Marcelo Panza sobre o livro Ativação Comportamental da Depressão

Você sabia que os analistas do comportamento brasileiros Paulo Abreu e Juliana Abreu estão prestes a publicar o manual brasileiro de Ativação Comportamental para Depressão? No livro, apresentarão o protocolo de Ativação Comportamental desenvolvido no IACC, que consiste em uma integração entre a Ativação Comportamental, a Terapia de Aceitação e Compromisso e a Terapia Analítica Funcional. Nosso fundador, Esequias Caetano, fez o treinamento intensivo em Ativação Comportamental promovido por eles e publicou uma resenha aqui no site. Clique e confira. E em 18/05/2020, às 15 horas, faremos uma live sobre o livro no Instagram do Comportese @comportese

O psicólogo Marcelo Panza, da Argentina, escreveu um dos prefácios do livro comentando sobre as inovações apresentadas e dando uma breve palhinha do que você encontrará no material. Confira:

Este e um livro fundamental para todo psicoterapeuta interessado em sustentar
sua prática clínica na ciência básica, com a finalidade de ajudar seus
pacientes a enfrentar os transtornos depressivos e a recuperar-se deles. Em
poucos transtornos pode-se ter resultados clínicos tão díspares como nos
transtornos depressivos, indo desde a morte do paciente por suicídio até a remissão
de seus sintomas. Por isso, contar com um tratamento baseado em evidências
e baseado em processos é essencial para o alcance dos melhores resultados
e a prevenção daqueles mais adversos.

Os transtornos depressivos são desafiadores. Embora tenham uma herdabilidade
relativamente baixa, em torno de 35%, tendem a uma alostase, que infelizmente
em muitos casos gera incapacidade e em alguns a morte por suicídio.
Isso se deve ao fato de que todos seus sintomas podem ser fatores mediadores
desses desfechos. A abulia, a anedonia, a astenia, a tristeza generalizada, os
déficits de atenção, de pensamento e de tomada de decisões, a insônia ou a hipersonia, a hipofagia, a ideação suicida, as avaliações de inutilidade ou culpabilidade,
todos esses fenômenos geram comportamentos de evitação, de renúncia,
de isolamento, de inatividade, que aumentam os sintomas. Cada
sintoma isolado pode gerar comportamentos que impactam negativamente
(isto e, aumentam) os demais sintomas.

Como em qualquer dos 541 transtornos mentais reconhecidos pela American
Psychiatric Association (APA) em 2013, nos transtornos depressivos não e
possível assegurar sua etiologia. Conhecemos fatores, hipóteses etiológicas, aspectos
funcionais, variáveis comportamentais, neurológicas, endocrinológicas,
imunológicas e neuroanatomias, assim como genéticas. Se integramos atualmente
tudo o que conhecemos de, por exemplo, o transtorno depressivo maior,
podemos dizer que por fora podemos observar, dependendo do caso e não de
maneira excludente, a perda de reforçadores, ausência de habilidades para obtê-
los, punição, extinção operante, apresentação não contingente de estímulos
aversivos, todos esses fatores que podem ser observados no organismo humano
com comportamentos de evitação passiva, principalmente isolamento e
inatividade. Por dentro, podemos observar depleção nas monoaminas (serotonina,
dopamina e noradrenalina), aumento do cortisol, aumento de algumas
interleucinas (IL-6, IL-10, IL12, TNF-), e anomalias neuroanatômicas, como se o organismo se preparasse para resistir a essa perda de reforços, saciedade
ou bombardeio de estímulos aversivos, ou, de um ponto de vista menos teleonômico,
como se o corpo acusasse todo esse impacto sofrido. O que sabemos
não e pouco e nos permite abordar o transtorno e ajudar os pacientes a reduzir
e, dentro do possível, alcançar a remissão de seus sintomas.
Nesse sentido, contamos com tratamentos psicológicos bem estabelecidos,
dentro dos quais, por seus resultados e por sua sustentação na pesquisa básica,
destaca-se a Ativação Comportamental. O leitor poderia então se perguntar
qual a utilidade, portanto, de outro manual de tratamento comportamental dos
transtornos depressivos. Existem manuais excelentes e, a esse respeito, não parece
haver nada novo. Vou expor a seguir precisamente as razões pelas quais
considero este trabalho valioso e insubstituível:

  1. Considero de extremo valor o tratamento que é dado, neste livro, ao controle
    aversivo. Qualquer terapeuta com formação comportamental e alguma
    experiência sabe que a punição e a extinção operante desempenham
    um papel central na maioria dos casos de transtornos depressivos.
    Trata-se de dois fenômenos que estão amplamente reportados como depressores,
    ao gerar evitação passiva. A evitação passiva é muitas vezes o
    núcleo da problemática do paciente, e abordá-la fazendo que o próprio
    tratamento, as sessões, o terapeuta, as tarefas para casa, sejam todos estímulos
    discriminativos para enfrentá-la, permite obter resultados muito
    bons. Conferir uma maior importância a análise e ao tratamento do controle
    aversivo que a ativação por si só, é uma contribuição excelente deste
    livro, que tem amplo sustento na integração teórica, na investigação e na
    prática.
  2. Outro aspecto extremamente interessante é o uso dos componentes da
    Psicoterapia Analítica Funcional (FAP) nas sessões. Na prática clínica, é
    habitual nos depararmos com o desafio de aproveitar a maior quantidade
    do tempo em sessão, ou com a problemática de que existe muita distância
    entre o que se fala dentro da sessão e o que se realiza fora, não sendo
    suficientes a psicoeducação e a prescrição. Integrar e utilizar as contribuições
    de FAP para gerar comportamentos que se deseja eliminar e não
    reforçar, para gerar comportamentos de enfrentamento e reforçá-los,
    para refletir com o paciente sobre o que ocorre na sessão e sua relação
    com o comportamento fora dela, e em como seria possível generalizar
    estes comportamentos evocados e reforçados de enfrentamento, e de
    grande utilidade para o terapeuta e o paciente.
  3. E interessante também notar a atenção prestada a um fenômeno geralmente
    deixado de lado, por óbvias razões históricas e por fechamento paradigmático, desde o behaviorismo: o desamparo aprendido, ou em termos mais behavioristas, a apresentação não contingente de estímulos aversivos. É fundamental para qualquer organismo vivo ter controle sobre os estímulos aversivos e, muitas vezes e com respeito a muitos estímulos aversivos, impossível. Até se poderia dizer que grandes construções
    culturais, como as religiões ou certas posturas filosóficas como o
    determinismo, tem sua origem nessa desagradável experiência. O efeito
    que certos estímulos aversivos exercem ao apresentar-se de maneira não
    contingente costuma ser altamente depressivo, e modificar as respostas
    de fuga gerada pela imprevisibilidade da aversão, substituindo-as por outras
    de enfrentamento, é uma das maiores e mais significativas conquistas
    que se pode obter na terapia. Notar esse aspecto geralmente descuidado
    em outros protocolos de Ativação Comportamental e mérito deste
    livro.
  4. Com respeito a Ativação Comportamental, é muito interessante também
    a utilização de reforçadores específicos do paciente, em vez de atividades
    mais gerais, e para isso, a determinação e utilização dos valores dos pacientes
    é fundamental. A experiência fenomenológica dos transtornos
    depressivos costuma estar minada de estímulos aversivos. Tudo o que o
    paciente faz está saturado desses estímulos, e estes costumam ser estímulos
    discriminativos para comportamentos de evitação, deixando o paciente
    isolado e inativo. Na prática da Ativação Comportamental, o terapeuta
    enfrenta o desafio de conseguir que as atividades sejam realizadas
    e comecem a gerar os reforços que as sustentarão e afetarão positivamente
    o ânimo do paciente. Romper o círculo vicioso da anedonia e da abulia
    pode tornar-se um desafio muito grande: como conseguimos que uma
    pessoa realize comportamentos para os quais obtém punições positivas e
    negativas? Os valores tem uma função de augmenting, isto e, modificam
    o valor dos estímulos relacionados, tornando estímulos aversivos em
    aprazíveis, sendo portanto de imenso valor para enfrentar a anedonia e a
    abulia próprias do paciente, e conseguir que ele comece a estar mais ativo
    e menos isolado, para finalmente experimentar os resultados decorrentes
    disso em seu estado de ânimo.
  5. Como comentado, um dos problemas com os transtornos depressivos e
    que os sintomas se retroalimentam positivamente. Isso é especialmente
    verdadeiro no caso da insônia. A desregulação neuroquímica, hormonal
    e imunológica que gera a privação de sono torna sobre-humana, em certas
    ocasiões, a tarefa de enfrentar também o restante da sintomatologia.
    É por isso extremamente útil que, a partir deste livro de tratamento, considere-se a insônia como uma problemática de relevância a ser enfrentada.
  6. Por último, já faz muitos anos que os doutores Paulo e Juliana Abreu
    conjugam a pesquisa, formação e pratica clínica, e dessa combinação só
    podem derivar os melhores resultados. E difícil que um pesquisador tenha
    experiência prática, ou que um teórico esteja aberto as novas evidências
    ou a integração de teorias, e ainda mais difícil que um terapeuta seja
    reprodutor e produtor de novo conhecimento. No caso dos autores deste
    livro, encontramos essa particularidade, e isso confere a esta obra um
    valor ainda maior.

Marcelo Panza Lombardo
Psicólogo
PhD en Psicología

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Escrito por Esequias Caetano de Almeida Neto

Terapeuta Comportamental, com especialização em Clínica Comportamental pelo Instituto de Terapia por Contingências de Reforçamento (Campinas, SP), com Treinamento Intensivo em Terapia Comportamental Dialética pelo Behavioral Tech | A Linehan Institute Training Company (Seattle, Washington/ EUA) e Formação em Terapia de Aceitação E Compromisso e Terapia Analítica Funcional pelo Instituto Continuum (Londrina, PR). É sócio da Ello: Núcleo de Psicologia e Ciências do Comportamento, onde atende a adultos individualmente, em terapia de casais e terapia de família, além de prover Supervisão Clínica e Treinamento para Terapeutas Comportamentais. É fundador e diretor geral do Portal Comporte-se: Psicologia e Análise do Comportamento (www.comportese.com), onde também coordena a equipe de colunistas de Terapia Comportamental Dialética. Coorganizou os livros Terapia Analítico Comportamental: dos pressupostos teóricos às possibilidades de aplicação (Ed. Esetec, 2012) e Depressão: Psicopatologia e Terapia Analítico Comportamental (Ed. Juruá, 2015). Atua como consultor de Comportamento e Cultura para a Rádio Clube (AM 770) de Patos de Minas e escreve sobre Psicologia e Saúde Mental para o jornal Clube Notícia (https://www.clubenoticia.com.br). É sócio afiliado da Associação Brasileira de Análise do Comportamento (ACBr) e, entre os anos de 2015 e 2017, foi membro da Comissão de Comunicação da Associação Brasileira de Psicologia e Medicina Comportamental (ABPMC).

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