A atenção plena, uma proposta de uso como ferramenta clínica na ACT

De que forma a Mindfulness – Based Congitive Therapy (MBCT) poderia ser utilizada como ferramenta clínica na ACT (Terapia de Aceitação e Compromisso, criada por Steven Hayes e colaboradores em 1987)? Considera-se aqui, o modelo de flexibilidade psicológica da ACT e os pilares da prática Mindfulness, de forma a facilitar um diálogo entre ambas.

A Terapia de Aceitação e Compromisso tem como uma de suas características a flexibilização da linguagem (SABAN, 2015), deixando esta mais útil – ou seja, utilizando-a de forma facilitadora ao sentir e as imposições sociais da cultura através de suas regras e exigências. Para isso, segundo Saban (2015), os procedimentos são aliados a:

– Aceitação: A atitude de não fugir, ou seja, de permanecer presente. Consiste em perceber de forma consciente as sensações e sentimentos desagradáveis, se permitir senti-los e deixar virem e irem naturalmente, sem esforço.

– Desfusão: Esta fase está diretamente ligada a linguagem, cabe aqui perceber que a função da “mente” é pensar. Integra-se aqui o fato de que os pensamentos desconfortáveis não governam a decisão a ser tomada nem definem quem a pessoa é. Os pensamentos são comportamentos, produto das contingências vividas em dado momento.

– Contato com o momento presente (mindfulness, em inglês): É justamente estar consciente de sua experiência no agora, aberto a vive-la por completo.

– Self como contexto: É perceber-se como um expectador de suas próprias sensações, vivências e experiências. Possibilita perceber-se em diversos contextos, sem a limitação de uma definição única e pré-existente.

– Valores: Podem ser vistos como o processo para se chegar a um fim. Em suma, sãos os reflexos do que lhe é essencialmente importante.

– Ação com compromisso: Aqui a aceitação é retomada como uma escolha, e as mudanças almejadas vão de encontro com seus objetivos, aliadas a seus valores. O cliente nesta fase deverá estar consciente do que é necessário para suas mudanças e o que deverá empreender para isso.

Segundo o exposto em Teasdale et al (2016), alguns dos objetivos do MBCT estão ligados a:

– Não julgar: Estar consciente do fluxo de julgamentos – certo/errado/bom/mau, não tentar pôr fim a ele, apenas aceita-los.

– Ser paciente: Estar aberto ao fato de que as coisas não acontecem no tempo desejado.

– Ter uma mente de principiante: Observar os eventos com curiosidade, se abrir a cada experiência como algo novo, jamais vivenciado de tal forma antes. Ver tudo como se fosse a primeira vez.

– Não “lutar”: O objetivo está ligado a viver o momento presente da maneira como ele é.

– Aceitar: Ver as coisas como elas realmente são, sem a necessidade de que sejam agradáveis.

Se observados todos os objetivos, é possível chegar à conclusão de que há possibilidade de diálogo entre as estratégias da ACT e a Mindfulness. Considero ainda que esta é apenas uma observação acerca da utilização da técnica da Mindfulness como uma ferramenta, é importante ressaltar que esta não é a única e que também há que se aliar a toda prática clínica ao viés teórico e científico. Não bastaria uma aplicação técnica sem um objetivo a ser desenvolvido, e como listado anteriormente, vários podem ser os objetivos dentro de uma mesma técnica.

O modelo MBCT de 8 semanas traz à tona práticas cotidianas prévias, as quais intitula de “piloto automático” (TEASDALE et al, 2016), estas são situações diárias vivenciadas na cultura ocidental. Estão ligadas à nossa linguagem e estilo de vida, e o cliente (ou leitor) é convidado a observar a forma como foi ensinado a lidar com seus sentimentos desagradáveis e como pensa a respeito de si mesmo e do mundo.

Durante as semanas a seguir, as meditações compiladas têm como principal objetivo propiciar a experiência de sensações desagradáveis de forma menos aversiva, aumentando o grau de forma gradativa e introduzindo conceitos de aceitação (entre outros) através de metáforas. Entende-se aqui que seria difícil introduzir inicialmente no ambiente natural do cliente um contato aberto e livre de censuras a pensamentos e sensações aversivas, em situação clínica são oferecidos contatos e exploração de sentimentos gradativamente, até que através do processo terapêutico e práticas de generalização a vivência cotidiana permita o desenvolvimento de habilidades de aceitação, autoconhecimento, desfusão, e todas as outras habilidades já citadas.

O objetivo final desta utilização não é necessariamente de que as práticas de exercícios de meditação estejam sempre presentes durante a vida do cliente, e caso isso se torne o objetivo do cliente ele poderá fazê-lo buscando futuramente estas práticas em outros contextos de sua vida. Na clínica o objetivo real está justamente ligado a função terapêutica, a utilização da Mindfulness como ferramenta facilitadora para desenvolvimento de comportamentos que anteriormente não eram emitidos ou ocorriam em baixíssima frequência, necessitando de manejo para que os objetivos do cliente fossem alcançados durante a psicoterapia.

O psicólogo em seu papel de facilitador do processo pode utilizar-se desta ferramenta, consciente de como ela pode ser benéfica e tomando os devidos cuidados para que sua utilização seja feita de forma correta. Lembrando sempre que toda ferramenta, seja qual for, tem suas particularidades, formas de manejo e cuidados a serem tomados. Dentro da terapia há que ser considerado qual momento mais propício para introdução de exercícios como os citados, a busca por orientação de profissionais que já fazem uso deste material é indispensável. A experiência clínica poderá prever situações adequadas e inadequadas ao processo, assim como evitar o mau uso das técnicas compiladas nas matérias disponíveis em livros e manuais. Atentando-se sempre a um fator benéfico ao cliente, considerando a vastidão de ferramentas existentes na psicologia e considerando qual delas seria mais adequada ao caso em questão.

REFERÊNCIAS:

SABAN, M. T. Introdução à terapia de aceitação e compromisso. Belo Horizonte: Ed. Artesã, 2015.

TEASDALE, J. WILLIAMS, M. SEGAL, Z. Manual prático de Mindfulness (meditação da atenção plena). São Paulo: Pensamento, 2016.

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Escrito por Giovana Pagliari

Mãe de 4 cachorrinhas lindas, adora falar - ainda mais quando o assunto é: obesidade, memória, maternidade. Prioriza um olhar humano que seja integral, não dispensa uma boa conversa entre a fisiologia e a AC. Seus textos são rechados de ACT e por vezes, gosta de explorar temas que podem parecer simples, mas são fundamentais para compreensão dos processos clínicos.

Graduada em Psicologia. Pós-graduada em Fisiologia Translacional. Co-autora no capítulo "Comportamentos Suicidas". Formação em Terapia de Aceitação e Compromisso (Operantis). Realiza atendimento psicológico e avaliação psicológica para procedimentos cirúrgicos em Cambé-PR, também realiza psicoterapia on-line.
E-mail: giovanapagliari.gp@gmail.com
Instagram: @giovanapagliari

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