Vou começar esse texto com um causo para ilustrar o tema desta publicação.
Uma vez, eu estava deitada na cadeira de piscina de um hotel lendo um livro e olhando não só para a paisagem ao redor, mas também para a interação entre uma mãe e sua filha, ainda bebê, por volta dos 2 anos. Na primeira cena a que assisti, a mãe foi até um dos quiosques do local e colocou a criança de pé em cima de uma das mesas para que pudesse paramentá-la para nadar. Enquanto a mãe se ocupava com o colocar das bóias e passar do protetor solar, a menina começou a protestar com voz e expressão de choro: “eu vou cair! Eu vou cair, mamãe!!!”. Sensibilizada pelo medo da cria, a mãe pegou-a no colo e terminou seus afazeres sentada, com a criança apoiada em seu peito. Na segunda cena, minutos depois da primeira, a mãe pôs novamente a filha de pé, agora em cima de uma cadeira, enquanto mexia nos seus pertences sobre outra imediatamente ao lado. O “eu vou cair! Eu vou cair, mamãe!!!” repetiu-se na voz e rosto choroso e mais uma vez a mãe agarrou a filha em seus braços.
Na terceira e última cena que eu presenciei, mãe e filha entraram na piscina e, brincando perto de uma borda bastante íngreme – a piscina era daquelas de borda infinita -, a criança subia e pulava, de novo e de novo, naquela parte escorregadia revestida de azulejo. Ali sim a criança poderia cair.
Depois de assistir a toda essa sequência, fiquei pensando se aquele apelo queixoso da criança não era, na verdade, um pedido de colo, de contato físico com a mãe; e fiquei imaginando qual seria a história que teria levado a esse pedido se tornar disfarçado de algo a que uma mãe atolada de tarefas seria prontamente responsiva. Desde então, venho pensando sobre a possibilidade de nossas histórias serem bastante semelhantes a essa… Nós também aprendemos a esconder nossas necessidades com outras que afetam os outros mais eficientemente. Contato físico pode ser visto como mimo, segurança e proteção são urgentes.
O comportamento humano não é determinado pela lógica, nem pelo “entendimento da realidade”, mas por contingências de reforçamento. Em geral, nem mesmo pela descrição que se faz das contingências de reforçamento em operação, mas pelo genuíno contato das pessoas com elas.
Guilhardi, 2004
Assim como provavelmente não era a altura que estava controlando o choro da criança, mas a presença da mãe e seu caloroso colo, os estímulos a que reagimos nem sempre são aqueles que sabemos descrever, seja em um tato ou em um mando, porque o que realmente contingencia um comportamento que é verbal é um ouvinte – enquanto qualquer outra resposta não-verbal é determinada, como sinalizado no trecho de Guilhardi, pelo contato direto com os estímulos. Para compreendermos o significado de uma verbalização, enquanto Analistas do Comportamento, buscamos a função desse comportamento, que envolve seus determinantes. Vargas (2007) disse:
Ao longo da análise do comportamento verbal, as variáveis das quais ele é uma função fornecem o significado de qualquer expressão verbal. Os processos de reforço, punição, indução, e discriminação exercem os seus controles nos modos especiais que definem as expressões verbais de mando, tato, intraverbal, e autoclítica. Abordando as relações funcionais entre estes processos e formas verbais desembaraça os diferentes significados de uma expressão idêntica feita em momentos diferentes, por locutores diferentes, e para grupos diferentes.[…] Para o ouvinte sofisticado que infere os controles corretos do termo (independentemente de sinônimos de dicionário), estes controles fornecem o significado do termo. Eles relacionam a funcionalidade contingente da expressão (a variável dependente) e as suas variáveis controladas (independente). Quando mediado, o controle, e desta maneira o significado de uma expressão verbal, é moldado socialmente.
Vargas, 2007
Nesse sentido, os ouvintes precisam além da estimulação vocal, estímulos adicionais do contexto para compreender o falante. Vamos a um exemplo… A palavra “obrigado” é usada tanto para aceitar como para recusar algo que foi oferecido, como, digamos, um chiclete Trident; o que determina se o ouvinte entrega ou afasta o pacotinho de goma de mascar são outros estímulos que acompanham a palavra: o balançar de cabeça de um lado para o outro, sinalizando uma negativa, ou o estender de braços alcançando a embalagem. Esses estímulos adicionais possibilitam um controle discriminativo mais apurado à audiência, que consegue responder ao falante mais consistentemente com a função de seu comportamento.
Juntando as pecinhas deste complexo quebra-cabeças, o que temos então é a combinação de estimulação interna – no corpo, em uma pessoa – e externa – no ambiente, uma outra pessoa – no controle do comportamento verbal, e mesmo quando estamos expressando um estado, um pensamento, um sentimento ou uma necessidade, há um controle interpessoal participando na determinação do comportamento. O que ganhamos ao notar esse controle, nas posições dinâmicas de falante ou ouvinte, é um responder contingente mais preciso, relacionamentos mais sadios e psicoterapias mais eficientes.
Aprimorar nossa habilidade de observar e, então, de responder aos estímulos contingentes às verbalizações das pessoas com quem nos relacionamos têm sido o principal mecanismo de mudança usado na Psicoterapia Analítica Funcional (FAP; Kohlenberg & Tsai, 1991/2007). Tourinho (2006) postula que a distinção entre público e privado é uma questão de observabilidade.
[…] Pode-se dizer que a observabilidade varia também como função dos instrumentos do observador, sendo possível falar em um continuum de observabilidade. Tourinho (no prelo) acrescenta a essas fontes de variabilidade o treino de observação do observador. Quanto mais adestrado para observar o responder dos organismos e, em especial, as relações entre esse responder e contingências ambientais, mais capacitado se está para identificar respostas que, aos olhos dos outros, ou na relação com os outros, são encobertas.
Tourinho, 2006
Tenho de concordar com Tourinho, não só pela sua coerência teórica e filosófica, mas pela aplicabilidade dessa visão na minha experiência prática. Eu atendo um adolescente há aproximadamente dois anos e, recentemente, eu estava conduzindo uma sessão com ele e o pai quando o homem aumentou o tom de voz bruscamente com o menino em uma situação que aconteceu ali, na sessão. Precisei mediar a interação entre os dois e, em um momento que fiquei a sós com o meu cliente, revelei para ele que eu estava com o coração acelerado, assustada. Não me surpreendi com o que ele respondeu; ele percebeu minha reação. Mesmo atendendo de máscara, distante a mais de 1 metro dele, e não tendo sido flagrada pelo pai, ele observou no meu corpo alguma alteração que entregou meu sobressalto. Ele estava bem treinado, pela nossa intimidade, a observar meus, até então, encobertos.
E é em bons observadores capazes de responder contingentemente ao outro que poderemos nos transformar se nos mantivermos atentos à uma análise de contingências cuidadosa, que busca os determinantes sociais, mediados, dos nossos comportamentos. Estamos imersos em interações e relacionamentos e ignorar a influência disso nos leva ao risco de conduzir análises e intervenções mecânicas, que escutam em um “eu vou cair” o medo e não a necessidade de contato humano.
Guilhardi, H. J. As melhores intenções, de Ingmar Bergman. Instituto de Terapia por contingências de reforçamento, 2015.
Kohlenberg, R. J. & Tsai, M. (1991/2007). Functional Analytic Psychotherapy: A guide for creating intense and curative therapeutic relationships. New York: Plenum.
Tourinho, E. Z. (2009). Subjetividade e relações comportamentais. São Paulo, SP: Paradigma.
Vargas, E. A. (2007). O comportamento verbal de B. F. Skinner: uma introdução. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, 9(2), 153- 174.