Os adultos também perdem os limites com os eletrônicos

O texto de hoje será escrito em primeira pessoa. No mesmo dia eu tive contato com duas informações que me sensibilizaram para o mesmo tema. Primeira situação: eu estava em um estabelecimento comercial, e a atendente me perguntou se eu achava que a filha dela, de 2 anos, poderia ter um tablet. Começamos, então ,a conversar sobre os possíveis prejuízos de uma criança tão pequena passar tempo demais com o aparelho eletrônico. Por exemplo, se a criança deixaria de engajar-se em outras brincadeiras, com crianças de sua idade, com os irmãos, e mesmo com os adultos responsáveis. O que me chamou a atenção foi o relato da mãe sobre uma fala desta criança de 2 anos: “Mamãe, eu vou ligar para a vovó vir ficar comigo. Você fica muito no celular.”

Apenas diante desta fala foi que a mãe se deu conta de que, muitas vezes, ela passa tempo excessivo acessando as redes sociais e interage pouco com sua filha. Neste caso, a mãe trabalha em uma jornada de 8 horas diárias e o uso do celular concorre com a atenção à filha no período da noite.

Depois desta conversa, vi que eu recebi em minha rede social o seguinte vídeo:

https://www.youtube.com/watch?v=LnpkPfxySUU

O vídeo retrata uma apresentação de crianças de um colégio, cantando uma música sobre o prejuízo das interações afetivas e de qualidade causado pelo uso excessivo dos eletrônicos.

“Desliga, desconecta, vem aproveitar o pôr-do-sol comigo 
Aqui, bem agora, nessa hora, vou compartilhar o melhor arquivo
O tempo com você”

             Este e outros versos da música retratam com sensibilidade como facilmente nos  desconectamos das pessoas presentes e nos conectamos com os aplicativos. A preocupação com o uso excessivo de eletrônicos pelos jovens não é um tema novo, e infelizmente já conseguimos observar produtos comportamentais deste excesso: alguns hábitos sociais já sendo negligenciados, por exemplo, falar com um prestador de serviços sem tirar os fones de ouvido ou tirar os olhos do celular, fazer as refeições sem conversar com quem está sentado à mesa. Os exemplos são diversos.

Extraído de Google Imagens

Mas o meu contato com o vídeo foi influenciado pela conversa que eu relatei no início do texto. Em que medida o comportamento das crianças e jovens tem sido influenciado por modelos dos adultos que passam o tempo com eles? O pai ou mãe que  responde e-mails do trabalho enquanto janta, sentado à mesa com a família, está criando uma condição em que ficam evidentes duas condições: 1. os comportamentos de interagir, conversar, perguntar, emitidos pelos demais serão colocados em extinção por quem está usando o aparelho. Extinção é uma condição em que os comportamentos emitidos não produzem as consequências habitualmente produzidas. Neste caso, o que é comumente seguido por atenção e pela interlocução passa a ser seguido de, muitas vezes, um lapso de tempo até que se receba atenção, mas em geral pode mesmo passar despercebido; 2. o comportamento do adulto que se “desconecta” do ambiente fisicamente presente pode atuar como um modelo de comportamento para as crianças e jovens. “Se minha mãe usa as redes sociais enquanto estamos juntos, eu também posso usar.”

As consequências de que falo não são produzidas imediatamente. Uma refeição em que pouco se conversa, uma pergunta não respondida fazem parte das interações. Afinal, nem sempre produzidos o que esperamos com os nossos comportamentos, e sabemos que recebemos atenção das pessoas em frequência variável. Este é outro aspecto que deve ser levado em conta. O distanciamento das interações pode ser gradual e, como tal, não percebido como um risco em médio e longo prazo.

Extraído de Google Imagens

“De corpo presente, cabeças ausentes
Visitando um mundo paralelo
Com sites na tela e os olhos na rede
Somos gente, mas não temos elo”

            O vídeo pode ser uma boa operação motivacional para uma reflexão sobre os nossos hábitos, e para nos atentarmos se nossos excessos com o uso das redes sociais estão colocando em risco nossas relações.

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Escrito por Marília Zampieri

Graduada em Psicologia pela Universidade Federal de São Carlos - UFSCar, Especialista em Psicologia Clínica Comportamental pelo Instituto de Terapia por Contingências de Reforçamento - ITCR-Campinas, Mestre em Psicologia pela Universidade Federal de São Carlos - UFSCar. Atua como psicóloga clínica e supervisora de atendimentos a adultos em Campinas - SP e online, e como supervisora dos cursos de especialização do ITCR - Campinas.
Possui acreditação como Analista do Comportamento pela ABPMC.

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