A importância da criatividade na clínica analítico-comportamental

“Criatividade é a inteligência se divertindo”, já disse Albert Einstein1. É concebida popularmente como a capacidade ou poder de criar ou trazer à existência algo novo, fazer algo que ninguém fez antes ou mesmo de um jeito bastante singular.

Barbosa (2003) mencionou que o termo “comportamento criativo” costuma descrever melhor esta habilidade, uma vez que traz maior cientificidade, evitando a ideia de que haveria algo interno responsável pelo comportamento novo, implícita no temo “criatividade”.

Segundo Skinner (1968), para que um comportamento seja considerado criativo, ele deve ser necessariamente novo, de modo que não se pode ensinar comportamento original, pois não seria original caso fosse ensinado. No entanto, é possível ensinar o estudante a arranjar ambientes que maximizem a probabilidade de que ocorram respostas originais e criativas.

Ainda segundo Skinner (1953/2003), é possível gerar comportamento novo no repertório de um indivíduo a partir do controle imitativo ou por seguimento de descrições explícitas de contingências. Entretanto, quando um comportamento é emitido pela primeira vez na história de um indivíduo de outras maneiras (por exemplo, a partir do processo de modelagem não planejada por outro indivíduo), ele certamente será mais original do que aquele gerado por imitação e por controle verbal de instruções (Leite, 2016).

No momento em que o comportamento do terapeuta traz algum componente considerado criativo (novo) pelo seu cliente, isso pode constituir o diferencial do clínico analítico-comportamental no seu fazer profissional, além de proporcionar benefícios ao cliente, por exemplo, a diminuição da aversividade do contato com seus conteúdos emocionais. Para tanto, é necessária uma variabilidade comportamental, que vá além do aperfeiçoamento dos conhecimentos teórico-metodológicos.

Sakamoto (2011) menciona que o aprimoramento pessoal, o preparo teórico e manejo clínico de técnicas são fatores centrais no desenvolvimento profissional do psicoterapeuta. Eles representam as condições necessárias e satisfatórias que oferecem o suporte estrutural da clínica exercida pelo psicólogo. E, segundo a autora, é neste contexto que o potencial criativo do terapeuta se torna importante para atingir as necessidades do paciente.

Assim, ao longo da prática clínica, percebe-se que não basta ao clínico fazer mera aplicação das técnicas, tal qual se encontram nos manuais de terapia. Entende-se a necessidade de o profissional inovar suas práticas a partir do momento em que se considera algumas questões fundamentais. A primeira delas se refere à periodicidade dos atendimentos: considerando que as sessões são semanais (ou seja, com intervalo curto de um atendimento para outro), caso o terapeuta não varie os métodos e recursos a cada sessão, é provável que não haja engajamento e adesão do cliente ao tratamento, pois não haverá tanta dinâmica assim nos atendimentos.

Um segundo ponto que embasa a necessidade do comportamento criativo na sessão se refere à relação terapêutica. Quando o psicólogo apresenta comportamento criativo, ele traz à sessão estímulos reforçadores ao cliente, que pode compreender este comportamento como uma dedicação a mais do terapeuta em relação ao seu caso clínico. Com isso, o cliente pode se sentir valorizado e bem quisto, e isso é válido para a continuidade do tratamento e no alcance dos objetivos terapêuticos. Da mesma forma, esse comportamento pode trazer consequências reforçadoras para o clínico, uma vez que – através da criatividade – o clínico terá acesso a informações relevantes e exclusivas de seu cliente (pois alguns recursos criativos costumam suavizar o efeito aversivo de algumas abordagens do psicólogo, flexibilizando as barreiras naturais do cliente em expor seus conteúdos mais íntimos e dolorosos). Além disso, o terapeuta também poderá ter acesso ao reconhecimento social do cliente, o que pode funcionar como reforço positivo ao comportamento de usar a criatividade no consultório.

Pode-se entender, então, que o comportamento criativo do terapeuta no consultório ocorre quando ele ultrapassa a aplicação literal da técnica e/ou quando se permite ir além do comportamento verbal padrão de entrevista clínica (por exemplo, quando prioriza a interação verbal de perguntas e respostas).

Por exemplo, considera-se que o uso de metáforas e dos recursos que trazem algum aspecto lúdico (seja pelo aspecto físico – cores, forma, aparência – ou pela maneira como são conduzidos) costumam ser concebidos como criativos pelos clientes, o que favorece o processo psicoterapêutico, como anteriormente foi mencionado. As metáforas são definidas por Boavista (2012) como recursos linguísticos que favorecem a tomada de consciência plena da experiência, sem que haja o confronto de ideias nem persuasão do cliente, vislumbrando “apenas” apontar alternativas e, por isso mesmo, são elementos considerados criativos pelos clientes.

Já os recursos auxiliares utilizados no consultório que costumam ser concebidos como algo criativo na terapia com adultos podem trazer consigo algum elemento que possa estimular os sentidos do cliente (pode ser áudio, visual, tátil ou olfativo), além de resgatar a ludicidade, uma vez que isso traz leveza ao abordar assuntos considerados aversivos. Assim, valem recursos lúdicos, coloridos, textos, cartazes, músicas, livros, práticas de atenção plena variadas, ensaios comportamentais, enfim, uma ampla variedade de atividades, desde que adequada aos objetivos terapêuticos a serem atingidos.

Ou seja, quando o terapeuta se propõe a sair do óbvio no tratamento (como a ênfase na entrevista e na aplicação direta e inflexível das técnicas) , ele permite variar seu próprio repertório, aumentando as chances de emissão de chamado comportamento criativo, fazendo com que o processo terapêutico seja ainda mais reforçador para o cliente – e para ele mesmo, trazendo resultados de formas mais relevantes à terapia.

REFERÊNCIAS

Barbosa, J. I. C. (2003). A criatividade sob enfoque da análise do comportamento. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, v. 5, n. 2.

Boavista, R. R. C. (2012). Terapia de Aceitação e Compromisso : mais uma possibilidade para a clínica comportamental. Santo André: Esetec Editores Associados.

Leite, E. F. C. (2016). Componente criativo e resolução de problemas: estudo exploratório dos efeitos do reforçamento do variar em respostas precorrentes. Dissertação de mestrado em Psicologia Experimental, PUC-SP.

Sakamoto, C. K. (2011). Clínica psicológica: o manejo do setting e o potencial criativo. Boletim de Psicologia, v. 61, n. 135.

Skinner, B. F. (1968). The Technology of Teaching.New York, NY: Apleton- Century-Crofs.

Skinner, B. F. (1953/2003). Ciência e Comportamento Humano. São Paulo: Vozes Editora.

1 Conforme https://www.pensador.com/criatividade/

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Escrito por Juliana Patricio

Psicóloga formada pela Universidade Estadual do Piauí, especialista em Análise Comportamental Clínica pelo Instituto Brasiliense de Análise do Comportamento e em Psicologia Jurídica pelo Conselho Federal de Psicologia. Atua como psicóloga clínica em consultório particular e online, e como psicóloga forense no Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão.

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