Conceituando o brincar

“O campo científico tem explorado cada fez mais essa atividade predominante na infância, com o intuito de caracterizar as suas peculiaridades, identificar as suas relações com o desenvolvimento e com a saúde e, entre outros objetivos, intervir nos processos de educação e de aprendizagem das crianças.” (Cordazzo & Vieira, 2007). E como podemos entender o brincar a partir da Análise do Comportamento?

De Rose e Gil (2003) ressaltam que não podemos definir o brincar apenas pela sua topografia. Isto é, a partir da forma como observamos esse comportamento. Para ilustrar, o que é brincadeira para uma pessoa pode não ser para outra. Tocar violão pode ser lazer para uns e trabalho maçante para outros. Para definir que algo é brincadeira ou não, precisamos entender a sua função e não apenas a forma com que observamos tal atividade.

A diferença entre a topografia e a função de um comportamento refere-se ao que ele é e o porquê acontece. Skinner (1966/1969 como citado em Zilio, 2010, p. 169) ressalta que estamos conscientes do que fazemos quando descrevemos a topografia do nosso comportamento, e conscientes da razão pela qual estamos fazendo quando descrevemos as variáveis relevantes. Contudo, para considerar que um comportamento específico seja brincadeira, analisamos se sua função, ou seja, a razão pela qual acontece é o brincar.

Analisamos o brincar como qualquer outro comportamento que chamamos de operante. “Chamamos de operante o comportamento que produz consequências (modificações no ambiente) e é afetado por elas.” (Moreira & Medeiros, 2007). O brincar produz consequências que segundo De Rose e Gil (2003), são consequências naturais.

Entendemos as consequências naturais como aquelas em que o comportamento é por si só apetitivo. Não depende de alguma condição externa específica para ser prazeroso e satisfatório (Dorigon & AbibAndery, 2015). Por exemplo, há pessoas que gostam muito de tocar violão e isto não depende de pessoas assistindo, incentivos de familiares ou financeiros. O que mantém o comportamento de tocar violão são consequências naturais e não arbitrárias. “No momento em que a consequência reforçadora do comportamento é o produto direto (intrínseco) do comportamento, dizemos que a consequência é uma

reforçadora natural. Quando a consequência reforçadora é um produto indireto (extrínseco) do comportamento, afirmamos que se trata de um reforço arbitrário.” (Moreira & Medeiros, 2007). Vale ressaltar que a consequência reforçadora é aquela que aumenta a probabilidade de ocorrência futura de um comportamento.

Ler porque os pais vão levar ao cinema é um comportamento mantido por consequências arbitrárias. Ler por gostar da leitura e sentir prazer ao fazer isso, é um comportamento mantido por consequências naturais, independente de condições externas relacionadas.

A partir das consequências naturais que o brincar produz, a criança entra em contato com diversas oportunidades de aprendizado. De Rose e Gil (2013) ressaltam que o brincar oferece oportunidades de modelar, diferenciar e refinar habilidades, maximizando reforçadores positivos e diminuindo consequências aversivas.

Consideramos então o brincar como um comportamento operante que será modelado pelos efeitos que gera no ambiente, por meio das consequências. As habilidades são refinadas por meio das consequências que produz, que são em grande parte apetitosas e prazerosas, diminuindo consideravelmente as consequências desagradáveis. Falamos em diminuição, uma vez que não é possível eliminar toda a probabilidade de consequências aversivas. Por exemplo, quando uma criança está brincando, quebra um objeto e é repreendida pelos pais. Contudo, o comportamento de brincar é mantido em grande parte por reforçadores naturais e segundo Guilhardi (2014) não há necessidade de elogios, aplausos… simplesmente brincar já é necessário e suficiente.

Referências:

Cordazzo, Scheila Tatiana Duarte, & Vieira, Mauro Luís. (2007). A brincadeira e suas implicações nos processos de aprendizagem e de desenvolvimento. Estudos e Pesquisas em Psicologia, 7(1).

De Rose, J. C. C. & GIL, M. S. C. A. (2003). Para uma análise do brincar e de sua função educacional. Em.: BRANDÃO, M. Z. S. (org.). Sobre comportamento e cognição: a história e os avanços, a seleção por consequências em ação. Vol. 11. Santo André: ESETec, p. 373-382.

Dorigon, Lygia T. & AbibAndery, Amalia Pie. (2015). Acta Comportamentalia. Vol. 23, n. 3, pp. 307-321.

Guilhardi, Hélio José. (2014). Reforço Natural. Instituto de Terapia por Contingências de Reforçamento. Campinas – São Paulo.

Todorov, João Claudio. (2012). Sobre uma definição de comportamento. Perspectivas em análise do comportamento, 3(1), 32-37.

Moreira, Márcio Borges & Medeiros, Carlos Augusto de. (2007) Princípios Básicos de Análise do Comportamento. Porto Alegre: Artmed, pp. 224

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Escrito por Débora Louyse

Psicóloga com experiência em acompanhamento terapêutico de crianças com Transtorno do Espectro do Autismo em ambiente escolar e domiciliar, atendimentos psicológicos direcionados a dificuldades de aprendizagem de crianças e adolescentes com desenvolvimento típico; Experiência em aplicação do método ABA (Análise do Comportamento Aplicada) para intervenções multidisciplinares em crianças e adolescentes e realiza atendimentos psicológicos clínicos de adultos e idosos a partir da abordagem Analítico-Comportamental.
E-mail: deboralouyse@hotmail.com

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