Byron Katie e a Falência das Psicoterapias Baseadas em Evidências

Hoje em dia, entre profissionais da Psicologia que se consideram “antenados” e atualizados com a prática clínica, popularmente associada a figura de Freud e seu divã (gostem ou não os behavioristas), cresce o entusiasmo com as chamadas Psicoterapias Baseadas em Evidências.

O que seriam essas terapias? Supostamente, são tratamentos psicológicos ancorados em resultados de pesquisas científicas que “validam” sua potência, seu valor, elevando os mesmos para além da mera opinião ou do senso comum. Para além, aliás, de muitas “terapias” que habitam o próprio seio da Psicologia.

Estas Psicoterapias Baseadas em Evidências seriam algo como o top of the cream dos métodos e tratamentos terapêuticos para diversas condições clínicas, de depressão e ansiedade até fobias. Muitos destes tratamentos “padrão-ouro”, baseados em evidências, acontecem de forma rápida e com baixo custo. Mas as pessoas não sabem disso. São métodos em Psicologia Clínica com décadas de evidências científicas, como técnicas de exposição, por exemplo, reconhecidas por sua eficácia clínica.

No entanto, todo este esforço parece mais uma alucinação liliputiana, ou seja, minúsculo, frente ao poder e crescimento imensurável das pirotecnias utilizadas pelos “coachs” e “terapeutas quânticos”. Sim, essa galera que quase nunca tem formação em Psicologia, mas que utiliza coisas como “reprogramação de crenças”, e que consegue efetivamente chegar nos meios de comunicação, e nas pessoas. Eles utilizam todo o jargão psicológico do senso comum e criam pacotes interessantes de produtos terapêuticos e de autoconhecimento. Ciência? Em geral passa longe. Pseudociência? Tem de sobra.

Nós, profissionais da Psicologia, enquanto falamos mal deles, invejosos que somos, não conseguimos levar nem para a mídia nem para a população quase nada destas maravilhas das Psicoterapias Baseadas em Evidências. Fazemos 5 anos de faculdade, 2 anos de mestrado, 4 anos de doutorado, e nada. Nem nossa família sabe o que a gente faz. Algum(a) psicólogo(a) desta nobre área já apareceu no programa matinal da Fátima Bernardes? Da Ana Maria Braga? No Fantástico? Não, né. Pois é, mas deveria. Alguns de nós escrevemos blogs ou colunas em periódicos populares? Não, né. Mas deveríamos. Se bobear chamam o Dráuzio Varella para falar de Psicologia, ou algum tiozão psicanalista dos anos 90, ao invés de qualquer Psicólogo(a) que trabalhe com as tais “evidências”. A Psicologia, ao menos no Brasil, não fala com o povo. Os terapeutas malucos, sim.

E quando não escrevemos manchetes, não habitamos as mídias populares, sabem quem habita? Acertou. Os coachs e terapeutas quânticos. Até em novela das oito eles já apareceram. Eles e seus métodos quase nunca baseados em evidências (aliás, alguns até perigosos). Evidências só as anedóticas mesmo, daquele vizinho ou primo que mudou a vida em uma sauna xamânica com Ayuasca. É por nosso silêncio e inaptidão comunicativa que mesmo os meus pacientes, por mais avisados que sejam, frequentam cursos e workshops de toda sorte de terapeuta e coach e – sim – trazem para a terapia alguma alegria (ou tragédia) que aconteceu nestes eventos. Depende da sorte deles. É uma roleta russa.

Por nossa própria incapacitação e ineficiência, as pessoas que seriam possíveis pacientes de Psicólogos(as) Baseados em Evidência – hoje – estão em rodas de constelação familiar, sessões de barras de access e tethahealing, ou mesas quânticas radiônicas. Por isso, estão fazendo reprogramações de DNA e outras bizarrices pseudocientíficas. Por sorte, terminam apenas em um astrólogo ou quiromante. Sim, pessoas com transtornos mentais de toda a ordem, desde ansiosos e TDAHs, até portadores de Transtornos Bipolares e Borderlines, estão descobrindo irmãos abortados em rodas de Constelação Familiar, ou alinhando seus chacras em sessões de hipnose tântrica; estão descobrindo o “ponto da prosperidade” em suas cabeças através de sessões de Barras de Access. E a Psicologia? Ninguém sabe, ninguém viu. Só doido vai em Psicólogo, já dizia meu pai.

Enquanto nós, do alto de nossa ciência, de nossa arrogância, de nossos títulos de doutorado e compêndios, seguimos ridicularizando seus feitos, eles seguem enchendo suas formações e workshops. Seguem angariando pessoas em sofrimento. É um mercado bilionário. O tal do Tonny Robbins até filme no Netflix tem. Mérito do Tonny e dos demais coachs. Tem filme de Psicólogo Baseado em Evidência na Band? Na Record? Não, né. Ouve essa: “deixem os psicólogos falarem”, ouvi de uma coach. “Não dê ouvidos para eles. Eles endeusam a Ciência, e nós estamos para além disso. Nós contemplamos o bio-psico-sócio-espiritual”, disse outro coach. E eles estão certo. Tudo o que fazemos, ao final, é continuar falando entre nós mesmos, em um looping sem fim, e com outra dúzia de pessoas que já concordariam conosco, de antemão. Somos um grupo de amigos numa roda de bar, e falamos coisas que só nós e nossos amigos, e amigos de amigos, levam em consideração. Dificilmente algo além disso. Freud mesmo chegou bem mais longe com seu “um charuto nem sempre é apenas um charuto”.

Saiba que enquanto você lê este texto, mais uma pessoa comprou um curso de “análise corporal” pelo YouTube ou fez uma avaliação de personalidade pelo DISC (invalidado pelo Conselho Federal de Psicologia). Enquanto você se preocupa em fazer sua formação caríssima em Terapia Cognitivo Comportamental, ou ler aquele paper em inglês com análise estatística multivariada, mais 100 coachs estão se formando em algum instituto obscuro criado por “você sabe quem”.

E não sei porque você quer fazer uma formação em Psicoterapia Baseada em Evidências. Já conhece o Método Byron Katie? Não? Corre lá. As pessoas vão preferir do que te pagar várias sessões de uma terapia de última geração com o carimbo – desinteressante – da tal Ciência.

Em tempos de Cloroquina, terapeutas quânticos são reis.

4.7 13 votes
Article Rating
Avatar photo

Escrito por Tiago Tatton

piadista inveterado, torcedor do Flamengo e pai da Clara Luz. Nas horas vagas é psicólogo, especialista e mestre em Ciência da Religião (UFJF/MG), doutor em Psicologia (UFRGS/RS e King´s College Londres), pós-doutor em Psiquiatria e Ciências do Comportamento (UFRGS/RS). Diretor Geral da Iniciativa Mindfulness. Em 2016 completou o Mindfulness Advanced Teacher Intensive pela Universidade da California em San Diego (USA).

Terapeuta, o que você tem feito ao se relacionar com o seu cliente?

Relacionamentos românticos e a variável gênero