Terapeutas multidimensionais que acessam barras quânticas no seu cérebro. Eles existem.

Ontem recebi no meu celular uma propaganda divulgando serviços de um “terapeuta multidimensional”. Tomei um susto. Pensei em algumas séries e filmes que admiro muito. Sim, todo aquele papo de universos paralelos, etc. Acho massa.

No entanto, pensei: “puxa, terapeuta multidimensional parece – de fato – coisa de filme. De repente este cara saiu de dentro do universo de Blade Runner”. No mesmo dia recebo um vídeo de uma pessoa explicando as tais “barras de access”. Que nome curioso, né? B-a-r-r-a-s-d-e-a-c-c-e-s-s.

Fui dar uma breve pesquisada sobre “terapeutas multidimensionais e barras de access”. Elas têm algumas coisas em comum: “ambos foram técnicas e visões de mundo ‘canalizadas’ por alguém”. Você sabe o que é ‘canalizar’ algo? Basicamente é tipo uma mediunidade. Você sabe o que é mediunidade? Sim, é receber conhecimentos de um plano etéreo (espiritual, de outra dimensão, etc). Ou seja, ambas as terapias foram recebidas dos céus por pessoas com estes poderes aqui na Terra.

Assisti um vídeo, bem bonito, aliás, de um grupo brasileiro que divulga as Barras de Access, e descobri que é um tipo de frenologia pós-moderna energética. Tem vários “pontos” (33 na real) na sua cabeça que “armazenam memórias” ao “longo de vidas”. Outras Vidas? Daí já vira uma mistura de frenologia pós-moderna quântica com espiritismo. O fundador, Gary Douglas, ex-membro da Cientologia (sim, a religião maluca do Tom Cruise) recebeu as Barras (os pontos), dos céus, em 1990. No site deles, está dito: “The Bars were originally channeled by Gary Douglas, the founder of Access Consciousness, in 1990. They did not exist on earth prior to that”. O que leva a crer que pode ser um conhecimento extra-terrestre, pois já existia em outros planetas. Na Terra ainda não. Fazemos, então, uma nova descoberta: Barras de Access podem ser uma sabedoria alienígena. Que massa! Pesquisei mais e mais. Descobri que o fundador das Barras de Access na realidade “canalizou” o espírito de Rasputin, o monge mágico russo, que, em contato com uma raça alienígena chamada “Novianos” descobriu as barras. É pessoal. Peguem suas pipocas!

Barras de Access é tão mágico quanto o Senhor do Anéis. O mais legal é que nestes “pontos energéticos” da cabeça tem um específico sobre “prosperidade e vida financeira”. O ponto fica a 3 dedos de distância do topo da sua orelha. Sabedoria de Rasputin. Eu, particularmente, começaria desbloqueando por ali as energias.

Se os Barras de Access tem Rasputin, os terapeutas multidimensionais contam com a ajuda de “Seres de Luz” de MUITASSSS dimensões. Estes terapeutas são show também. Eles viajam para outros planos – tipo time-travel – e promovem curas espetaculares através do diferentes planos! Tem vários terapeutas destes pelo Brasil. Por isso os atendimentos podem ser por Skype (videoconferência é letrinha para quem viaja por planos de existência). Eles também “removem chips e implantes”!!!!!. Veja na imagem abaixo e apavore-se. Segundo os terapeutas multidimensionais “ela atua através do chakra cardíaco, permite a cura dos quatro corpos, trabalhando com as energias do amor, da paz e do perdão”. E eu achando que eu tinha um corpo só (acima do peso, aliás).

Enfim, se você é um(a) profissional da Psicologia e está lendo isso, saiba que seu consultório está ameaçado por estas e outras “técnicas” terapêuticas que existem no mercado. Ameaçado, não. Esvaziado. Entristecido. E você aí, pagando 800 reais por mês em uma formação em Terapia Cognitivo Comportamental. A legião de terapeutas mumbo-jumbo está – mercadologicamente – à sua frente. Outra notícia infeliz é que você pode fazer muito pouco para mudar isso. O crescimento destas terapêuticas que fazem uma mistureba pseudocientífica é tanto inevitável quanto exponencial. Questione o valor dos seus 5 anos de faculdade e de todo o esforço de Wundt em criar a Psicologia Experimental em Leipzig, no século XIX.

E pensar que criticam a Psicanálise por falta de “cientificidade”. Até mesmo Jung com seus arquétipos é um deus da ciência perto das Barras de Access, do ThetaHealing, das Constelações, e de todas as outras terapêuticas “quânticas” que existem por aí.

Verdade é que as pessoas estão em sofrimento e querem se “curar”. O mundo é veloz. APRESSADO. As pessoas não têm treinamento em ciência ou método científico (e não terão). Elas não lêem “O mundo assombrado pelos demônios”, do Sagan, mas sim algum vídeo do YouTube bem produzido por um(a) coaching estilo Tony Robbins. Esta é a realidade, goste você ou não. O público engole tudo que vira moda. Eu sei disso, porque trabalho com Mindfulness (que virou moda, mas não é pseudociência). Não estou sendo pessimista com o grande público. É sim de um realismo tremendo.

Muito provavelmente as psicoterapias tradicionais, assentadas em boa ciência, não conseguem responder adequadamente a estas demandas de um universo de pressa e urgência e com baixo nível de crítica científica. Os pacientes querem uma experiência transformadora, mágica, explosiva. Duas, três sessões e TCHAM! Mudanças extraordinárias! Ninguém quer saber das “evidências empíricas” das técnicas. Ninguém pergunta se existe ao menos um (ummmm!) ensaio clínico randomizado sobre a técnica. Às favas! Meu vizinho fez e se transformou. Talvez grande parte dos benefícios destas terapêuticas malucas venha de efeitos placebo e fatores não-específicos que ainda não conhecemos bem. Variáveis conhecidas como relaxamento, receber a atenção de alguém, etc, também entram em ação, certamente. A boa ciência, mesmo assim, nos convida a manter a mente aberta. Estariam estas terapias corretas em suas premissas e afirmações? Bem, se estiverem certas pode jogar fora quase todo o conhecimento astronômico e químico que conhecemos. Teríamos que reinventar constâncias físicas para poder sustentar as afirmações de muitas destas terapias.

É tempo da Psicologia e das Psicoterapias se questionarem. É tempo dos profissionais de saúde mental se questionarem: o que podemos fazer? Ou melhor: precisamos fazer algo? Envie este texto para um amigo ou amiga que está fazendo formação em Barras de Access ou Multidimensionalidade.

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Escrito por Tiago Tatton

piadista inveterado, torcedor do Flamengo e pai da Clara Luz. Nas horas vagas é psicólogo, especialista e mestre em Ciência da Religião (UFJF/MG), doutor em Psicologia (UFRGS/RS e King´s College Londres), pós-doutor em Psiquiatria e Ciências do Comportamento (UFRGS/RS). Diretor Geral da Iniciativa Mindfulness. Em 2016 completou o Mindfulness Advanced Teacher Intensive pela Universidade da California em San Diego (USA).

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