Moda e Análise do Comportamento: uma relação possível

O conceito de Moda implica a identificação de pessoas e grupos, o pertencimento a grupos, a determinação de comportamentos e pode-se compreendê-la como definidora de marcos históricos (Moura, 2018) e também como expressão de força política (Carvalhal, 2021) e, ainda assim, é curioso como há pouca quantidade de estudos sobre moda dentro da Psicologia (e aqui me refiro à psicologia no geral, os estudos de moda em análise do comportamento são quase inexistentes), uma vez que esse fenômeno contempla tantos aspectos comportamentais principalmente no que diz respeito ao estudo da Cultura. 

Entretanto, quando se estuda textos de Psicologia e Moda, encontra-se muito a conceituação de self e o quanto a Moda serve como forma de expressar quem somos por meio de comunicações não verbais. E é aqui que adentra o objetivo do meu texto: fazer a distinção entre moda e estilo pessoal e entender, ainda que brevemente, como a Análise do Comportamento, por meio dos conceitos próprios de self e comportamento social, pode contribuir para a compreensão e estudo de tais fenômenos. 

Moda, como descrito, é um aspecto cultural. É um fenômeno de grupo (ou subgrupos) que é determinado por contexto e variáveis de controle passadas e atuais, como qualquer outro comportamento. Ainda assim, como todo comportamento social, tem a participação crítica do indivíduo. Este se relacionando com a moda por meio de todo seu histórico de vida, o que lhe é reforçador ou não, e, assim, criando seu próprio estilo. 

Quando Skinner (1980) estuda a seleção por consequências definindo pré-determinantes para o comportamento, o faz trazendo três ‘dimensões’ de variáveis críticas para se compreender o responder dos indivíduos: aspectos biológicos (que correspondem à espécie); aspectos de história de vida (a relação do indivíduo consigo mesmo e sua história de vida); e a cultura (a relação do indivíduo com outros indivíduos, constituintes do mesmo grupo ou de grupos diferentes). Essa forma de se olhar para o comportamento e entender suas funções faz com que a Análise do Comportamento compreenda o ser humano como um ser realmente individual, único, irrepetível e, talvez, só comparável a si mesmo. 

Nos conceitos tradicionais da Psicologia Social, área que mais tem estudado a relação entre Moda e Psicologia, entende-se self como o conceito que dá ao indivíduo identidade, sendo de complexa análise por envolver fenômenos como a características idiossincráticas do indivíduo, as interações que ele tem com o ambiente social e aos grupos ao qual ele faz parte (Reis Junior & Andrade, 2019). 

Sob a ótica da Análise do Comportamento, Skinner (1953) conceitua self como “um sistema de respostas funcionalmente unificado” (p. 285), isto é, o self está relacionado a modos de agir no mundo. Ele entende que self é construído socialmente (1953; 1974; 1990). É construído por meio da interação que o indivíduo tem com a comunidade verbal que o cerca, a mesma que o faz perguntas (como você está?; O que quer fazer?; Como está se sentindo? Etc.) e modela formas pelas quais ele vai se descrever em função do que vive com tal comunidade verbal (Skinner, 1957), se identificando com aquilo que esta diz sobre ele ou não. 

Uma vez que o self é construído socialmente e é um sistema de respostas que se relacionam com a forma como se age no mundo, também compreendendo que comportamento social envolve a forma como, por meio de nossos comportamentos, impactamos o comportamento do outro com quem convivemos (direta ou indiretamente) seja como ocasião para que o outro se comporte seja como agentes consequenciadores um para o outro, parece plausível que, assim como na Psicologia Social,  a Análise do Comportamento consiga analisar o comportamento das pessoas no que diz respeito à Moda e Estilo. 

E a Análise do Comportamento pode ter muito a contribuir para a compreensão do fenômeno, abordando aspectos culturais como o impacto que a moda tem a nível individual, na definição de estilo pessoal como forma de expressão de identidade; também pode contribuir para a investigação de tomada de decisão pela vestimenta de acordo com a forma como a comunidade verbal controla tais escolhas, seja por meio de instituições familiares como também outros grupos nos quais a moda serve como instrumento para a noção de pertencimento, por exemplo. 

Também pode contribuir para uma análise cultural por meio de sistemas comportamentais, investigando qual o impacto do consumo de moda e da produção de roupas para o meio ambiente, sociedade e planeta em que vivemos. Algumas empresas têm sido premiadas pela baixa emissão de carbono na produção de suas peças (é o caso da LVHM, empresa responsável por marcas como Louis Vuitton e Hermés). Marcas brasileiras que têm optado por utilizar materiais recicláveis e que assim como a LVHM escolhem reciclar as próprias peças não vendidas para confeccionar as próximas coleções[1] já estão atuando como sistemas comportamentais. O fato de existir uma contingência em que empresas podem ser consequenciadas positivamente por meio de sua responsabilização junto ao meio ambiente já é campo de trabalho para um analista do comportamento.

Pode voltar o olhar também à representatividade que a Moda tem o potencial de trazer a grupos antes esquecidos pela indústria da moda (como o grupo Plus Size, pessoas com vitiligo, pessoas com corpos “normais” etc.) e o movimento de contracontrole que ela tem feito aos padrões de beleza impostos pela sociedade durante décadas (um exemplo recente é a campanha da Calvin Klein em que utiliza-se uma modelo trans, de corpo gordo e pele preta).

Moda é o coletivo que serve como ferramenta para o estilo, que é individual. Este é, assim como o próprio indivíduo, único e irrepetível. A forma como cada um estabelece sua relação com moda sob o reflexo da cultura, da história de vida e das contingências passadas e atuais é um prato cheio para qualquer analista do comportamento que tenha um mínimo de interesse pela área. 

O simples fato de ser um fenômeno que impacta diretamente o indivíduo e que, ao mesmo tempo, é cultural, já justificaria os olhos analítico-comportamentais se voltarem para o tema. Sabendo então, que existem formas práticas da Análise do Comportamento contribuir para a construção de um ambiente social melhor no que diz respeito ao impacto individual e cultural, parece-me que é necessária pelo menos a reflexão da inserção de analistas do comportamento no meio da moda. 

Referências 

Carvalhal, A. (2021) Moda com Propósito: manifesto pela grande virada. São Paulo: Paralela. 

Moura, L. L. (2018) Moda como expressão de identidade no mundo contemporâneo. Sergipe: dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Psicologia Social da Universidade Federal de Sergipe. 

Reis Junior, F. N.; Andrade, L. N. (2019) Psicologia Social e Moda: uma interface possível. Dobras, v. 12, n 25. 

Skinner, B. F. (1953) Science and Human Behavior. New York: MacMillan.

Skinner, B. F. (1974) About Behaviorism. New York: Vintage Books.

Skinner, B. F. (1990) Questões Recentes na Análise Comportamental. São Paulo: Papirus. 

Vogue Brasil (2021) Edição de Abril, n. 512. Editora Globo.Vogue Brasil (2021) Edição de Maio, n. 


[1] Matérias publicadas nas edições 512 e 513 da Vogue Brasil – edições de Abril e Maio de 2021.

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Escrito por Renan Miguel Albanezi

Graduado em Psicologia pelo Centro Universitário Cesumar (UniCesumar), especialista em Análise do Comportamento e Psicoterapia Cognitivo-Comportamental pelo Núcleo de Educação Continuada do Paraná (NECPAR) e em Terapia Comportamental pela Universidade de São Paulo (USP). Tem como principais áreas de estudo o Behaviorismo Radical e a Análise do Comportamento com interesse em comportamento verbal, agências controladoras do comportamento, psicoterapia comportamental e psicoterapia analítica funcional.

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