“Um terapeuta que mantém uma posição estritamente técnica, uma face neutra e impessoal, arrisca punir o comportamento vulnerável do cliente em relação a ele, e diminuir assim a probabilidade de que o mesmo se expresse com a mesma abertura no futuro. Expor experiências próprias pode ser uma estratégia do terapeuta de se tornar vulnerável na relação com o cliente. A autorrevelação pelo terapeuta pode consistir em compartilhar suas crenças, emoções e sentimentos em relação ao que acontece na terapia.” (Vandenberghe e Pereira, 2005, p. 132)
Comumente, as concepções sobre psicoterapia implicam no reconhecimento de uma pessoa fazendo autorrevelações – o cliente – e outra oferecendo um ambiente seguro (acolhedor, validante e sigiloso) para essa exposição – o terapeuta. Menos comum é a inversão das funções atribuídas a esses papéis e o efeito terapêutico que se alcança por meio da autorrevelação do terapeuta.
A Psicoterapia Analítica Funcional (Kohlenberg & Tsai, 1991) é uma abordagem comportamental em que o cliente apresenta equivalentes de suas dificuldades na relação com o terapeuta, que interage como facilitador do processo de mudança explorando o momento presente com o cliente; observando comportamentos sem julgamentos, inferências ou interpretações sobre supostas motivações; exercitando a mudança no próprio relacionamento terapêutico; e oferecendo feedback imediato sobre o processo. Esse conjunto de comportamentos possibilita a criação das contingências descritas na FAP pelo modelo ACL (Awareness, Courage, Love), que enfatiza: consciência ao observar os Comportamentos Clinicamente Relevantes (CCRs); coragem ao evocá-los; e amor ao reforçá-los (Tsai, Kohlenberg, Kanter, Kohlenberg, Follette & Callaghan, 2011).
Nesse sentido, a ação do terapeuta é tão importante quanto a fala terapêutica – e a autorrevelação. Quando, como e por que se autorrevelar será discutido neste texto.
Quando
A autorrevelação pode ocorrer no momento da interação terapeuta-cliente em que comportamentos da mesma classe das dificuldades e das melhoras do cliente são identificados no relacionamento terapêutico. Sob essa perspectiva, a FAP, fundamentada na Análise do Comportamento, incorpora as noções de equivalência de estímulos e transferência de função (Ferro-García, Valero-Aguayo & Bermúdez, 2016), que permitem ao terapeuta traçar paralelos funcionais entre como o cliente se comporta nas interações cotidianas e na relação terapêutica. Dessa forma, o controle do comportamento do indivíduo fora da terapia – a sensibilidade dele a parcelas do mundo com o qual interage – também acontece dentro do setting clínico.
Por meio da análise funcional, o terapeuta FAP identifica e observa a ocorrência da classe de comportamentos-problema funcionalmente semelhantes aos selecionados na história do cliente (regra 1 da FAP), evoca comportamentos de melhora em sessão (regra 2), consequencia essas emissões (regra 3), avalia com o cliente o efeito das intervenções (regra 4) e interpreta funcionalmente o processo, planejando a generalização (regra 5) (Kohlenberg & Tsai, 1991/2001). Em todos esses momentos, a autorrevelação pode contribuir como modelo e modelagem de audiência não punitiva, além de eliciar e promover a emissão de comportamentos de melhora, que aproximam o cliente de seus valores, e reforçar as observações e interpretações do cliente sobre seu comportamento e variáveis de controle. Como exercitar a autorrevelação será em função das contingências da relação terapêutica.
Como
Revelando sobre o funcionamento da terapia
A autorrevelação tem início já no primeiro encontro, quando o terapeuta corajosamente revela sobre o processo terapêutico e convida o cliente à adesão a um relacionamento honesto e empático, corajoso e acolhedor, compassivo e reforçador. Convidar hábil e gentilmente é um exercício de modelo ACL para o cliente, pois amplia a consciência do compromisso com a proposta, cria contexto para a modelagem de coragem de expor-se ao outro e aumenta a probabilidade de evocar no cliente uma resposta amorosa: a compreensão e o aceite. Uma forma de revelar sobre o mecanismo da terapia é exemplificada a seguir.
Muito do que você vivencia nos seus relacionamentos com os outros nós vamos experienciar juntos, na nossa relação. Por isso, por vezes será bastante útil sentirmos, pensarmos e agirmos no aqui-e-agora, de forma honesta, corajosa e compassiva, para buscar as mudanças que você exercerá no mundo lá-e-depois. Eu consigo ser mais útil trabalhando no nosso relacionamento, por ter informações mais precisas sobre o que está acontecendo comigo, com você e com a gente. Se eu perceber algo importante, eu poderia compartilhar com você?
Além de revelar sobre a forma como trabalha, o terapeuta pode também compartilhar pensamentos e sentimentos sobre a relação com o cliente.
Revelando sobre a relação
A autorrevelação é um meio, não um fim em si; é um elo do encadeamento que ocorre na interação que contribui para alcançar a função necessária da situação terapêutica, selecionado a partir de análises funcionais sensíveis, coerentes e consistentes. Se o fundamento da terapia é o benefício do cliente, a autorrevelação do terapeuta deve promover a escuta, a participação e a análise de seu comportamento, assim como do impacto no outro.
Ao empregar a autorrevelação para comunicar a sua percepção da relação, é importante que o terapeuta se preocupe em descrever os comportamentos observados e o efeito experimentado, precisamente. Sugerir intenções generalizadas e abrangentes pode redirecionar o cliente a contestá-las ou justificá-las (contracontrolar), esquivando-se em vez de se engajar na mudança. Esse é um aspecto importante: evocar, com a autorrevelação, comportamentos que possam cooperar para a melhoria da relação.
A autorrevelação sobre o “nós” que se cria a partir de eu-e-você promove também o desenvolvimento da tomada de perspectiva, pois pratica o compartilhamento do efeito que se exerce sobre o outro. Um cliente pode ser entediante, por exemplo, e descrevê-lo por meio desse rótulo possivelmente resultará em prejuízos e evocará mais comportamentos-problema. Por outro lado, o terapeuta transforma a dificuldade do cliente em vantagem terapêutica ao dizer, por exemplo: “deixe-me compartilhar algo… Quando você permanece por muito tempo falando sobre como as outras pessoas prejudicam você, em vez de responder minha pergunta sobre como eu posso ajudá-lo com o horário das nossas sessões, eu me sinto distanciado. Gostaria de me reaproximar… Podemos nos concentrar em como eu poderia contribuir para que você pudesse se comprometer a vir aos nossos encontros sem se sentir prejudicado?”.
Além das revelações sobre o processo – funcionamento da terapia e relação com o cliente –, as autorrevelações pessoais do terapeuta podem ser úteis.
Revelando-se para o cliente
A exposição pessoal do terapeuta preconiza autoconhecimento e autenticidade. Os sentimentos do terapeuta contribuem mais para o processo se reconhecidos como sendo eliciados pelo cliente, que possivelmente evoca em outras pessoas de seu convívio respondentes semelhantes. Perguntar-se quando começou, de que forma e, principalmente, o porquê dos sentimentos experimentados são recursos valiosos na condução da autorrevelação. Por isso, conhecer as próprias dificuldades é essencial para a condução do processo, discernindo entre o que é do terapeuta (em FAP, T1 – comportamento problema do terapeuta) e o que emerge do processo vivenciado com o cliente na relação terapêutica.
Além disso, o terapeuta é parte da interação, logo permanecer omisso e inautêntico obsta a construção de um relacionamento empático, corajoso e compassivo. Se o cliente tem curiosidade sobre o terapeuta ter um relacionamento íntimo, gostar de um tipo musical ou sobre como se sentiu ao perder uma pessoa importante de sua vida, responder genuinamente é o que vai consentir em um encontro genuíno. Ser honesto, levando o cliente a sério mesmo ao se sentir vulnerável, facilita a aprendizagem de expressão emocional e de coragem para fazê-la. E possibilita, então, explorar com o cliente a função de suas perguntas.
No entanto, a autorrevelação do terapeuta também tem como guia a função prevista pelas análises funcionais do cliente de quem se está diante. Permanecer vulnerável inclui o reconhecimento e a comunicação de limites para a autoexposição e ser genuíno tem contexto e consequências a serem ponderadas. Se um cliente perguntar, por exemplo, quanto o terapeuta ganha por mês e essa informação não for contribuir para o processo, ser genuíno e vulnerável seria responder sobre tal percepção, em vez de revelar o seu faturamento mensal. Uma possível resposta envolveria, então, dizer: “gosto de responder suas perguntas e fico me perguntando como essa informação poderia nos ajudar em nosso trabalho. Existe alguma outra pergunta acerca da minha renda que você gostaria de tentar fazer?”. Talvez o cliente esteja interessado em saber quantas outras pessoas o terapeuta atende além dele, ou qual o seu nível socioeconômico… De todo modo, as respostas do terapeuta devem manter-se correlacionadas à função das perguntas do cliente; e acessá-la dependerá da exposição mútua do cliente e do terapeuta.
O porquê de se empregar tanto esforço em quando e como fazer autorrevelação responde a questões filogenéticas, ontogenéticas e culturais.
Por quê
A razão pela qual a autorrevelação é um instrumento valioso do terapeuta é a de sermos seres sociais – evoluímos associando-nos em grupos –, dentro de macro e microssistemas de relacionamentos interpessoais (cultura). Seja a dois ou em grupos, na família ou no trabalho, a maioria das dificuldades que as pessoas experienciam são sobre construir relações gratificantes. E seja por falta de oportunidade ou de repertório, é raro que se dialogue sobre o que acontece no aqui-e-agora entre mim e o outro.
A grande contribuição que o terapeuta em psicoterapia pode oferecer é ser modelo e modelar a conexão, evocando, reforçando e empatizando com o cliente. E a autorrevelação atua a esse favor, tão mais quanto o terapeuta tornar-se estímulo discriminativo e estabelecedor para a emissão de comportamentos vulneráveis. Segundo Vandenberghe e Pereira (2005), a intimidade inicia-se com um dos parceiros emitindo comportamentos vulneráveis e só se torna bidirecional quando os dois emitem e reforçam-se reciprocamente. Nesse sentido, ao emitir e reforçar pequenas instâncias de comportamento vulnerável, o terapeuta pode ser modelo e adquirir função de estímulo para o cliente, possibilitando encadeamentos progressivamente mais complexos que produzem a experiência curativa do processo terapêutico.
Referências
Ferro-García, R., Valero-Aguayo, L., & López Bermúdez, M. Á. (2016). Fundamentos, características y eficacia de la Psicoterapia Analítica Funcional. Análisis y Modificación de Conducta, 42(165-166), 51-73.
Kohlenberg, R. J., & Tsai, M. (1991). Functional Analytic Psychotherapy: Creating Intense and Curative Therapeutic Relationships. Springer.
Tsai, M; Kohlenberg, R. J.; Kanter, J. Kohlenberg, W.; B.; Follette, W.; Callaghan, G. M. (2011). Um guia para a Psicoterapia analítica funcional (FAP): consciência, coragem, amor e behaviorismo. Santo André: ESETec.
Vandenbergue, L., & Pereira, M. B. (2005). O Papel da intimidade na relação terapêutica: Uma revisão teórica à luz da análise do comportamento. Revista Psicologia, 7(1), 127-136.