[Entrevista – Matthew D. Skinta] – autor do livro Mindfulness and Acceptance for Gender and Sexual Minorities

Matthew D. Skinta, PhD, ABPP, é um psicólogo clínico certificado em Psicologia da Saúde que mora com o marido em Chicago. Além de trabalhar como Psicólogo Clínico, ele também atua como Professor Assistente na Roosevelt University. A pesquisa anterior de Skinta se concentrou no impacto do estigma e da vergonha nos comportamentos de saúde dos homens de minorias sexuais, particularmente no que se refere à saúde sexual e aos cuidados relacionados ao HIV. Ele é um treinador certificado em Psicoterapia Analítica Funcional e em Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT) e é também certificado como professor em Treinamentos de Cultivo de Compaixão (CCT). Ele atua no Comitê de Orientação Sexual e Diversidade de Gênero (CSOGD) da Associação Americana de Psicologia (APA). Matthew Skinta estará no Brasil pela primeira vez em maio de 2021 através da iMind – Psicologia e Mindfulness para dar o Workshop “Psicoterapia Focada em Minorias Sexuais e de Gênero – TCC baseada em processos e metas transdiagnósticas”.

À medida que a aceitação e a disposição estão aumentando globalmente em relação às comunidades LGBTQI+, será necessário dar mais enfoque às preocupações culturais e globais que surgem.” (Matthew D. Skinta, PhD)

Para coordenar esta entrevista, chamamos Priscila Rolim, colunista no Portal Comporte-se, fundadora do iMind – Psicologia e Mindfulness e também treinadora Certificada em Psicoterapia Analítica Funcional. Agradecimentos à Victoria Gomes Cirino e Aline Simões pela colaboração.

Priscila: Quais são as especificidades do atendimento ao público LGBTQ+ na prática clínica?

Matthew: Mesmo em grandes cidades, a comunidade LGBTQ+ é bastante pequena e densamente conectada em rede. Um psicólogo social que estuda redes sociais me disse uma vez que, com base em seu trabalho preliminar, ele suspeitava que a maioria dos terapeutas LGBTQ+ estivesse a um grau de separação de qualquer cliente (ou seja, um conhecido ou amigo em comum). Isso significa que sua reputação é fundamental. Isso aumenta os desafios em relação à familiaridade e à conexão com a comunidade, independentemente da sua identidade, e a provável familiaridade que um cliente já pode ter com você ao entrar na sala pela primeira vez.

Priscila: Como você acha que variáveis ​​culturais e políticas podem interferir no trabalho do psicólogo que ajuda as minorias sexuais e de gênero? 

Matthew: Eu não penso sobre isso como uma interferência, mas como uma influência. Por exemplo, nos EUA, vários estudos mostram que o discurso cultural e político sobre o pertencimento de pessoas LGBTQ+ na vida cotidiana ou com acesso igualitário aos direitos legais, tem um impacto amplo e difuso no bem-estar dos membros da comunidade. Podemos pensar nisso como uma amplificação de todos os processos transdiagnósticos no modelo de estresse minoritário. Isso enfatiza a importância de os terapeutas heterossexuais e cisgêneros entenderem e acompanharem as notícias sobre os principais eventos que estão ocorrendo ou sendo frequentados por pessoas LGBTQ+.

Matthew: Você pode descrever alguns dos cuidados que os psicólogos devem ter ao atender clientes LGBTQ+?

Penso que o maior risco é quando um clínico bem-intencionado decide que não ser tendencioso significa que não é necessário ter conhecimento ou experiência específica para obter sucesso no trabalho com clientes LGBTQ+. A exposição diária a micro-agressões varia, os relacionamentos são organizados de maneira diferente, o estresse de ocultar a sua identidade, particularmente entre a família, pode ter um efeito adverso em todos os relacionamentos mesmo não sendo um tópico que um cliente identifica como foco central na psicoterapia.

Priscila: Por que você acha importante participar de um treinamento focado em identidades minoritárias? Você não acha que as abordagens analíticos-comportamentais são culturalmente competentes para isso? 

Matthew: Semelhante à última resposta, acho que a elegante simplicidade dos modelos analítico-comportamentais podem ser uma armadilha para um trabalho clínico eficaz. Do ponto de vista contextual, a consciência de que um aspecto conflituoso é comum a outras pessoas LGBTQ+, ou a crença de que alguém é único e está sozinho ao enfrentar algumas dificuldades, pode mudar o contexto em que um determinado estímulo ocorre. Sem reconhecer a história de aprendizagem e os antecedentes relevantes, é impossível uma análise funcional precisa. A teoria do estresse de minorias e outros trabalhos empíricos bem embasados sobre as maneiras pelas quais o viés anti-LGBTQ+ afeta a vida dos indivíduos, são fontes necessárias para a formulação de hipóteses e estar ciente delas é responsabilidade do clínico, não dos clientes.

Priscila: Como você acha que a FAP e a ACT podem ajudar os terapeutas a formular melhor a análise comportamental de contingências sociais invisíveis de práticas culturais discriminatórias e repertório interpretativo em encontros sociais? 

Matthew: Primeiro, a ênfase contextual nos lembra que os antecedentes e as relações funcionais não ocorrem no vácuo, mas na complexa interação das forças sociais e culturais. Além disso, nenhuma das duas terapias exige, ao contrário de algumas variantes da terapia cognitiva tradicional, que consideremos qualquer cognição como imprecisa. O preconceito que vivenciam e a distância social que sentem de outras pessoas importantes é uma realidade infeliz na vida de muitos de nossos clientes. A FAP e a ACT não exigem que questionemos isso.

Priscila: O leque de desafios para um clínico que procura prestar atendimento competente a seus clientes LGBTQ+ é amplo, e os terapeutas muitas vezes acabam por  evitar tópicos que possam ser desconfortáveis. Alguns estudos em Psicoterapia Analítica Funcional afirmam que o treinamento com a FAP pode melhorar a aliança terapêutica através do aumento da expressão de consciência, autenticidade, empatia e cuidado compassivo do terapeuta. Como você acha que um treinamento em FAP oferece uma abordagem clínica estratégica que melhora os impactos aversivos durante as intervenções e na vida dos clientes LGBTQ+, facilitando a conexão social? 

Matthew: Embora não seja totalmente capturado na literatura publicada, existem várias maneiras criativas através das quais os treinamentos da FAP foram usados ​​para chamar a atenção do clínico para áreas específicas de esquiva, como privilégios, poder e vieses. Pesquisadores sobre preconceito, particularmente em relação ao racismo, observam há muito tempo um viés cultural no sentido de ignorar essas diferenças como um caminho melhor a seguir. A FAP enfraquece o forte reforço negativo que é oferecido através da prática de ignorar os viéses na cultura mais ampla. Em meu trabalho anterior, dirigindo uma clínica de treinamento de identidade sexual e de gênero, usamos abordagens de treinamento da FAP para incentivar os terapeutas a observar as partes de sua própria experiência que eles procuram evitar. A lição mais poderosa para os terapeutas heterossexuais cisgêneros, é reconhecer que todos nós fomos ensinados a comportarmo-nos de maneiras tradicionalmente baseadas em gênero e a usar nosso corpo em formas sexuais tradicionalmente sancionadas. Estar confortável em saber onde nosso próprio desconforto surge e rastrear o efeito funcional desses momentos é fundamental para a construção de relacionamentos mais profundos e significativos com os clientes LGBTQ+.

Priscila: Li que você ganhou alguns prêmios, como o prêmio New Investigator do Centro de Programas para Estudos de Prevenção à Aids e o Prêmio Under-researched Population, você se importaria de nos contar mais sobre a sua experiência e o que há de mais destacado em seu trabalho e pesquisa que resultou nesses prêmios? 

Matthew: Por um lado, vale ressaltar que existem muitas oportunidades para receber esses prêmios como alguém apenas iniciando seu trabalho, em comparação com a alta competitividade e os fundos cada vez menores para os que estão mais adiante em sua carreira. Acho que houve um reconhecimento de que a linha de pensamento que descrevi aqui é nova, as estratégias comportamentais contextuais ainda são novas e são pouco pesquisadas em algumas comunidades, e há muito potencial para aumentar esse trabalho. Inversamente, ganhar esses prêmios e ainda assim ter pouco sucesso em financiamento competitivo depois enfatizam o quão difícil é fazer pesquisas que ainda são subvalorizadas pela cultura geral. Por exemplo, uma quantidade substancial do que é rotulado como pesquisa sobre populações minoritárias sexuais e de gênero pelos Institutos Nacionais de Saúde dos EUA são estudos especificamente relacionados ao HIV. Estudos de pessoas LGBTQ+ em benefício das pessoas LGBTQ+, e não da comunidade em geral, ainda são bastante raros.

Priscila: Um dos pilares da FAP é a construção de um relacionamento íntimo e genuíno. Para isso, grande parte do terapeuta é colocada na relação. No caso das minorias LGBTQ+, um dos estudos citados em um artigo seu menciona o impacto positivo da auto revelação do terapeuta como parte do tratamento com o público LGBTQ+. Gostaria de saber o que você pensa sobre como isso funciona nos relacionamentos em que o terapeuta é heterossexual e trabalha com uma pessoa LGBTQ+. Existe algum potencial dano? Como manejar a possibilidade de reprodução de lógicas de poder social nocivas enquanto se constrói um ambiente seguro para ser vulnerável?

Matthew: Eu acho que esse trabalho pode ser particularmente poderoso quando realizado com um terapeuta assertivo, heterossexual e cisgênero, pois pessoas heterossexuais cisgêneros – pais, amigos, entes queridos – provavelmente foram também uma grande fonte de rejeição e trauma interpessoal. Ter a oportunidade de ter um relacionamento curativo e vulnerável com alguém que se importa genuinamente e com compaixão, tem conhecimento sobre o tema e valoriza os clientes LGBTQ+ como seres completos, proporciona uma oportunidade única de cura. A maior proteção contra a reprodução de dinâmicas sociais nocivas  de poder é a disposição do próprio terapeuta de ser vulnerável e assumir uma postura de humildade. O viés inadvertido geralmente surge quando um terapeuta não explora suas próprias experiências, perdas ou identidade no que se refere a gênero e sexualidade. A disposição de estar errado e de se desculpar genuinamente por equívocos pode ser muito poderosa.

Priscila: O que você considera ser a vanguarda das aplicações clínicas ou da pesquisa clínica que merece atenção ou pode ser de alto valor para os clientes LGBTQ+?

Matthew: Eu acredito que, no momento atual, as intervenções que visam os mecanismos do estresse minoritário podem ser consideradas como vanguarda. Ou seja, em vez de focar em um sintoma específico, um crescente corpo de literatura aponta para  a eficácia de intervir no nível de processos comuns, como sensibilidade a rejeição, desregulação emocional ou vergonha e autocrítica. Penso que esta seja a vanguarda e requer mais conhecimento dos clínicos do que a ênfase anterior em uma postura LGBTQ+ afirmativa como o fator importante. Uma postura afirmativa pode ser necessária, mas provavelmente não é suficiente.

Priscila: Embora o Brasil seja considerado um dos países com leis mais estritas contra a homofobia e os preconceitos de gênero, as estatísticas mostradas ainda são alarmantes. Eu li que 61% dos funcionários LGBTQ+ no Brasil optam por esconder sua sexualidade por medo de perder o emprego ou sofrer assédio. Contudo, considerando esse cenário, algumas empresas já estão implementando comitês de diversidade em suas atividades. O projeto tem o ideal de envolver as empresas na incorporação da diversidade, tornando-se parte da luta contra a discriminação. A esperança é aumentar a qualidade de vida dessas pessoas, promovendo a igualdade de oportunidades e conscientizando a sociedade sobre os direitos da população LGBTQ+. O que você acha que as empresas deveriam saber sobre os desafios que as minorias enfrentam? Como eles poderiam se tornar mais conscientes das micro-agressões diárias e melhorar seu ambiente de trabalho para que seja mais focado na diversidade?

Matthew: Eu acho que existem alguns passos adicionais que as empresas podem adotar. Um é incluir treinamento e discussão de micro-agressões nas iniciativas de educação no local de trabalho. Um fator adicional é o treinamento gerencial sobre como trabalhar com um funcionário que esteja experienciando micro-agressões. Uma tendência lamentável que atravessa fronteiras é que muitas vezes esses relatos são minimizados e apresentados como mal-entendidos entre colegas ou como dificuldades interpessoais, em vez de serem considerados como uma forma de assédio que afeta os funcionários que fazem parte de um grupo minoritário.

Para mais informações sobre o Workshop visite https://www.sympla.com.br/psicoterapia-focada-em-minorias-sexuais-e-de-genero__766285

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Escrito por Priscila Rolim de Moura

Psicóloga (CRP 06/85737), mestre em Psicologia Clínica pela Leiden University (Holanda), especializada em Terapia Cognitivo Comportamental pelo Ambulatório de Ansiedade do Instituto de Psiquiatria, Hospital das Clínicas (FMUSP). Atua como psicoterapeuta clínica, supervisora e possui Certificação de Treinadora em Psicoterapia Analítica Funcional (FAP), concedida pela University of Washington - EUA, em 2017. Ela participa continuamente nos treinamentos FAP diretamente com os precursores da técnica, bem como outros nomes importantes nas terapias comportamentais contextuais. Priscila também adquiriu experiência trabalhando como psicoterapeuta em uma Clínica Especializada em Psiquiatria Intercultural (iPsy - Holanda), ajudando imigrantes e pessoas que sofreram traumas em países que estão em conflitos armados, como o Afeganistão, Angola, Iraque e Paquistão. Membro da Associação Brasileira de Psicologia e Medicina Comportamental (ABPMC) e da Associação de Ciências Comportamentais Contextuais (ACBS). E-mail para contato: pri_rolim@me.com - http://www.priscilarolim.com

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