Relacionamento Abusivo: Comportamentos de uma prática cultural

Uma relação abusiva pode ser caracterizada pelo excesso de poder que um dos parceiros tem sobre o outro. Falar sobre esse assunto ainda demanda muita discussão e esclarecimento para que o seu enfrentamento seja mais efetivo. No entanto, a cada dia tem sido maior o destaque deste tema nas mídias e isso se dá por conta das lutas de movimento sociais que tratam da violência contra a mulher. Apesar de existir uma lei (Lei Maria da Penha 11340/06) que configura a violência contra a mulhercomo qualquer ação ou omissão baseada no gênero que cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial da mulher, de acordo com o instituto Maria da Penha (2006), a cada dois segundos uma mulher sofre violência física ou verbal. Devemos ressaltar que relações abusivas independem de gêneros.

Uma das justificativas que pode ser apontada para esses números é que a violência de gênero ainda é naturalizada em muitos contextos. Culturalmente, podemos observar que a diferença no tratamento entre homens e mulheres acontece ainda de forma natural e apresenta de maneira explícita a desigualdade existente. Essa desigualdade histórica, que foi e ainda é reproduzida por seus autores sem, muitas vezes, se darem conta de que tratam as mulheres como subordinadas, o que é reflexo de uma cultura criada e regulada por homens (Carmo &Moura, 2010).

 Muitas regras e auto regras machistas, do tipo que favorece e enaltece o homem em relação às mulheres,permeiam os comportamentos presentes nos relacionamentos abusivos e estão incorporadas nos comportamentos dos homens e, muitas vezes, nos das mulheres. Por isso, pode-se dizer que essa violência faz parte de uma prática cultural em que existe a presença de uma classe de comportamentos cuja função é manter a mulher como seu objeto por meio de forças coercitivas (Nogueira, 2016). Com comportamentos abusivos muitos parceiros destroem a “autoestima” e “autoconfiança” das vítimas, fazendo com que apresentem quadros diversos com características depressivas e ansiosas.É bastante comum o questionamento: o que faz com que uma mulher se mantenha numa relação abusiva?

Ao tentar compreender o comportamento humano nos atentamos para a história de vida do indivíduo, que inclui aprendizagens, regras,  auto regras, modelos, habilidades sociais, treino de resolução de problemas, enfrentamento de relações conflituosas, cultura, valores etc. É possível que ao saber desses dados teríamos muito a dizer sobre o estabelecimento desses padrões na vida dos indivíduos que compõe esse círculo vicioso, o abusador e a vítima. Trago no título do artigo um questionamento que nos faz pensar e observar o quanto estar inserido em uma cultura, ainda muito machista, reforça esses padrões de abuso.

É valido lembrar que o abusador, em alguns ou muitos momentos, emite reforçadores que o faz se tornar uma grande fonte de reforçamento, podendo o relacionamento apresentar vários reforçadores que impedem que a vítima saia do ciclo que o abusador a coloca. De acordo com Carmo e Moura (2010), o ciclo abusivo pode ser divido em três etapas: 1) a fase de tensão; 2)da explosão e, 3)lua de mel ou reconciliação,momento em que um novo ciclo se inicia. Lembrando que o ciclo é apresentado em todas as formas de violência, verbal, física, emocional, sexual e financeira.

O abusador, quando emite todos os comportamentos que colocam o relacionamento num status abusivo, está sob controle de alguns reforçadores, inclusive o de manter uma cultura, na qual os homens que direcionam uma relação e mulheres se submetem às vontades e desejos de seus maridos.

Nem sempre uma relação abusiva é de fácil identificação, porém alguns indicativos são preponderantes na relação, como por exemplo, o ciúme e a possessividade são características presentes no comportamento de quem abusa, o controle nas decisões do parceiro, desejar e promover o isolamento social do outro, ser violento verbal e fisicamente e até pressionar para ter relações sexuais com o parceira (o).No entanto, a observação desses indicativos na relação abusiva, não faz com que seja fácil identificar a existência do abuso, tendo em vista que as percepções desses indicativos são muitas vezes naturalizadas pela cultura ou classificadas como cuidado. Na maioria das vezes, a observação de que se está em uma relação abusiva é percebida apenas pelas pessoas do convívio da vítima.

Relacionamentos podem ser abusivos de várias formas.Atualmente se fala também no abuso tecnológico, que está relacionado ao controle das redes sociais, insistência por obter senhas de acesso e monitoramento do celular. Tendo vista essa topografia,do comportamento,é importante avaliar aforma como a vítima se sente em relação aos comportamentos do parceiro,uma hipótese seria está em um padrão de fuga e/ou esquiva de situações que sinalizem consequências aversivas advindas do parceiro.

É comum para as vítimas receberem julgamentos de culpabilização, nos quais se responsabiliza a mulher por permanecer em um relacionamento abusivo ou por serem culpadas pela ocorrência do abuso. As mulheres que procuram ajuda por se identificarem como vítimas de um relacionamento abusivo relatam o desgaste da relação e a insegurança ao se sentirem culpadas e provocadoras do abuso. 

 Poderíamos dizer que a dificuldade para sair de relacionamentos que apresentam esses ciclos abusivos, acomete pessoas que não apresentam repertório suficiente para enfrentar situações como esta. O abuso sempre começa muito sutilmente e as vítimas ao perceberem sempre acreditam na mudança do parceiro. Quando se dão conta do que ocorre na relação, principalmente as vítimas de agressões físicas e de abuso sexual, não necessariamente denunciam o parceiro, tendo vista os processos serem longos e não confiáveis. E de maneira muito discreta e com topografias aceitas socialmente, por exemplo, o de ser um homem ciumento o que pode ser confundido com cuidado com o outro e com a relação,esse comportamento de abusarpode intensificar e aumentar de frequência. Quando durante o abuso um homem desqualifica o comportamento de uma mulher de diversas formas, ele está tentando modificar comportamentos que não lhe agradam e assim altera a construção verbal que tinha sobre si mesma e sobre seu comportamento o que faz com que isto ocorra futuramente mesmo sem a presença do abusador.

 De acordo com Guerin e Ortolam (2017), interromper uma relação assim faz com que a mulher perca, talvez, a sua única fonte de reforçadores. As vítimas dessas relações começam a perceber a partir do momento em que excessos começam a surgir, quando a agressividade, a violência, o ciúme, começam a gerar mal-estar e um enorme desconforto. As vítimas de abusos sentem sua liberdade cerceada.  É possível que em atendimentos clínicos alguns abusadores sejam identificados por nós psicólogos, mas muitos não vão relatar tais comportamentos porque para eles isso é algo muito natural ou nem se dão conta da gravidade e das consequências dos seus comportamentos. Portanto, para que terapeutas clínicos analistas do comportamento possam ajudar seu cliente a sair desse ciclo é importante buscar compreender a ordem que o ciclo ocorre, a forma, as consequências e principalmente os sentimentos do cliente diante do relacionamento e compreender o ambiente e a cultura que estão inseridos.

Referencias Bibliográficas

Brasil (2006). Lei Nº 11.340/06 – Lei Maria da Penha.[Em linha]. Disponível em: [Consultado no dia 24 de Abril de 2018]

Carmo e Moura (2010). Violência Doméstica: A Difícil Decisão De Romper Ou Não Com Esse Ciclo. Fazendo Gênero 9 Diásporas, Diversidades, Deslocamentos. Florianópolis, Santa Catarina, Brasil, 9. Recuperado em: http://www.fazendogenero.ufsc.br/9/resources/anais/1278278656_ARQUIVO_VIOLENCIADOMESTICAADIFICILDECISAODEROMPEROUNAOCOMESSECICLO.pdf

Guerin e Ortolan (2017). Analyzing Domestic Violence Behaviors In Their Contexts: Violence As A Continuation Of Social Strategies By Other Means. Behavior and Social Issues, 26, 5- 26 (2017). Recuperado de:https://translate.google.com.br/translate?hl=pt-BR&sl=en&u=https://journals.uic.edu/ojs/index.php/bsi/article/view/6804&prev=search

Nogueira, E. E. (2016). Algumas considerações sobre Análise do Comportamento, violência doméstica e o ciclo da violência. Disponível em:http://abpmc.org.br/arquivos/textos/1505253574c40bb41beb.pdf

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Escrito por Amona Lima

Graduada em psicologia pelo Centro Universitário de Brasilia - UniCEUB, Especialista em Análise do Comportamento pelo IBAC- Instituto Brasiliense de Análise do Comportamento e mestranda pelo Centro Universitario de Brasilia -UniCEUB. Atua no consultório realizando atendimentos de adultos e adolescentes, no formato de terapia de casal, família e também atua em projetos de grupos terapêuticos para dependentes afetivos. É também coordenadora Institucional da Atitude Cursos,

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