Estou de saco cheio de tentar emagrecer: o que a análise do comportamento tem a nos dizer.

Relatos como “preciso emagrecer, mas não consigo”, “preciso praticar atividade física, mas não tenho motivação alguma” são comuns no dia a dia. Essas pessoas se culpam porque frequentemente as tentativas de emagrecer e obter hábitos saudáveis foram frustradas. Além do histórico de frustração, a cultura ensina que a motivação é da pessoa e que “surgirá do nada”. Se ela não pratica atividade física e come de forma excessiva, por exemplo, nossa comunidade usualmente tende a dizer que a esta pessoa faltou disciplina e força de vontade.

É importante manejar os fatores ambientais e excluir qualquer explicação mentalista (explicação que coloca a causa última do comportamento dentro da pessoa). Estar “a fim de” fazer dietas, atividades físicas, desenvolver autocontrole diante de alimentos saborosos, por um viés analítico-comportamental, referem-se a comportamentos que devem estar relacionados ao manejo adequado das contingências que envolvem as ações das pessoas em seu ambiente, mas a sociedade aprendeu em diversas ocasiões a apelar para “falta de força de vontade”, “essa pessoa não consegue se controlar” ou “não tem persistência”, desconsiderando os componentes históricos e ambientais da análise.

Uma pessoa não pode esperar que amanheça e diga a si mesma: “Nossa hoje estou muito a fim de emagrecer e deixar de comer todas as coisas gostosas que sempre comi!”. Sabemos que ter uma alimentação balanceada e praticar atividade física é muito importante para a saúde, mas essas razões não são suficientes para motivar alguém a agir de maneira diferente e instalar novos hábitos. Desta forma, pessoas que “estão de saco cheio de tentar emagrecer” precisam remanejar o seu contexto para que estímulos ali presentes possam adquirir funções discriminativas e reforçadoras ao longo do processo, que cooperem para a sua compreensão de quais processos comportamentais têm interferido para a “falta de motivação”, assim como para quais aspectos da sua relação com o ambiente podem fortalecer a escolha por hábitos saudáveis sobre o comer e exercitar-se. Pessoas que normalmente são consideradas “motivadas” tanto para cumprirem uma dieta, quanto para exercitarem-se, normalmente assumiram ao longo do processo maior capacidade discriminativa, na hora de escolher o que comer, por exemplo, assim como tiveram acesso a reforçadores tanto para o comer saudável quanto para o exercitar-se.

Se a queixa do cliente/paciente é: “não estou motivado para emagrecer”, provavelmente, as variáveis históricas não foram bem planejadas e fizeram com que não promovesse êxito (reforço) através da emissão do comportamento. Uma estratégia possível é envolver outros reforçadores paralelamente à dieta. Se no início do aprendizado dos novos hábitos é difícil e desanimador para o cliente, mas ele gosta de receber pessoas em sua casa, por exemplo, poderá criar eventos e aliar este reforçador à dieta. Neste caso, cozinhar alimentos do planejamento alimentar e convidar amigos para jantar em sua casa, pode ser um manejo com grandes chances de ter valor reforçador.

Você já ficou um bom tempo sem comer aquela pizza que tanto gosta? E aquele doce? Provavelmente, depois de muito tempo sem ter acesso a alimentos favoritos percebeu que ao comer, estava ainda mais gostoso. Isso se dá porque a privação pode aumentar o valor reforçador de um determinado estímulo, neste caso o alimento. Dietas altamente restritivas podem aumentar o valor reforçador dos alimentos, dos quais a pessoa está privada podendo fazer com que tenham episódios de comportamentos alimentares excessivos quando tiverem acesso novamente aos alimentos e desistam do processo que envolve o emagrecimento. Ou seja: ficar muito tempo sem aquela pizza, por exemplo, poderá fazer com que mobilize amigos para uma confraternização na pizzaria, e coma excessivamente. O terapeuta juntamente com o nutricionista devem planejar uma alimentação coerente e gradual em que possam manipular de modo mais equilibrado a relação entre privação e saciação.

O terapeuta poderá desenvolver com seu cliente/paciente o planejamento das mudanças. Tornar a estratégia com menor custo de resposta. Vamos imaginar que o cliente/paciente coma cinco colheres de salada de maionese todos os dias no almoço. Em parceria com o nutricionista, o paciente não comerá cinco colheres, mas quatro. Perceba que ao invés de cortar toda a salada de maionese do almoço, que na maioria das estratégias é feita dessa maneira, no decorrer do processo a pessoa passaria a comer três, duas, uma, e em seguida comerá em dias intercalados. Neste caso a estratégia é a mudança gradual. Fazer com que “deixe de comer, comendo”.

Nesses processos, comportamentos de (fuga-esquiva) se tornarão muito frequentes, o que podemos fazer neste caso é a parceria de propósito. O cliente/paciente pede que seu amigo o acompanhe nas atividades físicas/alimentares e cada estratégia irão garantir um ao outro o compromisso proposto naquele dia.

Outra estratégia é alternar privação e saciação. Motivar o engajamento na atividade física e alimentar alternando os fatores estabelecedores. No caso da atividade física o cliente/paciente pode alternar os ambientes e exercícios. Ao invés de fazer o aeróbico todos os dias na academia, a estratégia é variar para outro ambiente. Ele pode programar fazer aeróbico três dias consecutivos na academia e antes que a saciação seja estabelecida, o cliente mudará o contexto, podendo praticar seu aeróbico na praia, por exemplo.

Skinner (1979/2003) ressaltou algumas outras estratégias que podem facilitar no controle do comportamento: 1, Remover situações que podem evocar o comer excessivo. Neste caso, podemos diminuir a quantidade de comidas calóricas dentro da geladeira e armários. 2, Preparar alimentos saudáveis para diminuir o custo de resposta (esforço ao chegar da academia, por exemplo). No caso de evitar o comer excessivo, podemos programar com o paciente 3, comer antes de sair de casa para que sinta-se saciado para diminuir o valor da comida na festa. Neste caso, irá tornar a probabilidade do seu comportamento alimentar excessivo menor. Quando o cliente/ paciente come antes de sair de casa usa saciedade como método de autocontrole, diminuindo o valor da comida na festa.

Pessoas que estão de “saco cheio de tentar emagrecer”, geralmente tem um histórico de buscar o emagrecimento através do peso ideal e não sustentável. Buscam objetivos irrealistas com sua história (apesar da história não ser fatalista). Mudar os hábitos precisa ser coerente a sua história, contexto atual e gradual. Perder peso nos primeiros meses e semanas pode tornar-se fácil para a maioria das pessoas, mas manter é o que muitas pessoas não têm conseguido. Peso ideal nem sempre é compatível com as estratégias impostas pela sociedade. Emagrecer ou estar de saco cheio de tentar emagrecer não são questões de persistência e nem uma questão de “força de vontade”, mas de habilidade, que como vimos, é passível de treino e progressivamente pode se consolidar em repertório comportamental padrão.

Abaixo, seguem alguns textos para que possa ser feita uma leitura sobre o tema proposto.

Hübner M. M. C, Moreira M. B (2012). Temas clássicos da psicologia sob a ótica da análise do comportamentoRio de Janeiro: Guanabara Koogan.

Miguel, C. F. (2000). O conceito de Operação Estabelecedora na Análise do Comportamento Psicologia: teoria e pesquisa, 16(3), 259-267.

Skinner, B. F. (2003). Ciência e comportamento humano (J. C. Todorov e R. Azzi, Trad.). São Paulo: Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1953)

 

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Escrito por Vanderson Garcia

Vanderson Garcia é psicólogo clínico e hospitalar e da saúde, analista do comportamento, com formação em terapia/treinamento de habilidades psicológicas. Professor do curso de Estratégias Comportamentais para o Emagrecimento e Transtornos Alimentares. Idealizador do Programa "6A’s do Emagrecimento". Mestrando em cuidado em saúde (UFF) e membro do GIPETIS (Grupo Interdisciplinar de Pesquisa, Ensino e Tecnologia e Inovação em Saúde – Universidade Federal Fluminense) que tem como linhas de pesquisa, práticas integrativas e complementares em Saúde e tecnologias e inovação no cuidado em Saúde. M

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