Psicoeducando pais: na corda bamba entre emoção e razão

Quando os pais chegam buscando atendimento psicológico para seus filhos algumas vezes nem desconfiam que o trabalho necessariamente terá por pressuposto uma intervenção em conjunto, e que eles também serão convocados a operar mudanças em sua forma de interpretar e principalmente lidar com os filhos. Não se trata de forma alguma de encontrar um “culpado” para a criança reagir desta ou daquela maneira e sim de entender que tais reações estão interligadas ao ambiente e, portanto, mudanças efetivas precisarão estar integradas a este todo. Ou seja, os pais são convocados a se ver como parte da queixa, como parte do “problema”.

Um novo desafio que se apresenta para acolhimento da proposta integrativa acima, se refere à era digital. Um primeiro aspecto se refere a seu uso indiscriminado, fazendo-a ser uma espécie de babá ou efeito calmante mediante demandas infantis. Isso rouba a possibilidade de contato e consequente criação de conexão e laços, trazendo um abismo entre necessidades infantis e como atendê-las de forma individual. Ou seja, temos pais e filhos que convivem, mas mal se conhecem de maneira efetiva. Um outro desafio nesse sentido se refere à apresentação de estereótipos e padrões comportamentais a serem seguidos pelos pais para alcançar objetivos com os filhos. Muitos são os blogs, páginas nas mídias sociais com milhões de seguidores e youtubers, que descrevem em seus textos e vídeos inúmeras estratégias “infalíveis” para resolver este ou aquele problema. Os pais passam a seguir, acompanhar e reproduzir modelos e começam a se questionar: “se eu estou fazendo tudo direitinho, por que meu filho ainda faz birra? Por que mantem esse ou aquele comportamento? Por que ele não me ouve?”.

Para responder a estes e outros questionamentos dos pais, podemos trazer algumas perguntas que abrem espaço para novas perspectivas: “O que você realmente quer para os seus filhos? Que qualidades espera que desenvolvam e levem para a vida adulta? E mediante tais respostas, surge a necessidade de parar para perceber o tempo que efetivamente é disposto de forma intencional e integral a fim de ensinar as mesmas qualidades e objetivos almejados (Siegel &Bryson, 2015). Afinal, estamos falando de indivíduos em formação que estão construindo seus conhecimentos de si, do outro e do mundo, e cujo primeiro contato de referência destes aspectos advém de seus cuidadores primários. Obviamente não se trata aqui de termos supermães ou superpais, infalíveis e capazes de prover todas as necessidades, mas sim do exercício de um tempo de qualidade, em que a atenção, o cuidado e o desejo de conhecimento genuíno do outro seja oferecido. O conhecimento se cria com intimidade e vínculo, que só são possíveis a partir de uma construção mútua. Como nos disse Cora Coralina: “Feliz aquele que transfere o que sabe e aprende o que ensina”.

É importante frisar que “O ato de disciplinar uma criança pode ser frustrante” (Faber & Mazlish, 2003), e que passado desta forma os pais também possam se sentir mais acolhidos e validados em seus sentimentos de frustração, insatisfação ou mesmo medo se estão no caminho certo. No campo do educar cabe a dialética da eterna busca do equilíbrio entre razão/racionalidade/limites/regras e emoção/educação emocional/acolhimento e validação. Não cabe ver um lado como mais importante que outro e sim ambos como complementares. Essa visão tem inclusive um respaldo fisiológico, ao pensarmos o nosso cérebro como dividido em hemisférios marcadamente segmentados nestes aspectos funcionais. O direito, extremamente emocional, não-verbal e abstrato e o esquerdo mais lógico, verbal e literal. Temos então o exercício de fazer estas partes trabalharem juntas, ou seja, de maneira integrada. “Em outras palavras, cada um deles precisa executar suas funções individuais ao mesmo tempo que todos trabalham juntos como um todo” (Siegel &Bryson, 2015). Os pais têm nas mãos uma grande orquestra a reger, com o adicional de que nem todos os membros do coral (as partes cerebrais) estão ensaiados no mesmo compasso. Afinal, no caso infantil muitas ainda são as áreas cerebrais em desenvolvimento, trazendo aos pais o papel de ensaios repetidos inúmeras vezes até o amadurecimento e refinamento. Nesta metáfora, a apresentação final é cotidiana, e se refere à própria vida, que vai trazendo componentes novos a cada dia (no aspecto fisiológico e social) e permitindo que pais e filhos cresçam mutuamente.

Referências Bibliográficas

Faber, A., Mazlish, E. (2003). Como falar para seu filho ouvir e como ouvir para seu filho falar. São Paulo: Summus

Rodrigues, M. (2015). Educação Emocional Positiva Saber lidar com as emoções é uma importante lição. Novo Hamburgo: Sinopsys

Siegel, D.J., Bryson, T.P. (2015). O cérebro da criança 12 estratégias revolucionárias para nutrir a mente em desenvolvimento do seu filho e ajudar sua família a prosperar. São Paulo: nVersos

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Escrito por Mariana Poubel

Graduada em Psicologia pela UFRJ (2012) e mestre em Saúde Mental pelo IPUB/UFRJ (2015). Fez curso de formação em Terapia Cognitivo Comportamental para adultos e infanto juvenil, curso de capacitação em análise do comportamento e formação em terapias contextuais.
Atua como terapeuta, supervisora e mentora.

Email para contato: marianapoubel@gmail.com

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