Valores, o que são?

Giovana Pagliari
Lucas Barbosa dos Santos
Vinicius Camargo

“(…) Devemos prestar atenção no espaço que separa o lugar onde estamos do lugar onde queremos estar. E mais importante: precisamos praticar as virtudes que consideramos importantes em nossa visão de mundo (…)” (BROWN, 2016. p.127)

Segundo o dicionário Aurélio (2008), valor é uma qualidade que faz estimável alguém ou algo. Na Terapia de Aceitação e Compromisso (criada por Steven Hayes e colaboradores em 1987), os valores são formulados a partir do comportamento verbal, no qual consequências são relacionadas às respostas, mesmo havendo lacunas temporais entre ambas (SABAN, 2015, p.85), ou seja, os valores são construções ideais de longo prazo, com o objetivo central de fazer com que as ações de curto e médio prazo estejam direcionadas a alcançá-lo.

Considerando que os valores surgem a partir do comportamento verbal, cabe ressaltar como ele é aprendido no decorrer da vida. A comunidade verbal em que se está inserido (família/cuidadores) nomeia objetos, situações, sentimentos, por meio das observações das contingências. Com o passar do tempo, então, é desenvolvido o repertório verbal referente ao convívio cultural e social, a pessoa passa a nomear eventos internos como fome, tristeza, alegria, e também externos (GUILHARDI, 2002).

Este aprendizado prévio possibilita, futuramente, a formulação e reformulação dos valores de uma pessoa. O comportamento verbal possibilita uma análise ampla sobre repostas e consequências, mesmo que estas últimas não ocorram em um curto espaço de tempo. Por exemplo, se uma cliente descreve, em sessão, o valor de ser uma boa esposa, a curto e médio prazo podem ser elencados objetivos em função deste valor, como dedicar um tempo exclusivo para a família, estar atenta ao que acontece na vida do cônjuge, se dedicar a ouvir diariamente os familiares. Em sessão também podem ser elencados exercícios como: “Se você escolher fazer tal coisa, como se sentirá daqui 2 ou 3 meses sobre isso?”. Nem sempre agir em conformidade com seus valores produzirá, em curto prazo, sentimentos e sensações agradáveis, mas a longo prazo haverá uma sensação de dever cumprido, de ter feito o que realmente era importante.

Um exemplo ilustrativo para esta situação poderia estar ligado ao valor de ser uma pessoa solidária e que ajuda aos mais necessitados, contudo, em curto prazo, pode ser que essa pessoa esteja passando por dificuldades em sua vida pessoal. Dedicar-se ao seu valor, nestas condições, pode ser mais difícil, mas ao mesmo tempo poderá produzir reforçadores a médio e longo prazo que podem, inclusive, dar suporte para vivenciar esta contingência pessoal tão aversiva.

É importante, também, diferenciar objetivos de valores. Quando vamos em direção aos objetivos, emitimos comportamentos com a função de aquisição de algo de curto ou longo prazo. Já os valores não são algo para se alcançar, eles são consequências de escolhas que são reforçadas e tornam-se intrínsecas ao repertório de um indivíduo. São vividos de momento a momento, não como algo definido (BARBOSA E MURTA, 2014).

Portanto, os objetivos se diferem de valores, tanto em sua forma como em sua finalidade. Nos objetivos são elencados um fim concreto, como: fazer uma viagem, comprar um carro, finalizar uma especialização em um prazo específico. Sempre há um local fixo onde se quer chegar, e são traçadas metas para que isso ocorra, e quando isso ocorre este objetivo acaba e podem ser traçados novos objetivos. Os valores jamais poderão ser completamente satisfeitos, não são tão concretos e saciáveis, mas tem a função geral de direcionar vários objetivos de curto, médio e longo prazo (SABAN, 2015). Em suma, os valores poderiam ser comparados à utopia, como um projeto que é criado desde agora, mas que nunca será finalizado, oferecendo como finalidade uma direção para qual seguir.

Conhecer a finalidade dos objetivos pode auxiliar a formulação destes para que atendam ao que é realmente importante na história de vida em questão. Por exemplo, alguém que descreve como valor ser um filho atento, presente na vida dos irmãos, pais e familiares, mas que conversa com a os familiares uma vez por mês, visita uma vez por ano e julga seu relacionamento insatisfatório, tem alta probabilidade de se sentir insatisfeito, falho e descontente quanto a sua relação familiar. Seriam objetivos de curto prazo, falar mais vezes por semana com a família, buscar informações com parentes sobre as últimas novidades/dificuldades, visitar mais os pais. Este autoconhecimento é um dos objetivos clínicos a serem alcançados.

A escolha de valores está diretamente relacionada a história de vida. Que por sua vez, está sempre em construção, o que torna a formulação de valores um processo nunca finalizado e que pode ser modificado ao longo do tempo. Mesmo havendo sentimentos de medo e/ou frustração durante a busca pelos valores, estes permanecem ligados ao que se considera ideal, então para que os valores mudem, são necessárias mudanças profundas na história de vida do cliente (SABAN, 2015). Por conta disso, o terapeuta precisa estar atendo a estas modificações, estando sensível as mudanças de valores de seus clientes.

Então, pode-se considerar que os valores são o “como” e os objetivos são os resultados. O resultado pode ser chegar ao alto da colina, o processo poderia ser a escalada (SABAN, 2015). Quando se retoma a frase inicial de Brown, valores exprimem quem se deseja ser, no mundo.

Há pessoas que descrevem como valor a felicidade. A pergunta é: “COMO ser feliz?” As repostas descrevem os valores que mantêm a sensação de felicidade e satisfação na vida.

 

REFERÊNCIAS:

AURÉLIO. Dicionário da língua portuguesa. 7ª ed. Curitiba: Ed. Positivo, 2008.

BARBOSA, L. M. MURTA, S. G. Terapia de aceitação e compromisso: história, fundamentos, modelo e evidências. Revista Brasileira de Ter. Comp. Cogn. Vol. XVI, nº 3. p. 34-49, 2014.

BROWN, B. A coragem de ser imperfeito. [Tradução] MACEDO, J. Rio de Janeiro: Sextante, 2016.

GUILHARDI, Hélio J. Autoestima, autoconfiança e responsabilidade. Comportamento Humano –Tudo (ou quase tudo) que voce precisa saber para viver. 2002. Santo Andre (SP): ESETec Editores Associados. Disponível em <https://tommyreforcopositivo.files.wordpress.com/2015/08/brandc3a3o-m-z-s-conte-f-c-s-mezzaroba-s-m-b-2002-comportamento-humano-tudo-ou-quase-tudo-o-que-vocc3aa-precisa-saber-para-viver-melhor.pdf>Acesso em: 07 out. 2016.

SABAN, M. T. Introdução à terapia de aceitação e compromisso. Belo Horizonte: Ed. Artesã, 2015.

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Escrito por Giovana Pagliari

Mãe de 4 cachorrinhas lindas, adora falar - ainda mais quando o assunto é: obesidade, memória, maternidade. Prioriza um olhar humano que seja integral, não dispensa uma boa conversa entre a fisiologia e a AC. Seus textos são rechados de ACT e por vezes, gosta de explorar temas que podem parecer simples, mas são fundamentais para compreensão dos processos clínicos.

Graduada em Psicologia. Pós-graduada em Fisiologia Translacional. Co-autora no capítulo "Comportamentos Suicidas". Formação em Terapia de Aceitação e Compromisso (Operantis). Realiza atendimento psicológico e avaliação psicológica para procedimentos cirúrgicos em Cambé-PR, também realiza psicoterapia on-line.
E-mail: giovanapagliari.gp@gmail.com
Instagram: @giovanapagliari

Boteco Behaviorista – Redes Sociais

Manejando Contingências na Formação Educacional