Inicialmente conceber vulnerabilidade e coragem como características que caminham lado a lado, nos pode parecer estranho, afinal, socialmente temos a compreensão de que alguém corajoso é alguém forte, destemido, imponente, e na maior parte das vezes, um símbolo de vitória e êxito, por sua vez, aquele que se mostra vulnerável tende a ser visto como fraco ou um sujeito que “não aguenta”!
Se procurarmos no dicionário o significado de corajoso, encontraremos a definição: “quem não tem medo”. Mas, será que seria possível nunca termos medo? Seria possível de fato não sentir essa emoção tão biologicamente adaptativa e natural? Sua presença nos sinaliza que estamos diante de um perigo e/ou um problema, e por isso, torna-se essencial na vida de cada um de nós. Obviamente podemos ter situações que de fato não nos amedrontam, mas dizer que NADA nos atinge torna-se no mínimo suspeito. Bem provavelmente se trata de um não entrar em contato com o que se sente, mais do que efetivamente não sentir.
Essa distância entre sentir, e o nominar e se dar conta do que se sente, pode estar relacionado a alguns mitos socialmente ratificados de que determinadas emoções são entendidas como sinônimo de vulnerabilidade. É como se fosse implicitamente sugerido que devêssemos esconder ou mesmo rejeitar a presença do medo, da vergonha, da tristeza, dentre outros. Tais emoções passaram a ser vistas como impeditivas para o sucesso e prosperidade, afinal, os “fracos” não chegam ao topo. Essa ideia é continuamente vendida pelas mídias sociais e pelos comerciais de televisão que sempre enfocam em satisfação, felicidade e bem-estar contínuos. De fato, sentir é visto como algo feio e esquisito, tornando-se quase inaceitável se mostrar triste, amedrontado ou vulnerável. Mas, ao entendermos que o sentir é inevitável e absolutamente humano, percebemos que mesmo que não se olhe ou cuide dessas emoções, elas ocorrerão.
“Não podemos optar por ficar fora da incerteza, do risco e da exposição emocional que perpassam nossa experiência. A vida é vulnerável” (Brown, 2013, pág. 35). Essa frase nos pode trazer inúmeras emoções e desconfortos, pois nos lembra que mesmo aquelas áreas da vida que nos parecem super certas, garantidas e estáveis (sejam profissionais, amorosas, sociais ou mesmo de lazer) na realidade encontram em si um certo grau de risco que é inerente ao viver. Quer um exemplo? Você poderia ser demitido amanhã. O seu negócio poderia falir, seu parceiro poderia te trair ou optar pelo fim da relação, algum ente querido poderia adoecer ou mesmo falecer, você poderia se ver doente ou ter alguma surpresa inesperada. Enfim, inúmeras são as possibilidades de “tragédias” inerentes ao viver, e mesmo que essa lista só nos aponte ao ruim e ao trágico, ela carrega em si o outro lado que é: você parece se importar com seu trabalho, com seus relacionamentos, com seus amigos e parentes e consigo próprio, afinal, lhe custaria renunciar aos itens dessa lista que lhe são preciosos. Cabe aqui a frase de Tereza D`Ávila que nos lembra o sentido dessa dicotomia entre dor e valores: “É justo que muito custe o que muito vale”.
Nesse sentido, para vivermos de acordo com as escolhas que fazem sentido para nós, nos deparamos com a necessidade de agirmos em prol da pessoa que queremos ser, mais do que pela evitação do desconforto. É aqui que teremos nosso primeiro grande ato de coragem: abraçar a vulnerabilidade de ser quem somos, sentir o que sentimos e agir segundo os nossos valores. Afinal, entrar em contato com emoções nos coloca na possibilidade de experimentar situações em plenitude, enquanto tentar controlar as mesmas, pensamentos, expressões e reações pode ser demasiadamente exaustivo e nos blindar de efetivamente fazer contato com o que faz sentido para nós.
Cabe aqui uma pergunta final, escrita por Brené Brown, que ilumina nosso contato com valores: “O que vale a pena fazer mesmo que eu fracasse?”, pois para além do que se faz, é sobre repensar se essa escolha está me levando para uma direção que seja significativa para mim.
Referências bibliográficas
Brown, B. – TEDx – O poder da vulnerabilidade – Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=iCvmsMzlF7o
Brown, B. (2013). A coragem de ser imperfeito. Rio de Janeiro: Sextante
Poubel, L. & Rodrigues, P. (2018). Manual de inteligência psicológica para felicidade integral. Rio de Janeiro: Letras e versos