Qual o lugar da Análise do Comportamento no senso comum?

Esse artigo se propõe, em primeiro lugar, a encaminhar algumas reflexões acerca das relações entre a análise do comportamento e o senso comum e não oferecer uma resposta definitiva para a pergunta levantada no título.

Em segundo lugar, qual é a relevância de pensar sobre esta relação? Que implicações práticas poderiam ser esperadas a partir de uma melhor compreensão desta relação?

Podemos iniciar com a ideia de que, na maioria das vezes, existe uma distância considerável entre qualquer sistema científico e o senso comum. Para Skinner (1953/2003), a ciência é um conjunto de atitudes do cientista que privilegia a observação dos fatos e não se deixa tomar por desejos ou expectativas. Já o conhecimento do senso comum, é tido como um conhecimento intuitivo, espontâneo, que emerge, basicamente, na vida cotidiana (Bock, Furtado & Teixeira, 2002).

De acordo com Bock et al., (2002), o senso comum absorve e mescla os diversos tipos de conhecimento – inclusive o conhecimento científico – e os reduz a uma visão de mundo precária e simplificada. Se pensarmos em termos de teorias psicológicas consagradas, a Psicanálise é um sistema que penetrou com bastante força no âmbito cotidiano. Quantas vezes ouvimos expressões como “rapaz complexado”, “menina histérica” e “ficar neurótico” sendo utilizadas pelo senso comum?

Certamente, a Análise do Comportamento também tem o seu grau de penetração no senso comum. Termos como “punição” e “reforço”, por exemplo, são utilizados com boa frequência no dia a dia. Partindo do pressuposto de que todo tipo de conhecimento é socialmente construído (Haydu, 2001), encontramos um ponto em comum na relação ciência/senso comum: tanto o conhecimento científico quanto o do senso comum se dão em um contexto social particular.

A questão é como o conhecimento científico da Análise do Comportamento – socialmente construído – é apropriado pelo senso comum e se torna, me permito utilizar essa expressão, “cultura popular”. Embora o conceito de cultura seja extremamente amplo e variável, ele se refere, essencialmente, a um ambiente social que compartilha costumes, valores e tradições que orientam o comportamento dos indivíduos que pertencem a este ambiente (Berry, 1992 citado por Moreira, 2013).

Ao se falar em cultura, inevitavelmente temos que falar em comportamento verbal, uma vez que este comportamento é o responsável pela mediação do reforço de dois ou mais indivíduos que partilham um ambiente social comum (Baum, 1994/2006; Moreira, 2013). Nesse sentido, podemos assumir que a Análise do Comportamento, além de se constituir enquanto um sistema científico, também se constitui como um sistema cultural, visto que o seu conhecimento é compartilhado em um ambiente social comum via comportamento verbal (ou linguagem).

O ponto crítico que parece estar relacionado a um distanciamento relevante entre a Análise do Comportamento e o senso comum é o que Carmo e Batista (2003) apontaram como uma dificuldade dos analistas de comunicar seus conhecimentos para outras comunidades em geral, incluindo o próprio senso comum. Segundo estes autores, os analistas do comportamento tendem a fazer uso de uma linguagem hermética, somente acessível aos próprios analistas. Consequentemente, tal linguagem se torna de difícil entendimento e nada atrativa para o leigo. Outra questão referente a isso é que é “uma linguagem que, além disso e contrariamente ao seu propósito, abre espaço para interpretações errôneas, tem poucas chances de ser aceita fora da comunidade do analista” (Carma e Batista, 2003, p. 501).

Evidentemente, essa dificuldade de comunicação dos analistas do comportamento com outras comunidades não sugere o abandono do arsenal linguístico da área visando sua compreensão. Isso provavelmente só prejudicaria a própria ciência do comportamento enquanto ciência. Um esforço mais adequado de aproximação com o senso comum poderia ser uma espécie de “tradução” de certos conceitos em uma linguagem mais acessível e em locais mais acessíveis.

Isso significaria um esforço do analista do comportamento em adequar sua linguagem científica ao público específico com o qual se comunica e, além disso, transitar por ambientes onde a Análise do Comportamento não chega. Ou seja, ambientes públicos voltados para leigos que não a academia. O efeito prático esperado disso, além de uma melhor compreensão e aceitação da área pelo senso comum, pode ser a utilização dos conhecimentos produzidos pela comunidade para resolução de algum problema cotidiano qualquer.

Para concluir, sair da “zona de conforto” inevitavelmente gera um certo receio, desconfiança ou ansiedade. Provavelmente, isso não é diferente para o analista do comportamento quando ele se expõe a um ambiente desconhecido Além disso, a ideia de aproximação com o senso comum e dar uma cara mais “popular” à análise do comportamento – o que chamei acima de “cultura popular” – pode gerar resistência por parte de analistas do comportamento em função da sua forte tradição científica.

Porém, essa aproximação pode abrir espaços de comunicação importantes com temas e públicos antes inalcançáveis pela nossa ciência e que podem se beneficiar muito dela. Um exemplo prático que certamente tem contribuído para o estreitamento útil dessa relação ciência/senso comum é o próprio portal Comporte-se, que se constitui como um espaço de divulgação do conhecimento científico em Análise do Comportamento com uma linguagem mais acessível.   

Referências

Baum, W. M. (1994/2006). Compreender o Behaviorismo: Ciência, comportamento e cultura. Porto Alegre: Artmed.

Bock, A. M. B., Furtado, O. & Teixeira, M. L. T. (2002). Psicologias: Uma introdução ao estudo de psicologia. São Paulo: Saraiva.

Carmo, J. dos S., & Batista, M. Q. G. (2003). Comunicação dos conhecimentos produzidos em análise do comportamento: Uma competência a ser aprendida? Estudos de Psicologia, vol. 8 (3), pp. 499-503.

Haydu, V. B. (2001). Comportamento verbal como construção social: Implicações para a terapia comportamental. In M. L. Marinho & V. E. Caballo (Orgs.), Psicologia Clínica e da Saúde, pp. 225-243). Londrina e Granada: APICSA.

Moreira, M. B. (Org.). (2013). Comportamento e práticas culturais. Brasília: Instituto Walden 4.

Skinner, B. F. (1953/2003). Ciência e comportamento humano (J. C. Todorov, & R, Azzi, Trads.). São Paulo: Martins Fontes.

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Classificação do artigo

Escrito por Pedro Gouvea

Psicólogo. Especialista em Análise Comportamental Clínica pelo Instituto Brasiliense de Análise do Comportamento. Especialista em Docência do Ensino Superior pela AVM Educacional/UCAM. Especialista em Terapia Cognitivo-Comportamental pelo Centro de Psicologia Aplicada e Formação/UCAM. Atua como psicólogo clínico e em instituição de acolhimento para idosos. Tem interesse principalmente pelos seguintes temas: Psicoterapia Analítica Funcional (FAP) e Psicopatologias/Comportamentos que envolvem a ansiedade social, como o transtorno de ansiedade social (fobia social), timidez, introversão e personalidade evitativa. E-mail para contato: pedrow.gouvea@gmail.com

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