O sentido do “social” na ansiedade social

É bastante comum o uso do termo “social” em diversos contextos verbais científicos e cotidianos. Alguns exemplos incluem, políticas sociais, ciências sociais, assistência social, interação social, comportamento social, e assim por diante. No entanto, os significados deste termo podem diferir de forma considerável dependendo da expressão.

Assim, quando falamos em políticas sociais, por exemplo, estamos nos referindo a um conjunto de significados diferente daquele que é expresso quando falamos em comportamento social. O primeiro faz referência a um conjunto de ações e diretrizes governamentais que visam à preservação e à elevação do bem-estar social de todas as classes sociais (Carvalho, 2007). O segundo faz referência ao comportamento de duas ou mais pessoas que interagem em relação a um ambiente comum, de modo que as consequências produzidas por cada membro da interação são mediadas pelo outro (Skinner, 1953/2003; Sampaio & Andery, 2010).

Quando nos referimos à ansiedade social, o “social” guarda um significado particular que difere do significado de outras expressões com esse adjetivo. O DSM-V (APA, 2014) aponta que a característica central da ansiedade social é o medo da avaliação interpessoal negativa. Assim, o adjetivo “social” aqui especifica um conjunto de respostas de ansiedade que surge em decorrência da exposição a críticas e avaliações negativas, não tendo relação direta com outras categorias sociais mais amplas, como relações sociais ou comportamento social. O adjetivo é adicionado para especificar uma contingência interpessoal avaliativa e não outra que também poderia levar o rótulo de “social”.

Uma discussão interessante é a real necessidade de distinguir uma classe de respostas de ansiedade de outra. Ou seja, dentro do conjunto de classificações da ansiedade e dos seus transtornos, o que caracterizaria e distinguiria um tipo de ansiedade como social?

Schlenker e Leary (1982) relatam alguns estudos que justificam a classificação de certas respostas ansiosas como sociais – suscitadas e intensificadas pelos outros – e que são empiricamente distinguíveis de outros tipos de ansiedade. Por exemplo, um desses estudos (Miller, et. al., 1972, citados por Schlenler & Leary, 1982), encontrou um fator de ansiedade social em crianças que foi definido por situações como cometer erros, ser criticado, deixar outra pessoa com raiva e ser o centro das atenções em sala de aula. Um outro estudo (Strahan, 1974, citado por Schlenker & Leary, 1982) também encontrou um fator de ansiedade social relacionado a situações como ser apresentado a uma pessoa nova, fazer um discurso, ser entrevistado para um emprego, estar em uma sala cheia de estranhos e namorar alguém pela primeira vez.

Situações em que o indivíduo pode ser o foco das atenções, sendo potencialmente alvo de avaliação interpessoal negativa, como se engajar em uma conversa, por exemplo, são as que funcionariam como antecedentes para o que estamos chamando aqui de ansiedade social no sentido específico do termo. Em outros tipos de ansiedade, em que situações potencialmente perigosas podem ocorrer, a preocupação com as reações avaliativas dos outros não evoca, pelo menos em um grau relevante, a experiência de ansiedade social.

Por exemplo, “alguém pode temer caminhar por uma rua escura à noite por causa do perigo de ser ferido fisicamente por um assaltante. Embora se possa falar vagamente de um encontro ‘social’ com o assaltante, a causa da preocupação é um dano físico, não a avaliação de si mesmo pelo assaltante” (Schlenker & Leary, 1982, p. 642). Poderíamos dizer que, neste caso, temos uma ansiedade “não social”. Ela poderia se tornar também social se o indivíduo também se preocupasse com a avaliação de outros significativos sobre a sua competência em lidar com estas situações.

Deste modo, parece bastante pertinente a existência de um componente – medo de avaliação interpessoal negativa e suas implicações – que legitima o uso do termo “social” para descrever esse tipo de ansiedade. É válido pontuar que o indivíduo não precisa, necessariamente, estar na situação, para que a ansiedade social ocorra. Imaginar-se na situação ou antecipá-la também pode evocar tal resposta.

Vale ressaltar ainda que, no sentido mais específico da análise do comportamento, algumas situações que poderiam evocar respostas socialmente ansiosas não são consideradas “sociais”. Baum (1994/2006), por exemplo, afirma que observar uma outra pessoa ou assistir uma representação teatral não são episódios sociais, uma vez que o reforço ocorre apenas em uma direção. Para ser considerado “social”, o episódio deve envolver reforço mútuo.

De fato, aquele que simplesmente observa alguém ou assiste a uma apresentação teatral não teme, necessariamente, a avaliação interpessoal negativa e é reforçado apenas com as consequências do seu próprio comportamento. Não há interação social. Uma vez que o comportamento do observador entra em contato com o comportamento do observado e é capaz de afetá-lo, temos um episódio social. Mas essa “afetação” deve ser caracterizada pela evocação de respostas descritas como “medo de avaliação interpessoal” para que possamos rotular a ansiedade como social. Não sendo assim, estaremos falando de outra coisa que pode ou não ter relação com a ansiedade social.

Referências

APA (2014). DSM-V: Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais. Porto Alegre: Artmed.

Baum, W. M. (1994/2006). Compreender o Behaviorismo: Ciência, comportamento e cultura. Porto Alegre: Artmed.

Carvalho, A. M. (2007). Políticas sociais: afinal do que se trata? Agenda Social. Revista do PPGPS/UENF. Campos dos Goytacazes, vol. 1 (3), pp. 73-86.

Sampaio, A. A. S., & Andery, M. A. P. A. (2010). Comportamento social, produção agregada e prática cultural: uma análise comportamental de fenômenos sociais. Psicologia: Teoria e Pesquisa, vol. 26 (1), pp. 183-192.

Schlenker, B. R., & Leary, M. R. (1982). Social anxiety and self-presentation: a conceptualization and model. Psychological Bulletin, vol. 92 (3), pp. 641-669.

Skinner, B. F. (1953/2003). Ciência e comportamento humano (J. C. Todorov, & R. Azzi, trads.). São Paulo: Martins Fontes.

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Escrito por Pedro Gouvea

Psicólogo. Especialista em Análise Comportamental Clínica pelo Instituto Brasiliense de Análise do Comportamento. Especialista em Docência do Ensino Superior pela AVM Educacional/UCAM. Especialista em Terapia Cognitivo-Comportamental pelo Centro de Psicologia Aplicada e Formação/UCAM. Atua como psicólogo clínico e em instituição de acolhimento para idosos. Tem interesse principalmente pelos seguintes temas: Psicoterapia Analítica Funcional (FAP) e Psicopatologias/Comportamentos que envolvem a ansiedade social, como o transtorno de ansiedade social (fobia social), timidez, introversão e personalidade evitativa. E-mail para contato: pedrow.gouvea@gmail.com

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