Comportamento verbalmente controlado: possíveis funções das regras

Na inter-relação do organismo com o ambiente, é possível que o ser humano se comporte sob controle de alguns tipos de contingências operantes. Pode-se ter o comportamento modelado até que se chegue ao comportamento alvo, por meio da mudança de critério de reforço, sucessivamente se condicionando formas mais precisas de se responder (para fazer com que a criança diga “mamãe”, primeiro se consequencia positivamente o “ma”, depois muda-se o critério para “mama” e, quando essa resposta estiver bem estabelecida, muda-se mais uma vez até que a criança emita o comportamento alvo “mamãe”). A esse processo chamamos modelagem (Skinner, 1953).

Pode-se também aprender a se comportar sob controle daquilo que é observado. A nível biológico, a imitação é importante para a sobrevivência dos organismos enquanto espécie: um animal que observa outro correr e o imita tem mais chances de sobreviver ao ataque de um predador, ainda que o animal que imite não veja o predador; na realidade, a chance de sobrevivência aumenta ainda que esse predador nem mesmo exista (Dawkins, 2000; Skinner, 1953; 1974). 

Existe, ainda, uma terceira forma de aprender a se comportar: sob controle do comportamento verbal. Este, sendo por excelência humano, só acontece por meio da mediação social arbitrária de um ouvinte, especificamente treinado pela comunidade verbal a consequenciar o comportamento do falante (Skinner, 1957). Quando se tem um comportamento verbalmente controlado, compreende-se que se está sob controle de estímulos antecedentes verbais que especificam contingências de reforço (Skinner, 1969; Glenn, 1987; Zetlle & Young, 1987; Catania, 2015; Catania, 2017; Abreu-Rodrigues & Sanabio-Heck, 2004; Hübner & Moreira, 2012). Convencionou-se chamar esse fenômeno de regras. 

As regras possuem algumas funções, a serem elucidadas: podem controlar o comportamento de forma instrucional, isto é, de maneira precisa, descreve-se a relação entre a estimulação antecedente (A), a resposta (R) e a possível consequência (C) a ser produzida (Skinner, 1969). No exemplo, “se você colocar a mão no forno (R) enquanto estou assando a comida (A), se queimará (C)”, as regras podem ter a vantagem, por exemplo, de nos livrar de contingências aversivas como essa descrita. 

O indivíduo que segue regras provavelmente tem um histórico de reforço diferencial por fazê-lo. Pode-se ficar sob controle da própria consequência que a regra especifica, como no que os autores da Relational Frame Theory [RFT] (Törneke, Luciano & Salas, 2008) chamam de tracking (se alguém pergunta o caminho até o banheiro e lhe é explicado que é só seguir o corredor, virar à direita e entrar na primeira porta à esquerda, o que controla o comportamento de seguir essa regra é encontrar o banheiro em si); também pode-se ficar sob controle do reforço mediado pela pessoa que te explica o que fazer (o indivíduo se comporta, por exemplo, sob controle da aprovação de ter feito tudo certo para chegar ao local indicado e não de ter chegado ao local em si), como num exemplo do que se chama de pliance, também para os autores da RFT. 

Além disso, as regras podem servir como estímulos alteradores de função (Schlinger & Blakely, 1987; Blakely & Schlinger, 1987), isto é, diante de uma regra, um estímulo que não exerceria controle sobre o comportamento de um indivíduo, passa a exercer. Tome-se o exemplo: o filho que estuda para a prova, sozinho na cozinha de casa, enquanto a mãe trabalha, observa que nuvens negras aparecem no céu e que chove. Ele continua a estudar. Quando a mãe chega do trabalho, observa que as roupas que estavam no varal secando foram todas molhadas em função da chuva e diz ao filho: “Filho, se amanhã você estiver estudando e ver que se formam nuvens negras no céu, tire as roupas do varal, fazendo um favor?”. No dia seguinte, estudando, o filho observa as nuvens negras e se dirige ao varal, guarda as roupas antes que começa a chover e volta a estudar. A regra da mãe alterou a função das nuvens negras com relação ao comportamento do filho. Antes, as nuvens negras não exerciam qualquer controle importante sobre o comportamento do menino. Agora, servem como estimulação discriminativa para que ele se levante e salve as roupas da chuva. 

Todos esses exemplos de possíveis funções das regras são de importância crítica para a prática clínica, por exemplo. Compreender esses fenômenos, básicos e complexos, que partem de estudos empíricos, é de extrema importância para que se entenda não só como se aprende a se comportar, mas também, como o ser humano se comporta sob controle de fenômenos verbais.

Referências

Abreu-Rodrigues, J.; Sanabio-Heck, E. T. (2004) Instruções e Auto-Instruções: Contribuições da Pesquisa Básica. In Guilhardi, H. J. & Abreu, C. N. Terapia Comportamental e Cognitivo-Comportamental – Práticas Clínicas. São Paulo: Roca.

Blakely, E.; Schlinger, H. (1987) Rules: function-altering contingency-specifying stimuli. The Behavior Analyst. v 10, n 2, 183-187.

Catania, A. C. (2015) Learning. 5th Edition. NY: Sloan Publishing.

Catania, A. C. (2017) The ABCs of Behavior Analysis: an introduction to Learning and Behavior. NY: Sloan Publishing.

Dawkins, R. (2000) A Escalada do Monte Improvável. São Paulo: Companhia das Letras.

Glenn, S. S. (1987) Rules as Environmetal Events. The Analysis of Verbal Behavior, v. 5, pp. 29-32.

Hübner, M. M. C.; Moreira, M. B. (2012) Temas Clássicos da Psicologia sob a ótica da Análise do Comportamento. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan.

Skinner, B. F. (1953) Science and Human Behavior. New York: The Free Press.

Skinner, B. F. (1957) Verbal Behavior. New York: Appleton-Century-Crofts.

Skinner, B. F. (1969) Contingencies of Reinforcement – A Theoretical Analysis. New York: Appleton-Century-Crofts.

Skinner, B. F. (1974) About Behaviorism. New York: Vintage Books.

Zettle, R. D.; Young, M. J. (1987) Rule-Following and Human Operant Responding: Conceptual and Methodological Considerations. The Analysis of Verbal Behavior, v. 5, pp. 33-39.

5 1 vote
Article Rating

Escrito por Renan Miguel Albanezi

Graduado em Psicologia pelo Centro Universitário Cesumar (UniCesumar), especialista em Análise do Comportamento e Psicoterapia Cognitivo-Comportamental pelo Núcleo de Educação Continuada do Paraná (NECPAR) e em Terapia Comportamental pela Universidade de São Paulo (USP). Tem como principais áreas de estudo o Behaviorismo Radical e a Análise do Comportamento com interesse em comportamento verbal, agências controladoras do comportamento, psicoterapia comportamental e psicoterapia analítica funcional.

Entrevista Exclusiva com Tony DuBose e Shireen Rizvi: a DBT é Comportamental ou Cognitiva? Como a DBT entende as Cognições?

Curso: “Comportamento do Consumidor”