O que tem sido publicado sobre a Teoria das Molduras Relacionais nos periódicos internacionais?

Muito tem-se falado sobre a Teoria das Molduras Relacionais, desde as divergências e convergências com outras perspectivas teóricas, até as inovações evidenciadas em experimentos sobre diferentes molduras relacionais. Mas quais são as tendências de pesquisa da área? Será que o número de pesquisas está crescendo? Quais relações são as mais ou menos pesquisadas? Essas foram algumas das perguntas que duas revisões de literatura da RFT buscaram responder.

No trabalho de Dymond, May, Munnelly e Hoon (2010), uma análise de citações foi realizada em artigos publicados entre 1991 e 2008, utilizando as palavras-chave relational frame theory (teoria das molduras relacionais), relational frames (moldura relacional) e arbitrarily applicable relations (relações arbitrariamente aplicáveis) nas bases de dados Web of Science e PsyInfo. Um total de 174 artigos foram encontrados. Esses artigos foram divididos em duas categorias: empírica, quando apresentavam dados originais (nesse sentido, nem todos os artigos nessa categoria manipulavam uma variável independente), e não-empírico, quando em vez de apresentar dados originais, os autores discutiam ou revisavam determinado tópico da área.

Os textos empíricos foram subdivididos em empíricos+RFT e empíricos+outros. Nos primeiros, alguma moldura relacional foi investigada, definindo suas propriedades específicas ou proposições. Os artigos que não satisfizeram os critérios para serem classificados como empíricos+RFT ficaram na segunda categoria (estudos de equivalência que citaram uma ou mais palavras-chave descritas acima entraram nessa categoria). Os artigos não-empíricos foram também divididos em revisões não empíricas (que incluíam comentários e réplicas, além de revisões de livros ou da literatura) e estudos conceituais não empíricos (estudos teóricos).

A maioria dos artigos encontrados se encaixava na categoria de textos não-empíricos (112, ou 64%). Dentre esses, a maioria era conceitual (85), como era de se esperar, dado que o livro seminal “Relational Frame Theory: A Post-Skinnerian Account of Human Language and Cognition” foi publicado em 2001. Ou seja, estamos falando de uma teoria relativamente recente e ainda em desenvolvimento (embora tenha publicações com as primeiras ideias ainda na década de 1980). Nos 62 artigos empíricos encontrados (42 empírico+RFT e 20 empírico+outro), a maioria dos estudos contou com a participação de adultos com desenvolvimento típico (72%), seguida de crianças com desenvolvimento típico (18%), crianças com desenvolvimento atípico (7%), e por fim, adultos com desenvolvimento atípico (3%). A moldura mais estudada foi a de coordenação (n=15), seguida pela moldura de oposição (n=6), comparação (n=5) e dêitica. A maioria dos estudos foi publicado nos periódicos The Psychological Record (TSR) e Journal of the Experimental Analysis of Behavior, embora os estudos tenham sido publicados em seis diferentes periódicos.

Na revisão mais recente, publicada em 2017, O’Connor, Farrell, Munnelly e McHugh inovaram ao incluir de quais regiões geográficas os autores que publicaram trabalhos empíricos são filiados, possibilitando verificar se houve um aumento não só no número de publicações (especialmente das empíricas, que eram minoria até 2008), mas também no alcance da teoria em termos do número e área dos periódicos nos quais os estudos foram publicados.

Assim, artigos revisados por pares, contendo os descritores relational frame theory (teoria das molduras relacionais), relational frames (molduras relacionais), arbitrarily applicable relational responding (responder relacional arbitrariamente aplicável), derived stimulus relations (relações de estímulo derivadas), arbitrarily applicable relations (relações arbitrariamente aplicáveis) e derived relational responding (responder relacional derivado) e publicados entre 2009 e 2016 foram incluídos na revisão. As bases de dados utilizadas foram a PsyInfo, Scopus e Web of Science.

Quinhentos e vinte e um artigos foram incluídos nessa revisão. A maioria foi classificado como empírico (288, ou 55,3%), com a maioria dos artigos contendo trabalhos empíricos da área (empírico+RFT; n=160, ou 55,5% dos artigos empíricos).

Entre os não empíricos (n=233), a maioria foi classificada como estudos conceituais (52,78% dos trabalhos não empíricos), seguido pelas revisões (47,2%). Assim como identificado na revisão publicada em 2009, a maioria dos participantes dos estudos empíricos foram adultos com desenvolvimento típico (n=110), seguidos por crianças com desenvolvimento atípico (n=35), crianças com desenvolvimento típico (n=29) e, por fim, adultos com desenvolvimento atípico (n=16).

Outra característica semelhante à observada na revisão publicada em 2009 se refere às molduras mais estudadas: coordenação (n=83), oposição (n=33) e comparação (n=26). Entretanto, verificou-se um aumento no estudo de outras molduras, como as dêiticas (n=21), de distinção (n=20), hierárquicas (n=10) e temporais (n=5). Novamente, o TPR foi o periódico com o maior número de publicações (65, ou 41% das publicações), mas outros periódicos também contaram com vários artigos empíricos publicados sobre o assunto, como o Journal of Contextual Behavioral Science (n = 14), o Journal of the Experimental Analysis of Behavior (n = 14), o International Journal of Psychology & Psychological Therapy (n = 10), o Research in Autism Spectrum Disorders (n = 8), e o Journal of Applied Behavior Analysis (n = 7), embora as publicações estarem dispostas em 36 diferentes periódicos. Assim, houve aumento no número de periódicos que publicaram artigos sobre o tema. Além disso, 26% dos artigos (n=41) foram publicados em periódicos que não são da área comportamental, o que mostra a disseminação e um possível alcance dos achados em outras áreas do conhecimento. Os artigos têm sido publicados em quatro continentes (Europa, América, Ásia e Oceania), porém os locais com maior expressão são a República da Irlanda (n=81), os Estados Unidos da América (n=55), o Reino Unido (n=26), a Espanha (n=22) e a Bélgica (n=18).

Portanto, é possível ver que vários conceitos introduzidos no livro de 2001 estão sendo investigados de maneira experimental, inclusive conceitos brevemente delineados, como as investigações experimentais sobre relações dêiticas. Há, entretanto, lacunas que prescindem de pesquisa. Um exemplo é o baixo número de pesquisas sobre relações espaciais e causais, como os autores O’Connor et al. (2017) salientam no trabalho. Uma limitação de ambas as revisões, no entanto, foi o uso de artigos publicados somente em inglês, o que pode significar que o número de trabalhos, empíricos ou não, é provavelmente ainda maior. Quem sabe algum leitor não se habilita a investigar as publicações brasileiras sobre o tema (se é que isso já não foi feito!).

Quer saber mais? Leia as revisões na íntegra:

Dymond, S., May, R. J., Munnelly, A., & Hoon, A. E. (2010). Evaluating the evidence based for Relational Frame Theory: A citation analysis. The Behavior Analyst, 33, 97-117. doi: 10.1007/BF03392206

O’Connor, M., Farrell, L., Munnelly, A., & McHugh, L. (2017). Citation analysis of Relational Frame Theory: 2009–2016, Journal of Contextual Behavioral Science, 6(2), 152-158. doi: 10.1016/j.jcbs.2017.04.009

Escrito por Táhcita M. Mizael, doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de São Carlos, e membra do CLiCS – Grupo de pesquisa em Cultura, Linguagem e Comportamento Simbólico. Bolsista FAPESP.

“As opiniões, hipóteses e conclusões ou recomendações são de responsabilidade do(s) autor(es) e não necessariamente refletem a visão da FAPESP”.

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Escrito por Táhcita Mizael

Psicóloga, mestre e doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de São Carlos. Especialista em gênero e sexualidade pela UERJ. Membra do CLiCS – Grupo de pesquisa em Cultura, Linguagem e Comportamento Simbólico. Também escreve para os blogs Cientistas Feministas e Boletim Behaviorista.

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