito ao treino de identificação, nomeação e expressão dos próprios sentimentos (Moura & Venturelli, 2004), além de saber como manejá-los em determinados contextos, buscando a maximização do contato com reforçadores positivos. A ampliação do repertório de autorregulação emocional traz diversos benefícios a curto e a médio prazo tanto para a criança quanto ao grupo social no qual está inserida. Dentre os benefícios, pode-se citar a facilidade na adaptação em interações sociais em diferentes circunstâncias (Lins & Alvarenga, 2018); discriminação dos efeitos privados fruto de contingências que a criança está exposta e respondê-los topograficamente de forma socialmente adequada, por exemplo, dizendo como se sentiu quando algo aconteceu, em vez de agredir quem gerou a emoção (Moura & Venturelli, 2004); seleção e fortalecimento da autonomia comportamental ao se tornar capaz de analisar as contingências de controle de sua resposta emocional ou de terceiros, aumentando a probabilidade de programação ou alteração de contingências e expressão de sentimentos (Guilhardi, 2002); implicação em outros comportamentos socialmente relevantes, como o estabelecimento de vínculos afetivos, autoestima, autocontrole e adaptação social (Moura & Azevedo, 2000).
O treino e fortalecimento do repertório de regulação emocional se faz presente tanto no contexto familiar e escolar quanto no atendimento psicoterápico infantil, o qual é o foco deste artigo. Enquanto parte da comunidade verbal da criança, esses contextos podem prover de estímulos discriminativos (como os verbais) de modo que sejam evocados comportamentos de auto-observação e descrição de contingências controladoras de seus comportamentos (Silva & Bravin, 2018), como sentimentos e emoções. Os relatos evocados acerca das emoções podem dar suporte ao clínico para investigar quais contingências estavam e estão em vigor na vida da criança e até mesmo de seus pares. Por exemplo, a criança relatar que sente a emoção raiva em determinados momentos sociais pode dar a oportunidade ao clínico de trabalhar estratégias de relaxamento e resolução de problemas interpessoais. Por isso, a aquisição e fortalecimento da autoexpressão (identificar e falar sobre emoções e sentimentos) é um dos repertórios pré-requisitos para o andamento da terapia (Moura & Venturelli, 2004).
É possível observar uma grande parte das crianças no consultório psicoterápico infantil com déficit no repertório de autoexpressão e manejo das emoções, trazendo prejuízos a longo prazo tanto para a criança quanto para o grupo social no qual está inserida. Considerando esse cenário, foi desenvolvido, pela autora Beatriz do presente artigo, o recurso “Lidando com a Raiva”. O material possui o objetivo de auxiliar o psicólogo infantil na coleta de dados e análise funcional quanto a frequência e magnitude da emoção da raiva, além da topografia e função dos operantes relacionados a essa emoção. Além disso, o material pode ser um apoio aos pais e/ou outros responsáveis para ajudarem a criança a regular essa emoção.
O recurso, composto por sete páginas, possui o personagem Raiva, do filme Divertidamente (2015) da Disney Pixar, como principal figura. A primeira página do material refere-se à capa, com o título do recurso e o personagem, ilustrado na Figura 1. A segunda, terceira e quarta página são compostas por uma figura do Raiva e figuras de termômetros, ilustrados na Figura 2. Nessas páginas, o intuito é a criança colorir o termômetro em função da intensidade do sentimento de raiva que está experienciando ou que experienciou em seu corpo. Em complemento, há espaços para a descrição de quais determinados contextos são ou foram geradores dessa emoção e quais operantes relacionados à raiva foram emitidos. Com o intermédio do terapeuta ou dos cuidadores orientados pelo terapeuta, a quinta página do recurso propõe que a criança desenhe estratégias para regular a emoção da raiva, por exemplo, utilizando-se da respiração diafragmática, Pote da Calma, expressão de sentimentos e/ou outras estratégias de resolução direta do problema que está enfrentando. Por fim, a última página do recurso contém um novo personagem, a Alegria, no qual se propõe o uso de músicas que lembrem à criança diferentes situações agradáveis, com o objetivo de ser mais uma estratégia de manejar a emoção de raiva.
Para utilizar o recurso, basta imprimi-lo. O modelo presente na segunda, terceira e quarta página pode ser impresso na quantidade que o profissional avaliar ser necessário, de acordo com o caso. O material pode ser utilizado tanto em sessão com a criança, com os cuidadores e com a criança, ou só com os cuidadores, com o intuito de orientá-los a como aplicar e manejar o recurso na criança.
Após a aplicação, espera-se que aumente a probabilidade da criança ser capaz de identificar, nomear e expressar a emoção raiva em determinados contextos, além de descrever as relações funcionais que a emoção raiva está envolvida e quais estratégias podem ser utilizadas para manejo.
Para baixar gratuitamente o material, clique neste link.
Referências
Lins, T., & Alvarenga, P. (2018). Contribuições da análise do comportamento para a compreensão da socialização emocional infantil. Acta Comportamentalia: Revista Latina de Análisis del Comportamiento, 26(3).
Moura, CB, & Venturelli, MB (2004). Direcionamentos para a condução do processo terapêutico comportamental com crianças. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva , 6 (1), 17-30.
Guilhardi, H. J. (2002). Auto-estima, autoconfiança e responsabilidade. Comportamento humano: tudo (ou quase tudo) que você precisa saber para viver melhor, 63-98.
Moura, C. B. e Azevedo, M.R.Z.S. (2000). Estratégias lúdicas para uso em terapia comportamental infantil. Em: R. C. Wielenska, (org) Sobre comportamento e cognição: questionando e ampliando a teoria e as intervenções clinicas e em outros contextos. v.6, pp. 163-170. Santo André: ESETec.
Silva, K. S. & Bravin, A. A. (2018). O mundo encoberto de cada um: técnicas que auxiliam o autoconhecimento. Em A. K. C. R. de- Farias, F. N. Fonseca, & L. B. Nery (Orgs.), Teoria e Formulação de Casos em Análise Comportamental Clínica. Porto Alegre: Artmed.