O controle verbal em atividades de discriminação condicional e relações de equivalência: contribuições empíricas

A área de controle de estímulos é pesquisada com base em conceitos de discriminação simples e discriminação condicional desde Skinner (1938). Com o avanço da área, tem-se as pesquisas em relações de equivalência.

Por meio de diversos estudos, entende-se que em discriminação condicional um comportamento é consequenciado, por meio de procedimentos de modelagem e treino de reforço diferencial, na presença de um dado estímulo, que o evoca. Em sua ausência, por outro lado, não há nenhum tipo de consequência programada (Terrace, 1966; Hübner, 2006; Sério, Andery, Gioia & Micheletto, 2015). Dessa forma, passamos a nos referir a operantes discriminados, de primeira ordem, que tem como unidade de análise a contingência tríplice (Skinner, 1974; Johnston & Pennypacker, 1993; Hübner, 2006; Catania, 2013).

Em discriminação condicional, por outro lado, respostas não são reforçadas com base em apenas um estímulo antecedente. Existirão dois estímulos exercendo controle sobre uma mesma resposta (Cumming & Barryman, 1965). Os fatores que parecem deixar a discriminação condicional complexa são a maleabilidade e a permutabilidade, isto é, segundo Cumming e Barryman (1965), a relação entre o estímulo e a resposta depende do contexto. Grosso modo, é o contexto que determina a função dos estímulos numa contingência de discriminação condicional.

Para além da discriminação condicional, há na área de controle de estímulos o estudo das relações de equivalência. Trazido à tona por Sidman (1994; 2000; 2009), Plazas e Villamil (2018) definem a área como relações condicionais e arbitrárias entre estímulos que, postas a teste, dão origem a relações emergentes que respeitam as dimensões de simetria, reflexividade e transitividade.

Uma das formas de se testar relações de equivalência é por meio do procedimento de matching to sample (Cumming & Barryman, 1965; Sidman, 1994), que se caracteriza pela apresentação de um estímulo modelo a ser relacionado com um estímulo comparação. Deve-se, diante de um estímulo (A’ ou A”) selecionar outro estímulo (B’ ou B”). A relação será reforçada entre estímulos correspondentes (A’ com B’ e A” com B”). Uma vez que essa contingência seja respeitada, há o treino de uma relação condicional entre estímulo A e B.

No entanto, é trazida à área a discussão de que possa haver controle verbal sobre atividades de discriminação condicional e relações de equivalência por meio de matching to sample (MTS). De Rose (1996) aponta que relações de equivalência podem ser controladas por meio de nomeação, uma vez que participantes humanos tendem a nomear estímulos (no exemplo acima, tende-se a nomear os estímulos A’, B’, A”, B” durante a execução do MTS, ainda que encobertamente). Outra possibilidade é o controle verbal exercido por autoclíticos (Wulfert, Dougher & Greenway, 1991; Martins, Hübner, Gomes, Pinto-Portugal & Treu, 2015; Sundberg, Sundberg & Michael, 2018).

Os autoclíticos são operantes de segunda ordem porque dependem de ou se fundamentam em operantes verbais primários (Skinner, 1957). Uma definição de autoclítico só é alcançada quando se considera o efeito que eles geram sobre outros comportamentos verbais e, principalmente, sobre o ouvinte (Skinner, 1957; Howard & Rice, 1988; Luke, Greer, Singer-Dudek & Keohane, 2011; Martins et al, 2015). Smith (1983) é categórico quando afirma que só por meio da modificação do comportamento do ouvinte é que podemos definir um operante verbal como autoclítico.

Existem três estudos que podem mostrar o possível efeito dos autoclíticos sobre atividades de discriminação condicional e MTS.[1]Wulfert, Dougher e Greenway (1991) conduzem um estudo com o objetivo de ensinar participantes a realizarem atividades de MTS pensando em voz alta, a fim de ter acesso aos verbais produzidos durante a tarefa e também para analisar os verbais específicos que são correlacionados com atividade de MTS.

O que os autores concluem é que os participantes que relacionavam estímulos, por meio de autoclíticos (como por exemplo, “vai com”), tinham melhor desempenho nas tarefas e formavam relações de equivalência. Em contrapartida, os que apenas descreviam tinham desempenho comprometido e não formavam relações de equivalência.

Os resultados são importantes por mostrar a utilidade da análise do comportamento verbal na execução de tarefas que envolvam discriminação condicional e relações de equivalência. Mais do que isso, o estudo mostra que o comportamento verbal é uma fonte de controle efetiva na realização de atividades que envolvam classes de equivalência.

Um segundo estudo, conduzido por Martins e colaboradores (2015) procura avaliar especificamente o controle autoclítico na execução desse mesmo tipo de atividade. Os autores conduziram o experimento com um delineamento de grupo, em que havia um grupo experimental e um grupo controle. O grupo controle não verbalizaria nada durante da execução dos procedimentos e o grupo experimental era instruído a verbalizar “esse é esse”, inserindo a variável autoclítica “é” relacionando os estímulos (no exemplo dado no texto, é como se eles verbalizassem A’é B’).

Os dados obtidos pelos autores, quando analisados individualmente, mostram que o desempenho do grupo experimental foi melhor que o desempenho do grupo controle, que não tinha  a variável autoclítica inserida na contingência de realização de tarefas de MTS. Por meio desses resultados, segundo os autores, pode-se concluir que o autoclítico serve como um agente facilitador para que participantes discriminem condicionamento e formem relações de equivalência.

O terceiro estudo, conduzido por Sundberg, Sundberg e Michael (2018) tinha como objetivo avaliar o papel da mediação verbal sobre o comportamento de indivíduos que são verbalmente habilidosos e de indivíduos que possuem déficits verbais. Envolviam-se quatro atividades, três de MTS e uma baseada em linguagem de sinais.

Por meio dos procedimentos, os resultados mostram que, segundo os autores, quebrar a mediação verbal em tarefa de MTS prejudica a performance dos participantes que são verbalmente habilidosos. Os dados sugerem, então, que a mediação verbal serve como uma fonte suplementar de controle na execução de atividades que envolvam MTS.

O papel do autoclítico nessa história toda, segundo os autores, é de que ele parece funcionar tanto como um estímulo que evoca comportamentos como um estímulo que altera função. Até que ocorra o autoclítico no repertório verbal dos participantes, a discriminação condicional parece não se configurar.

O que esses três estudos mostram converge com a racional descrita por De Rose (1996) de que seres infra-humanos e humanos não verbais, salvo polêmicas, não conseguem formar relações de equivalência. Essas pesquisas apontam para a importância do comportamento verbal enquanto uma variável controladora na execução de tarefas de discriminação condicional e relações de equivalência.

Com certeza ainda são necessárias pesquisas que isolem melhor os autoclíticos e que fomentem ainda mais os dados obtidos pelos autores descritos. Ainda assim, as implicações desses resultados têm impacto direto em como compreendemos fenômenos tanto no contexto clínico como no contexto escolar.

 

Referências

Catania, A. C. (2013) Learning. 5th Edition. Sloan Publishing.

Cumming, W. W. & Berryman, R. (1965). The complex discriminated operant: Studies of matching-to-sample. Em D. I. Mostofsky (Org.), Stimulus generalization(pp. 284-330). Stanford, CA.: Stanford University Press.

De Rose, J. C. (1996) Controlling factors in conditional discriminations and tests of equivalence. In Zentall, T. R.; Smeets, P. M. (editors) Stimulus Class Formation in Humans and Animals. Elsevier Science.

Howard, J. S.; Rice, D. E. (1988) Establishing a generalized autoclitic repertoire in preschool children.The Analysis of Verbal Behavior. v. 6, n. 1, pp. 45-49.

Hübner, M. M. C. (2006) Controle de estímulos e relações de equivalência. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva. 8(1), 95-106.

Johnston, J. M.; Pennypacker, H. S. (1993)Strategies and Tactics of Behavioral Research. Second Edition. Psychology Press.

Martins, L. A. L.; Hübner, M. M. C.; Gomes, F. P.; Pinto-Portugal, M.; Treu, K. E. (2015) Effect of the qualifying autoclitic “is” in conditional discrimination training and equivalence tests. Acta Colombiana de Psicología. 18(1). pp. 37-46.

Luke, N.; Greer, R. D.; Singe-Dudek, J.; Keohane, D. (2011) The emergence of autoclitic frames in atypically and typically developing children as a function of multiple exemplar instruction. The Analysis of Verbal Behavior. v. 27, n. 1, pp. 141-156.

Plazas, E. A.; Villamil, C. W. (2018) Formation of new stimulus equivalence classes by exclusion. Journal of the Experimental Analysis of Behavior. 109(2), pp. 380-393.

Sério, T. M. A. P.; Andrey, M. A.; Gioia, P. S.; Micheletto, N. (2015) Controle de Estímulos e Comportamento Operante. 3 ed. São Paulo: EDUC.

Sidman, M. (1994) Equivalence Relations and Behavior: A Research Story. Boston: Authors Cooperative.

Sidman, M. (2000) Equivalence relations and the reinforcement contingency. Journal of the Experimental Analysis of Behavior. v. 74, n. 1, pp. 127-146.

Sidman, M. (2009) Equivalence Relations and behavior: an introductory tutorial. The Analysis of Verbal Behavior. v. 25, n. 1, pp. 5-17.

Skinner, B. F. (1938) The Behavior of Organisms. Cambridge: Copley Publishing Group.

Skinner, B. F. (1957) Verbal Behavior. New York: Appleton-Century-Crofts.

Skinner, B. F. (1974) About Behaviorism. New York: Vintage Books.

Smith, T. L. (1983) Vargas on the Autoclitic. The Analysis of Verbal Behavior. v. 2, n. 1, pp. 11-12.

Terrace, H. S. (1966) Stimulus Control. In Honig, W. K.; Staddon (orgs) Operant Behavior: Areas of Research and Application. New York: Appleton-Century-Crofts.

Wulfert, E.; Dougher, M. J.; Greenway, D. E. (1991) Protocol Analysis of the correspondence of verbal behavior and equivalence class formation. Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 56(3), pp. 489-504.

[1]Os estudos serão aqui descritos de maneira absolutamente superficial, dada a natureza do texto. Recomendo fortemente ao leitor que tiver curiosidade de saber mais sobre delineamento experimental e condução atentar-se à seção de referências e ler o artigo original.

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Escrito por Renan Miguel Albanezi

Graduado em Psicologia pelo Centro Universitário Cesumar (UniCesumar), especialista em Análise do Comportamento e Psicoterapia Cognitivo-Comportamental pelo Núcleo de Educação Continuada do Paraná (NECPAR) e em Terapia Comportamental pela Universidade de São Paulo (USP). Tem como principais áreas de estudo o Behaviorismo Radical e a Análise do Comportamento com interesse em comportamento verbal, agências controladoras do comportamento, psicoterapia comportamental e psicoterapia analítica funcional.

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