Tradicionalmente, a análise do comportamento não explorou o conceito de preocupação, especialmente buscando operacionaliza-lo.Talvez isso se deva, em parte, ao fato do termo “preocupação” ser amplamente utilizado na linguagem comum com características bastante internalistas. Todos nós, em algum momento, falamos ou ouvimos falar em preocupação e que ela é fonte de muito desconforto e ansiedade.
De acordo com Leahy (2007), a preocupação está em todo lugar e cerca de 38% das pessoas se preocupam todos os dias, de descrevendo como “preocupadas crônicas”. As fontes de preocupação podem ser as mais diversas possíveis, como ser rejeitado, ir mal em uma prova, não estar com boa aparência, ficar doente, perder dinheiro, etc.
A rejeição pela interpretação comportamental do termo não se justifica exatamente pela ausência de uma operacionalização e, principalmente, por ser uma queixa clínica cada vez mais presente nos nossos dias de hoje. Ou seja, não é apenas uma questão de elaborar uma formulação comportamental do termo, e sim compreender a sua utilidade clínica para avaliações e intervenções mais efetivas.
Embora a preocupação possa atingir qualquer pessoa, ela se constitui como um componente central dos transtornos de ansiedade e, sobretudo, do transtorno de ansiedade generalizada (TAG) (Cowden, 2005; Leahy, 2007). O TAG é descrito como sendo um padrão de ansiedade e preocupações excessivas – expectativa apreensiva – acerca de diversos eventos ou atividades, de modo que o indivíduo relata dificuldades em controlar a preocupação (APA, 2014). É comum, inclusive, que o indivíduo também se preocupe com o fato de estar se preocupando muito.
Do ponto de vista analítico-comportamental, o TAG é interpretado como sendo um padrão de respostas sob controle de diversos estímulos que adquiriram função aversiva ao longo da história do indivíduo. Como estas respostas ocorrem, em sua maioria, na ausência de um perigo “real”, mas diante de perigos “potenciais” (ou imaginários), nomeamos tal padrão de respostas como ansiedade/preocupação e não como medo (Bravin & De-Farias, 2010).
Além disso, o indivíduo não consegue discriminar com precisão os estímulos geradores da ansiedade e os sintomas ansiosos têm uma característica mais crônica do que aguda, como no transtorno de pânico. Em resumo, para a Análise do Comportamento, o TAG resulta de um processo de generalização de estímulos, ou seja, as mesmas respostas – ansiedade/preocupação – são controladas por uma ampla classe de estímulos (Bravin & De-Farias, 2010).
Ainda pensando em termos comportamentais, a resposta de preocupação pode funcionar como uma resposta de esquiva (pública ou privada) a determinadas situações aversivas ou a própria experiência de ansiedade. Sendo negativamente reforçada em uma dada situação, a preocupação pode se generalizar para outros contextos em que o condicionamento não ocorreu de forma direta (Almeida, 2016).
É importante destacar, também, que, embora a preocupação seja tida, tradicionalmente, como uma resposta cognitiva – encoberta (também conhecida como “cognição ansiosa”) – ela também inclui componentes fisiológicos e até operantes, de modo que a sua distinção em relação à ansiedade é difícil e controversa. Na realidade, para o analista do comportamento, seria uma distinção até mesmo desnecessária, uma vez que o nosso principal interesse é a função do comportamento e não topografias verbais.
Na prática clínica, é importante que o terapeuta esteja familiarizado com o conceito de preocupação – pelas razões já apontadas acima – e saiba identificar o foco das preocupações do seu cliente para elaborar intervenções apropriadas.
Por exemplo, em um caso de transtorno de ansiedade social (TAS), a fonte primária de preocupação do cliente será, provavelmente, com a avaliação negativa dos outros ou com o seu desempenho social. Já foi demonstrado (Cowden, 2005), inclusive, que a timidez está correlacionada de forma significativa com a preocupação e com estados afetivos negativos. Como já mencionado, indivíduos socialmente ansiosos podem utilizar a preocupação como uma “estratégia cognitiva” para lidar com seus medos sociais.
Já no caso de um transtorno de estresse pós-traumático, o foco das preocupações do indivíduo poderia ser com imagens intrusivas e pesadelos que poderiam não cessar nunca. No caso de fobias simples, a preocupação pode girar em torno de viajar de avião e sofrer um acidente, por exemplo. Já no transtorno obsessivo-compulsivo (TOC), as preocupações seriam focadas, por exemplo, em ser infectado ou ter deixado de verificar algo (Leahy, 2007).
Como pôde ser visto, a preocupação é um tema clínico extremamente relevante e carece de operacionalização. Sem dúvida, a Análise do Comportamento pode contribuir com formulações teóricas sobre a preocupação e propor estratégias de intervenção específicas para cada foco de preocupação, como no caso de preocupações específicas que caracterizam os transtornos de ansiedade. Ainda há muito o que explorar neste campo e espero que a comunidade se sensibilize para o tema, que é tão importante para a saúde mental dos indivíduos.
Referências
APA (2014). DSM-V: Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais. Porto Alegre: Artmed.
Almeida, J. H. (2016). “Afaste-se” dos pensamentos indesejáveis e acabe com a ansiedade. Boletim Behaviorista. Disponível em https://boletimbehaviorista.wordpress.com/2016/04/21/afaste-se-dos-pensamentos-indesejaveis-e-acabe-com-a-ansiedade/
Bravin, A. A., & de-Farias, A. K. C. R. (2010). Análise comportamental do transtorno de ansiedade generalizada (TAG): Implicações para avaliação e tratamento. Em A. K. C. R, de-Farias, F. N. Fonseca & L. B. Nery (Orgs.), Teoria e formulação de casos em análise comportamental clínica. Porto Alegre: Artmed.
Cowden, C. R. (2005). Worry and its relationship to shyness. North American Journal of Psychology, vol. 7 (1), pp. 59-70.
Leahy, R. L. (2007). Como lidar com as preocupações: Sete passos para impedir que elas paralisem você. Porto Alegre: Artmed.