Em 22 de março de 1999 o Conselho Federal de Psicologia, no uso de suas atribuições legais, resolve que o profissional de Psicologia não adotará práticas terapêuticas que promovam a cura, reparação ou discriminação da homossexualidade (CFP, 1999). Nesse sentido, então pode-se afirmar que mesmo que o indivíduo chegue ao consultório de Psicologia solicitando a priori mudar a sua orientação sexual, o profissional não pode realizar intervenções com esse objetivo, o que é apontado pelos terapeutas reparativos como retirar a autonomia do paciente de mudar. (MENEZES, 2014).
As terapias denominadas como reparativas ou de reorientação sexual são psicoterapias favoráveis a mudança de orientação sexual. Tais modelos psicoterápicos utilizam de um conjunto de teorias psicológicas e até mesmo religiosas para justificar a necessidade de modificar a orientação sexual de uma pessoa (DAVIES, 2012). Sobre isso existe uma série de especulações acerca da validade científica dessas terapias, pois seus posicionamentos e argumentos a respeito da homossexualidade são amplamente questionáveis e seu uso pode fazer mal a saúde mental dos indivíduos (SILVA, 2007). Há ainda uma ampla discussão no que se refere a validade e uso dessas terapias reparativas da homossexualidade.
Considerando que a análise do comportamento nos fornece condições de analisar os alicerces e a natureza do controle social, podemos considerar que os agentes controladores, a partir dos seus intuitos definem as contingências e reforçam então o comportamento dos que a elas estão expostos, no caso os controlados (HOLLAND, 1983). Igrejas, governos com suas legislações, são exemplos de controladores que definem as contingências, regras sociais em certo nível e pautados então nessas definições do que é certo e errado usam de seu poder controlador para controlar os indivíduos de uma sociedade (HOLLAND, 1983).
Em uma cultura ocidental heteronormativa na qual esses indivíduos estão inseridos, que reforça somente uma forma de expressar, vivenciar a orientação sexual a heterossexualidade, e que dispõe de uma série de coerções para com aqueles que não seguem as normas estabelecidas socioculturalmente da sexualidade humana, pune as outras possibilidades de orientação sexual, como a homossexualidade, uma vez que a cultura vigente não contempla ainda, contingências relativas a diversidade sexual, pois indivíduos que não seguem o padrão heteronormativo são privados de uma série de direitos, e agredidos constantemente (HOLLAND, 1983).
Logo tal coerção direcionada aos homossexuais produz seus efeitos colaterais como apontado por Sidman (2009, p. 101):
O primeiro efeito colateral da punição, então, é dar a qualquer sinal de punição a habilidade para punir por si mesmo. Assim como um elemento ambiental que leva a reforçamento positivo perde seu status neutro e torna-se ele mesmo um reforçador positivo, um elemento que leva à punição, torna-se ele mesmo um punidor.
Nessa perspectiva é como se os comportamentos homossexuais não só sinalizassem punição para os indivíduos homossexuais, como também se tornassem eles mesmos punitivos. Por isso não surpreende que essas pessoas apresentem algum sofrimento psíquico, ou até mesmo “incômodo” com a sua sexualidade, em razão de que, os vários estímulos associados com a homossexualidade são fortemente punidos, o que acaba resultando em ser aversivo para o indivíduo a sua identidade sexual (HOLLAND, 1983; BORGES, 2009).
Na tentativa de justificar uma cura gay segue-se uma lógica heteronormativa de compreensão do comportamento humano, ao avaliar que o sofrimento do homossexual está diretamente relacionado a sua sexualidade, e que por isso, o mesmo ao apresentar sofrimentos correlatos a orientação sexual deve ter o direito de mudar, com auxilio profissional.
Considerando as contingências descritas acima, uma questão para os sujeitos homossexuais é de serem aceitos pela sociedade, e como esse é um meio com aparentes preconceitos, discriminações e desrespeito para com esses indivíduos, nada surpreenderia como um comportamento de fuga/esquiva a busca por terapias que apresentem como proposta converter a sua homossexualidade em heterossexualidade, pois assim, passariam a fazer parte da norma heterossocial sendo então respeitados e aceitos pelo grupo (SILVA, 2007). O que reduziria ou eliminaria a coerção que incide sobre esses indivíduos e seu comportamento sexual.
Nessa lógica, como aponta Silva (2007, p. 109):
Tentam, assim, corrigir diretamente o que consideram ser a base objetiva de seu “defeito”, tornando-se, muitas vezes, vítimas de indivíduos inescrupulosos ou de terapeutas incompetentes.
O que acontece nesse caso é que os defensores das terapias reparativas apontam certas características internas, no caso a identidade homossexual do indivíduo, como causadoras do comportamento a ser “corrigido”, no caso o sofrimento ou insatisfação relativo à sua orientação sexual (SILVA, 2007; HOLLAND, 1983). Partem de uma visão dualista e de um recorte de análise que separa o indivíduo do seu contexto e desconsidera uma série de contingências socioculturais de opressão homofóbica, sob as quais os indivíduos homossexuais estão expostos desde a infância e consequentemente os impactos subjetivos dessas contingências. Não consideram que tal sofrimento é sempre resultado de uma adaptação do comportamento desses indivíduos às contingências do ambiente. É nesse sentido que uma intervenção adequada seria, aquela que considera todas as variáveis das quais o comportamento é função, isto é, nesse caso a intervenção deveria levar em consideração as contingências que produzem e mantém o sofrimento dessas pessoas, não visando corrigir, converter ou redirecionar o desejo sexual do indivíduo. (BORGES, 2009; SILVA, 2007; HOLLAND, 1983).
Holland (1983, p.319) traz a seguinte reflexão:
Muitos perdoam, ou exigem, a punição do homossexual, do pedófilo, da pessoa violenta, do drogado, e do bêbado. Estas vítimas são alvos de desdém e de retribuição; são também os alvos da terapia aversiva.
Cabe aqui, uma questão de discernimento ético, dado que não se utiliza a mesma lógica terapêutica para uma série de outras questões que socialmente não repugnam os construtos sociais, isto é, aquilo que é considerado de maneira generalizada como certo e errado em nossa sociedade. Exemplo disso é no tratamento de pessoas que possuem fobia, timidez ou comportamento passivo (HOLLAND, 1983). O homossexual é punido socialmente, e de maneira análoga em um processo de terapia reparativa por não ter desejo sexual por pessoas do sexo oposto, mas uma pessoa heterossexual não sofre o mesmo tipo de tratamento por estar com algum problema psíquico ou disfunção sexual e não conseguir sentir atração ou desejo de se relacionar (HOLLAND, 1983). Fica então, o seguinte questionamento conforme Holland (1983, p. 319):
Se a terapia aversiva tem alguma eficácia, porque é então reservada para os atos vistos como imorais? Será que há um elemento de retaliação social na sua utilização?
É fato que o profissional de Psicologia atua ou ao menos deveria atuar, movido por boas intenções, pelo interesse de auxiliar as pessoas a terem melhor qualidade de vida e bem-estar, mas nesses casos específicos o que representa um problema ou não para o indivíduo foi definido pelos outros, sob influências socioculturais e isso acaba sendo utilizado como justificativa para a utilização de tal método psicoterápico (HOLLAND, 1983).
As terapias reparativas reproduzem os processos de opressão social em ambiente clínico, visando corrigir a orientação homossexual transformando-a em heterossexual. Partindo do princípio de que a Psicologia é uma ciência e deve se comprometer com a ética, o fato de respeitar valores, crenças e autonomia dos seus clientes não é necessariamente concordar com eles (SILVA,2007). Pois considerando o elevado preconceito para com homossexuais em nossa sociedade, e a escassez de informações corretas e científicas sobre homossexualidade, esses indivíduos não heterossexuais não possuem autonomia para serem eles mesmos (SILVA, 2007).
Por isso, o papel da psicologia não é responder de maneira irreflexiva a um circuito de demandas e sim analisar em profundidade o que a precede, qual a sua função e pertinência, pois o fazer psicológico não é aquele que vai adequar os indivíduos as normas sociais dominantes, ao contrário disso existem momentos em que é preciso “romper” com certas instituições em prol do indivíduo e da sua saúde mental, que pode estar sendo prejudicada pela relação que esse estabelece com tais questões institucionais e socioculturais.
Fica então, a reflexão de qual autonomia se pretende, a de um indivíduo histórica e socialmente marcado pela impossibilidade de existir enquanto um ser humano dotado de uma orientação sexual que não está de comum acordo com a norma definida socialmente, ou a autonomia em prol de dar liberdade para que esse indivíduo seja quem ele realmente é. Permitindo que ele expresse e vivencie sua sexualidade e possa compreender que os conflitos que ele apresenta não são com sua orientação sexual, mas sim com um contexto coercitivo, preconceituoso e excludente que o diz desde a infância que ser gay é incorreto e o priva de uma série de direitos e liberdades. Nesse sentido, fica complicado falar em autonomia de poder escolher tratar ou não sua orientação sexual, uma vez que o indivíduo não independe do contexto no qual está inserido.
Contudo fica a reflexão para os psicoterapeutas e analistas do comportamento, sobre a necessidade de ficar atento a complexidade dos fenômenos e estar aberto as diferenças e novos estilos de vida. Pois os valores, códigos morais e socioculturais de uma sociedade são produtos de um contexto que possui uma história e possuem seu valor, mas não representam verdades inquestionáveis (VANDENBERGHE, 2005).
Afinal se heterossexuais e homossexuais vivem em uma mesma cultura e contexto, é curioso o fato de nenhum heterossexual chegar ao consultório de psicologia pedindo a cura da sua heterossexualidade ou apresentando sofrimentos por ser heterossexual. A diferença aqui está no fato de que esse mesmo contexto não é coercitivo para com os comportamentos heterossexuais. Nesse sentido então o que parece mais coerente é auxiliar o cliente homossexual a compreender esses processos de coerção e os seus impactos psicológicos, buscando trabalhar a aceitação da sua sexualidade para que ele a vivencie de maneira assertiva apesar das coerções presentes na sociedade para com os comportamentos homoafetivos.
Referências
BRASIL. Resolução nº 001/99, de 22 de março de 1999. Estabelece normas de atuação para os psicólogos em relação à questão da orientação sexual. Conselho Federal de Psicologia. Brasília, DF, 22 mar. 1999. Disponível em: <http://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/1999/03/resolucao1999_1.pdf>. Acesso em: 07 mar. 2017.
BORGES,Klecius. Terapia Afirmativa: uma introdução à psicologia e à psicoterapia dirigida a gays, lésbicas e bissexuais. São Paulo: GLS, 2009. 101p.
DAVIES, Dominic. Terapia de reorientação sexual (terapia reparativa) e requerimentos para ajudar na mudança de orientação sexual. Pink Therapy, Reino Unido, p. 1 – 3, set. 2012. Disponível em: http://www.pinktherapy.com/portals/0/downloadables/translations/ce_port.pdf. Acesso em: 05 set. 2017.
HOLLAND, James g. Comportamentalismo: parte do problema ou da solução? Pittsburgh, p. 317 – 326, 1983. Disponível em <http://repositorio.ispa.pt/bitstream/10400.12/1975/1/1979_2_317.pdf>. Acesso em: 03 set. 2017.
MENEZES, Eduardo Victor de Assis. Prisioneiros da esperança: a limitação da autonomia da vontade no atendimento psicológico de homossexuais egodistônicos no brasil. Revista jurídica da seção judiciária de Pernambuco. Pernambuco, n. 7, p. 91 – 113, set. 2014.
SIDMAN, Murray. Coerção e suas implicações. Campinas, SP: livro pleno,2009.
SILVA, Adriana Nunan do Nascimento. Homossexualidade e discriminação: o preconceito sexual internalizado. 2007. 390 p. Psicologia – Pontifícia Universidade católica, Rio de Janeiro, 2007.
VANDENBERGHE, Luc. Uma ética behaviorista radical para a terapia comportamental. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva. São Paulo, v. 7, p. 55 – 66, jun. 2005.