As explicações convencionais ou pré-científicas paralisam o avanço da compreensão do comportamento alimentar porque, ao se referir a uma explicação das suas ações, na verdade, NADA explicam. Quando uma pessoa emite relatos do tipo: “não emagreço porque não quero”, pode soar uma explicação, mas, na verdade, só descreve o que a pessoa está sentindo, pensando ou agindo em um determinado evento ambiental.
A ciência do comportamento é interacionista, não estruturalista. Isso envolve os três níveis citado por Skinner que influencia a pessoa querer ou não emagrecer: 1.Características geneticamente a partir da história familiar – prazer dos alimentos; 2. Ausência de instruções de hábitos alimentares saudáveis ou equivalência entre diversão-alimentação e; 3. Apelo cultural a comida com carga glicêmica elevada, por exemplo.
Os processos neurológicos, fisiológicos ou mentais são entendidos pela sociedade como fatores determinantes sobre suas vontades. Essa explicação não enfatiza a relação “comportamento-ambiente”. Por sua vez, traz a concepção de que as pessoas agem sobre o mundo independente do contexto que vivem e a história de contingência. Erramos em dar esse tipo de explicação, pois as possíveis causas já foram encontradas e não precisam mais ser investigadas.
Explicar um fenômeno a partir de um viés científico é sempre desafiador, visto que nossa sociedade está influenciada por uma visão internalista. A comunidade pré-científica define, por exemplo, o querer como “um processo mental de pensamentos que envolve o julgamento dos méritos de várias opções e a seleção de uma delas para ação”.
Primeiro, teríamos que definir e entender o que seria “processo mental”, onde está, como mensurar e analisar. O segundo questionamento é que a definição só descreve o que alguém faz, em contextos prováveis. Porém, não explica porque alguém quer algo dentre diversas opções. Da mesma forma, não basta definir “escolha” somente porque dentre diversas possibilidades a pessoa escolheu uma. É redundante. Estamos descrevendo o que a pessoa quer, mas não o porquê quer. Por que João preferiu sorvete à pizza? Por que Maria preferiu ficar em casa à praticar atividade física? Na explicação convencional diria: “escolheu porque quis”, “escolheu porque estava com vontade”, “não emagrece porque não quer”.
Dizer que a pessoa não quer emagrecer só descreve a ação e o sentimento de não querer, mas não apontam os determinantes de não querer emagrecer. Observar alguém sedentário, com atitudes alimentares excessivas só apontam o que a pessoa faz, mas não o porquê ela age assim. A pessoa pode até relatar que não quer emagrecer, mas a afirmação produz outro questionamento: por que ela não quer emagrecer? Algumas perguntas podem nortear o terapeuta para solucionar essa questão: O que faz não querer? O que faz querer? Quais as consequências que suas ações produzem? Quais os determinantes desse relato? Analisar seus comportamentos refere-se entender também a busca da função do comportamento e não da sua estrutura.
Uma pessoa pode se comportar da mesma maneira, mas com objetivos extremamente diferentes. Ela pode estar sob controle de sensações internas (dores estomacais, fraqueza), por exemplo, que a faz relatar para a esposa: “estou com fome”. O objetivo de relatar tem três funções: 1.amenizar uma reação fisiológica (fome). 2. Receber o cuidado da esposa (suprir uma necessidade emocional – cuidado). 3.fugir dos assuntos aversivos do casamento, pois a esposa sempre atendeu a esse pedido indireto (mando disfarçado)
Nos exemplos acima, percebemos a mesma topografia (“estou com fome”), MAS COM OBJETIVOS DIFERENTES. Por outro lado, a pessoa pode se comportar com maneiras bem distintas, MAS COM OBJETIVOS SEMELHANTES. O que mostra que a forma (topografia) do comportamento não está diretamente ligada com sua função.
O terapauta deve ficar atento, também, aos determinantes que influenciam as atitudes e relato de não querer emagrecer. Quando a pessoa relata “nao emagreço porque não quero” e não se engaja no processo de emagrecimento pode ter a função de evitar todo esforço que envolve a mudança (restrições alimentares, atividade física, possíveis frustrações), ficando sob o controle das consequências imediatas. (Armadilha de reforço)
Desta forma, afirmações que “não emagreço porque não quero” devem ser descartadas pelo psicólogo como autoexplicativas. O terapeuta precisa identificar as contingências das quais o comportamento é função, analisando o “por que” o paciente verbaliza e os determinantes que o faz manter este padrão de fuga-esquiva. A avaliação funcional é o método fundamental na identificação das relações de dependência entre as respostas de um organismo: o contexto em que ocorrem e seus efeitos consequentes.
Referências:
ALVARENGA, M.; FIGUEREDO, M.; TIMERMAN, F.; ANTONACCIO, C. Nutrição Comportamental. São Paulo: Manoele, 2015.
Hübner M. M. C, Moreira M. B (2012). Temas clássicos da psicologia sob a ótica da análise do comportamento – Rio de Janeiro: Guanabara Koogan.
Miguel, C. F. (2000). O conceito de Operação Estabelecedora na Análise do Comportamento Psicologia: teoria e pesquisa, 16(3), 259-267.
POUBEL, L. N.; RODRIGUES, P. Manual de inteligência psicológica para felicidade integral. 1.ed. Rio de Janeiro: Letras e Versos, 2018.
Skinner, B. F. (2003). Ciência e comportamento humano (J. C. Todorov e R. Azzi, Trad.). São Paulo: Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1953)