Cenário de Coronavírus: Possibilidades e Considerações para Começar Atendimentos Psicológicos Online

Atendimento psicoterápico online: possibilidade de encontro e conexão sem a presença física.

Diante do cenário imposto pela chegada do Coronavírus no Brasil, os atendimentos psicoterápicos presenciais ficaram comprometidos por diversos motivos, dentre eles, clientes e psicoterapeutas impossibilitados de sair de casa por estarem em grupo de risco, locais com aglomerações como clínicas e centros hospitalares ambulatoriais sendo impedidos de abrir, sendo a maior maneira de prevenção o cumprimento das orientações acerca do isolamento físico no momento.

A possibilidade de continuidade da prestação de serviços dos psicólogos se desdobrou para o formato online, que já era formalizado antes da pandemia através de normas do Conselho Federal de Psicologia (CFP). A norma vigente em março de 2020 (data do primeiro caso da pandemia no Brasil) era a Resolução CFP Nº 11/2018, a qual autorizava a atuação de serviços psicológicos por meio do Cadastro E-psi. O Cadastro E-psi consistia na fundamentação prática do ponto de vista ético, técnico e científico da Psicologia com base em dois aspectos: 1) realizando a correlação dos tipo(s) de serviço(s) psicológico(s) prestado(s), o caráter síncrono e/ou assíncrono, no(s) recurso(s) tecnológico(s) e o público-alvo a ser atendido, justificando como o(s) serviço(s) é(são) compatível(is) com o formato proposto, e; 2) explicando a preservação do sigilo das informações para cada recurso tecnológico que o profissional se propôs utilizar.

         Diante do aumento do interesse de profissionais para efetuar o Cadastro E-psi para obter autorização para atendimentos online, o CFP publicou um informe anunciando a autorização do exercício da profissão no formato online sem a confirmação com autorização da plataforma. Essa flexibilização se remeteu somente aos meses de março e abril de 2020 e, que após esse período a confirmação para o trabalho remoto seria exigido.

         Em 16 de abril de 2020 foi anunciada o desenvolvimento de um novo formulário no Cadastro E-psi, o qual visa simplificar e agilizar o cadastramento de profissionais. Os dados publicados na nota informativa descrevem o volume do cadastro para a autorização para o formato online: de novembro de 2018 até fevereiro de 2020 havia 30.677 cadastros, e de março a 13 de abril de 2020 os novos cadastros somaram 39.510. Ou seja, no período de pandemia houve um aumento de mais de 128% de cadastros.

         Com isso surgiu a necessidade dos(as) psicólogos(as) buscarem se atualizar sobre estes modelos de atuação, com tantas dúvidas sobre tecnologia até mesmo de como seria a dinâmica dos atendimentos clínicos. Diante de conversas com amigos, dúvidas de alunos e supervisionandos, realizei um evento online gratuito para psicólogos em duas edições em março com o objetivo de incentivar atendimentos clínicos remotos e minimizar as dúvidas sobre o formato online. A produção do presente texto foi delimitada a partir do que foi apresentado nesse evento. Diante de tantas mudanças no período da pandemia, oriento que a data do presente texto seja considerada e contextualizada para direcionar práticas posteriores.

Descreverei aqui modelos que podem facilitar a atuação de psicólogos clínicos no formato online, organizados em duas áreas: o primeiro voltado para o ambiente virtual e físico do atendimento e o segundo voltado para a relação terapêutica juntamente com o contexto instaurado de pandemia da COVID-19.

Equipamentos, aplicativos e organização dos ambientes terapêuticos

O formato online da psicoterapia tem necessidades peculiares, pois o planejamento dos ambientes terapêuticos extrapola onde terapeuta e cliente(s) estão presentes: é necessário o planejamento e organização do ambiente virtual, que os medeia e os conecta. As peculiaridades do formato online impossibilitam, infelizmente, que pessoas que não tem acesso a um ambiente virtual favorável sejam beneficiadas com os serviços da psicologia, inclusive os serviços voluntários e gratuitos.

Tanto o(a) cliente como o(a) profissional precisam dispor de um equipamento tecnológico, podendo ser celular smartphone, tablet, computador ou notebook. Os dois equipamentos (do terapeuta e do cliente) precisam estar conectados à internet e ter a câmera integrada.

A velocidade da Internet é uma variável determinante para uma boa conexão, por isso, é importante o terapeuta verificar a contratação do plano de velocidade de internet para Upload e Download (dados enviados e recebidos) suficientes*, além de informar ao cliente que a internet dele também influencia na qualidade da conexão para a sessão. Alguns aplicativos sinalizam se a internet está instável ou com baixa velocidade. Também há diversos sites que realizam o teste de velocidade da internet.

A exigência de planejamento e organização se deve a cuidados para preservar o sigilo das informações trocadas durante os atendimentos, em conformidade com Código de Ética Profissional do Psicólogo. Um instrumento fundamental para esse cuidado são os fones de ouvido com microfone conectado ao dispositivo de transmissão tanto do terapeuta como do cliente. Além disso, oriento que qualquer outro aparelho (pode ser TV, caixa de som, rádio) para som ambiente esteja ligado, assim como muitos consultórios utilizam tal estratégia para garantir o máximo de isolamento acústico.

É importante lembrar que diversas possibilidades podem ser descobertas ou ser criadas, desde que seja acordado. No início da mudança para o formato online, uma cliente perguntou se poderia estar no carro por não ter privacidade num cômodo da casa. Estacionou o carro num local específico para o sinal da internet funcionar melhor. Questionei sobre a segurança do local e durante a primeira sessão vimos que seria um ambiente funcional para ela estar nas sessões. Também é importante preparar o ambiente físico com o que terapeuta e cliente podem precisar (com água, café, lenço). Observe o que terá atrás de você pois fará parte da sessão para o cliente, será o fundo da tela.

Outro acordo que precisamos fazer com os clientes é o aplicativo que utilizaremos como meio para a conexão. A escolha precisa ser feita a partir das necessidades do terapeuta e do cliente. Inicialmente, é importante escolher algum que o cliente já saiba utilizar para diminuir o custo da mudança do formato da terapia (se for um cliente da modalidade presencial) ou viabilizar a primeira sessão (se for um cliente novo).

No mundo da tecnologia, surgem a cada dia novos aplicativos, com novas possibilidades e também dificuldades. Assim como é importante que saibamos quando uma poltrona estraga no nosso consultório, precisamos estar atualizados sobre eventuais problemas e soluções relacionados à tecnologia que utilizamos. Eu utilizava o aplicativo Zoom para atendimentos até ficar sabendo que ele teve problemas de segurança durante algumas reuniões durante a pandemia. O que fazer? Nesse e em outros momentos precisamos ter repertórios de variabilidade comportamental e aumentar a chance de solucionar problemas. Inicialmente deixar de usar imediatamente e aguardar atualizações seguras se você ainda quiser utilizar tal aplicativo.

Recomendo que tenha diferentes aplicativos para trabalhar. Serão ferramentas de trabalho. Cada aplicativo tem diferentes características e recursos. Escolha quais você vai utilizar, baixe antes de utilizar com um cliente, teste com outra pessoa e domine a ferramenta para ser possível explicar algo para o cliente. Todos os aplicativos exigem conta com senha. Solicite que seu cliente tenha uma conta privativa, que ele não compartilhe com outras pessoas. A mesma orientação serve para o profissional. Compartilhar equipamentos exige ainda mais cuidado sobre o sigilo das sessões.  Uma alternativa pode ser não selecionar a memorização de logins e senhas em equipamentos compartilhados.

A tabela abaixo resume o funcionamento dos principais aplicativos que utilizo e o que é necessário para utilizar numa primeira sessão. Existem outras plataformas, outros aplicativos, mas vou me restringir aos apresentados na tabela. Cada aplicativo tem seus benefícios e também o que poderia ser melhorado. De tempos em tempos eles podem não funcionar por algum motivo, por isso se um não estiver funcionando, não significa que nenhum funcionará.

Tabela com Aplicativos destacados pela autora com informações para o funcionamento e o que é necessário para o primeiro atendimento. Informações selecionadas e organizadas pela autora.

Como mencionado anteriormente, o ambiente virtual precisa de cuidados e eles não se limitam à preparação antes da sessão. É de extrema importância estarmos atentos aos fatores que podem interferir no atendimento. Por exemplo, o aplicativo What`sApp é de uso cotidiano para muitas pessoas, por isso, a utilização dele como ferramenta principal das sessões pode gerar complicações. O status online pode favorecer que clientes e terapeutas recebam mensagens e isso faça parte do ambiente virtual terapêutico, exercendo função de estímulos concorrentes para o engajamento na sessão.

O mesmo pode ocorrer com smartphones quando recebem ligações e os aplicativos são suspensos automaticamente, nesse caso o mais indicado é que smartphones fiquem em modo avião durante as sessões. Além disso, também vale lembrar do que pode estar aberto na sua tela (seja computador, tablet ou smartphones): notificações de outros aplicativos, e-mails e ligações. As variáveis virtuais que interferem numa sessão em formato online podem não dar oportunidade para o cliente ou terapeuta escolher estar na sessão, podendo simplesmente pausar a sessão, então, não são equivalentes a uma ligação durante uma sessão presencial por exemplo.

Considerações sobre a Dinâmica do Atendimento Online

É importante que desde o primeiro contato ou convite para o formato online o terapeuta descreva as regras de atendimento online para cliente, como sobre não ter ninguém no mesmo local, por mais que a pessoa já tenha conhecimento delas. Nesse momento tudo o que parece óbvio precisa ser dito. As regras acerca do que pode comprometer o sigilo e as sessões são as únicas maneiras do terapeuta influenciar indiretamente o ambiente da psicoterapia.

A sessão pode ser interrompida a qualquer momento por duração indeterminada devido a quedas e oscilações de velocidade de internet, o que envolve imprevisibilidade no contexto terapêutico. O que pode ser muito favorável para trabalharmos de acordo com a Psicoterapia Analítica Funcional (FAP): temos acesso aos comportamentos do cliente em sessão, o que nos permite analisar e intervir com o cliente sobre os efeitos dessa situação no comportamento dele. E nós, terapeutas, como ficamos? Precisamos também estar atentos a como toda essa situação e os comportamentos dos clientes nos impacta e fazer o máximo para tentar outra maneira de contato. Outro aplicativo, outro equipamento, e na ausência de sucesso, podemos estabelecer contato por ligação.

Diante de tantas variáveis, o que podemos observar sobre a relação terapêutica? No formato online percebo o quanto é necessária uma maior demonstração de atenção, e conexão através de comportamento verbal. “Uhum…”, “Entendi”, “Ok” são alguns feedbacks e retornos que vocês estão em conexão. O olhar infelizmente pode mudar o valor de conexão para o cliente, por estarmos olhando para uma tela que pode trazer tantos outros elementos além do olhar do nosso cliente. Claro que a medida que as sessões vão acontecendo todos ficamos sensíveis a uma relação cada vez mais natural diante da mediação da tecnologia para a psicoterapia. Naturalmente percebemos que o silêncio pode ser uma dica que a transmissão áudio e/ou vídeo travou. E tentar reestabelecer o assunto interrompido poderá ser mais natural que temeroso, atualmente já é natural eu ou meus clientes falarmos a última coisa que se ouviu após um corte na transmissão, um pedido para repetir, para mudar o aplicativo, e assim vai… É realmente uma experiência única, com ganhos e perdas como qualquer outra! E podemos ter acesso a elementos que em consultório não podemos ter: conseguimos muitas vezes estar mais próximos ao ambiente natural dos nossos clientes, a vista da janela que regula emoções e ele tanto fala na sessão, o quartinho de brinquedos para doar, a escrivaninha de estudos que é ocasião para tantas emoções… Perceba os elementos que podemos ganhar,  que podemos construir uma relação terapêutica de um jeito único mesmo com a mediação da tecnologia.

Quais os impedimentos do seu cliente para o formato online? E os seus? Quais suas vulnerabilidades? Como estamos lidando com a Covid-19 e adaptações na nossa profissão? O que é mais desafiador? O que mais te distancia do atendimento clínico no formato online? O que podemos fazer? O melhor que podemos oferecer diante da atual circunstância. Espaços de escuta e acolhimento profissional estão sendo organizados em lives e eventos, isso pode favorecer seus atendimentos online. Se você se percebe resistente, enquanto terapeuta, para iniciar com o formato online, lembre que o novo traz desconfortos, é natural. Podemos atender o desconforto interrompendo qualquer possibilidade de mudança, ou fazer o que importa com desconforto presente. Vamos nos conectar com o que norteia nossa prática e lembrar que neste período de pandemia nosso trabalho pode chegar muito mais longe de onde estamos e muito mais próximo de onde precisam de nós!

* Há variação de consumo de dados de acordo com cada aplicativo utilizado. De acordo com a indicação de sites de tecnolologia, a velocidade indicada para a realização de videoconferência é de 4MB para Upload e 6MB para Download.

Referências:

Conselho Federal de Psicologia (2020). CFP simplifica cadastro de profissionais na plataforma e-Psi. Disponível em:

https://site.cfp.org.br/cfp-simplifica-cadastro-de-profissionais-na-plataforma-e-psi/

Conselho Federal de Psicologia (2018). Resolução CFP 11/2018. Disponível em:

https://e-psi.cfp.org.br/resolucao-cfp-no-11-2018/

Conselho Federal de Psicologia (2020). Coronavírus: Comunicado sobre atendimento on-line. Disponível em:

https://site.cfp.org.br/coronavirus-comunicado-sobre-atendimento-on-line/

Conselho Federal de Psicologia (2012). Código de Ética Profissional do Psicólogo. Disponível em:

https://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2012/07/codigo-de-etica-psicologia-1.pdf

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Classificação do artigo

Escrito por Rayana Brito

Graduada e Mestre em Psicologia pelo Centro Universitário de Brasília - UniCEUB - principal área de pesquisa: Comportamento Verbal. Formada em ACT pela Atitude Cursos. Formada em Mindfulness Funcional. Atua como Psicóloga Clínica em consultório particular. Realiza atendimentos para adultos, casais e famílias. É instrutora e coordena grupos de Mindfulness Funcional. É supervisora clínica particular e no Instituto Brasiliense de Análise do Comportamento - IBAC.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/8131428770642513
Contato: rayana.limabrito@gmail.com

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