Já é possível constatar algumas produções reflexivas de profissionais da Psicologia e de outras áreas sobre como será o mundo pós-pandemia. Porém, quero me concentrar aqui no possível impacto dessa crise em relação a indivíduos que sofrem de transtorno de ansiedade social (TAS) ou, seu nome mais antigo, fobia social.
Estes indivíduos, em sua grande parte, já apresentam um comportamento de isolamento social desde muito cedo. Em outras palavras, já evitam o contato social desde que “se entendem por gente”. Essa evitação, ao contrário da evitação imposta a todos nós em função do risco de contaminação pelo vírus, é uma evitação relativa à uma ameaça social, e não física (Bulley, Miloyan, Brilot, Gullo & Suddenforf, 2016).
Pode-se problematizar a noção de ameaça física e social, mas não é o objetivo aqui nesse momento. Quando me refiro a uma ameaça social, me refiro a uma ameaça de ser criticado, julgado negativamente e rejeitado. Por outro lado, a ameaça do vírus é uma ameaça primariamente física, uma vez que atinge o organismo físico e se configura como uma doença no sentido médico.
Tenho ouvido alguns relatos de fóbicos sociais que se dizem mais tranquilos neste período, pois não precisam sair de casa e, consequentemente, não precisam interagir com os outros. Isso, a meu ver, é problemático. Primeiro, porque se caracteriza como uma resposta de esquiva que mantêm o problema (Gouvêa & Natalino, 2018). Segundo, porque as habilidades sociais vão se tornando cada vez mais deterioradas. Em outras palavras, vai se perdendo cada vez mais a capacidade de lidar com pessoas.
Do ponto de vista da psicoterapia, como trabalhar com tarefas de exposição nesta situação? Sabe-se que a exposição é o principal componente do tratamento da fobia social (Heimberg & Magee, 2016). Sem esse componente, que métodos alternativos poderão suprir essa necessidade?
Um outro levantamento que tenho feito, a partir de algumas reflexões sobre o assunto, é que o contexto da pandemia pode acabar gerando uma “fobia social generalizada”. Não no sentido tradicional do termo. Ou seja, não se trata de um indivíduo que teme e evita a maioria ou todas a situações sociais (APA, 2013), mas sim de um número expressivo de pessoas começar a apresentar padrões comportamentais descritos como fobia social.
Essa hipótese se sustenta na ideia de que o outro representa agora, mais do que nunca, uma ameaça. Claro que não uma ameaça no sentido clássico da fobia social, mas uma ameaça de contaminação. Independentemente disso, a topografia e a função do comportamento tendem a ser a mesma: temer, desconfiar e evitar o outro.
A partir disso, não posso deixar de mencionar a invasão repentina e maciça do mundo online na vida de todos nós. Essa imposição das relações online neste momento parece sinalizar novas demandas e uma nova configuração das relações sociais. Em outras palavras, as interações sociais, tal como conhecíamos antes, pode, literalmente, deixar de existir.
Tais interações estão sendo forçadas a “migrar”, cada vez mais, para o ambiente online. A partir disso, novas dificuldades e novos desafios surgirão para os fóbicos sociais. Por exemplo, como se relacionar online? Como iniciar uma conversa através de um App? Como manter uma conversa em uma vídeo chamada? Como se portar em uma entrevista de emprego online?
Entendo que haverá todo um conjunto de repertórios de interação social online que precisarão ser desenvolvidos nestes indivíduos. Novos medos sociais podem surgir, novas habilidades sociais serão exigidas e as pessoas vão precisar se adaptar a essa nova realidade social, agora online.
Os programas de tratamento para fobia social precisarão ser adaptados a essa nova realidade. Um exemplo hipotético buscando responder os questionamentos acima sobre as alternativas à exposição, pode ser o desenvolvimento de estratégias de exposição social online, ou seja, exposições graduais a enviar mensagens, fazer chamadas de vídeo, gravar vídeos, gravar áudios, etc.
Para finalizar, é possível que própria categoria “fobia social” ou “timidez” deixe de existir tal como a conhecíamos antes, adquirindo novos significados no contexto atual e pós-pandemia. Novas categorias podem surgir, como “fobia de gravar vídeos” ou “fobia de interações online”, e assim por diante. Ressalto que todo esse texto foi escrito baseado em cenários hipotéticos, porém, são reflexões sustentadas em estudos sistemáticos sobre a fobia social que permitem fazer algumas previsões pertinentes.
Referências
APA (2014). DSM-V: Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais. Porto Alegre: Artmed.
Bulley, A., Miloyan, B., Brilot, B., Gullo, M. J., & Suddendorf, T. (2016). An evolutionary perspective on the co-occurrence of social anxiety disorder and alcohol use disorder. Journal of Affect Disord, 196: pp. 62-70.
Gouvêa, P. J. S. C., & Natalino, P. C. (2018). Ansiedade social como fenômeno clínico: um enfoque analítico-comportamental. Em A. K. C. R, de-Farias, F. N. Fonseca & L. B. Nery (Orgs.), Teoria e formulação de casos em análise comportamental clínica. Porto Alegre: Artmed.
Heimberg, R. G., & Magee, L. (2016). Transtorno de ansiedade social. Em D. H. Barlow (Org.). Manual clínico dos transtornos psicológicos: Tratamento passo a passo. 5ª ed. Porto Alegre: Artmed.