Introversão e timidez: algumas reflexões

Confundir os padrões comportamentais rotulados como timidez e introversão é muito fácil. Ambos compartilham semelhanças que, para a grande maioria das pessoas, caracterizam o mesmo tipo de comportamento. Talvez você ou alguém que você conheça já tenha se referido a uma pessoa que interage pouco socialmente como “tímida” ou “introvertida”, sem fazer distinções. Apesar da literatura analítico-comportamental sobre estes temas ser extremamente escassa, é possível abordá-los sucintamente desta perspectiva, embora seja necessário recorrer a outras vertentes teóricas.

Conforme Camisão, Figueira, Nardi, Mendlowicz, Andrade, Marques, Coscarelli e Verisiani (1994), a timidez é um termo leigo que não possui uma definição operacionalizada. Para o senso comum, os tímidos são pessoas que apresentam nervosismo ou desconforto em situações sociais e temem se expor a estas situações, embora desejem fazê-lo. Em sua maioria, estas pessoas têm um julgamento negativo frente a um bom desempenho social e são extremamente rígidas consigo mesmas. Estas características gerais são compatíveis com o que chamamos de “ansiedade social”, um termo mais descritivo do fenômeno, mas pouco utilizado e conhecido na linguagem comum.

A ansiedade social é uma experiência comum da espécie humana e está intimamente ligada à estrutura do grupo social e à sua organização hierárquica, não interferindo no funcionamento social adequado da pessoa, podendo ser, até mesmo, benéfica em alguns casos (Gouveia, 2000). Assim, ao fazer uma apresentação em público, por exemplo, é esperado e adaptativo um certo nível de ansiedade social para que a pessoa desempenhe bem a sua tarefa. Caso contrário – um relaxamento total ao apresentar-se em público – esta pessoa provavelmente seria negligente com seu desempenho e aumentariam as chances de resultados negativos.

É curioso notar que o termo “timidez” raramente é utilizado na literatura científica, independente da orientação teórica. Parece não haver um tratamento científico sistematizado sobre a timidez, sendo a mesma reservada apenas para contextos verbais coloquiais e do senso comum. No entanto, as denominações “ansiedade social” e “timidez” são utilizadas, seja no contexto científico, seja no contexto do senso comum, como equivalentes. Porém, há distinções. Em ambos os contextos, estes termos não se referem a uma psicopatologia, mas sim a uma expressão cotidiana – que seria a ansiedade social – ou subclínica – que seria a timidez – de ansiedade em situações sociais. E aqui reside a diferença entre eles (Emanuel & Vagos, 2010). Portanto, o mais apropriado é pensar em termos de um continuum ansiedade social – timidez – transtorno de ansiedade social.

O ponto chave que caracteriza todo o espectro da ansiedade social e da timidez é o receio de ser avaliado negativamente pelos outros associado a um desejo de causar uma boa impressão. Em uma situação de conversação entre duas pessoas, por exemplo, quanto maior o grau de auto-revelação, maior o risco de ser avaliado negativamente e de ser rejeitado (Kashdan, Goodman, Machell, Kleiman, Monfort Ciarrochi & Nezlek, 2014). Presume-se que, nesse contexto, o tímido se engajaria intensamente em comportamentos de fuga/esquiva envolvendo esquiva experiencial, não manter contato visual prolongado, falar pouco e sobre assuntos superficiais, etc., o que provavelmente diminuiria o valor reforçador da interação para ambas as partes.

Considerando um enfoque comportamental, em que a ansiedade resulta basicamente da presença de um estímulo pré-aversivo condicionado que elicia reações fisiológicas típicas e diminui a tendência a emitir operantes positivamente reforçados (Regis Neto, Banaco, Borges & Zamignani, 2011), podemos esboçar um quadro em que a mera presença de uma pessoa funcionaria como um pré-aversivo capaz de produzir um nível de reações fisiológicas bastante desconfortável, ao mesmo tempo em que impede ou reduz a tendência do tímido a interagir com ela de modo adequado. A pessoa, enquanto um pré-aversivo condicionado, sinalizaria a ocorrência do aversivo que, de fato, o tímido receia: ser avaliado negativamente. A simples ameaça de aproximação social, por si só, produz fuga/esquiva, efeito colateral de uma história de punição (Sidman, 1989/2009).

Já a introversão não envolve este componente central do medo exagerado de avaliação negativa. Ela é considerada um traço ou um tipo de personalidade em que a pessoa mantém a sua atenção predominantemente voltado para dentro de si, para o seu mundo interno. Constitui uma preferência natural da pessoa em agir assim (Jung, 1967 apud Lessa, 2015). Portanto, o comportamento “quieto”, “reservado” ou “inibido” socialmente não resultaria da ansiedade em ser mal avaliado ou criticado pelos outros, como na timidez, e sim de uma pré-disposição inata em interagir menos com o mundo externo.

O conceito de introversão é basicamente estudado no contexto mais amplo dos estudos sobre a personalidade ou dos tipos de personalidade. Diferente da timidez, que teria um caráter mais aprendido, a introversão seria uma característica herdada do indivíduo. No entanto, é totalmente plausível supor que existem relações estreitas entre padrões de timidez e de introversão, isto é, que pessoas consideradas introvertidas sejam mais propensas a também serem tímidas. Por exemplo, Farias (1982) aponta que a percepção de perigo ocorre de forma mais rápida em indivíduos introvertidos do que em extrovertidos, sugerindo que a introversão pode ser um fator de risco para a timidez. Mas esta relação ainda não foi estabelecida de forma consistente.

A introversão poderia ser considerada como uma postura diante da vida, postura essa direcionada à eventos subjetivos. Comportamentos como pensar antes de agir, atitude reservada, retraimento social, discrição e facilidade de expressão no campo da escrita estão incluídos neste padrão (Lessa, 2015). Muitas destas características também são encontradas nos tímidos, por isso, torna-se muito difícil distinguir estes indivíduos na prática.

O que se supõe, a partir da literatura e da observação clínica, é que os introvertidos, em geral, não percebem o seu comportamento como um problema e não apresentam medos inadequados de avaliação negativa. O fato de serem “fechados”, reservados, discretos, falarem pouco em uma interação social, não é alvo de preocupação para eles e não interfere em praticamente nada nas suas relações interpessoais, pois há uma convicção e uma sensação de segurança em si mesmo do tipo “esse é o meu jeito, não importa se você gosta ou não”. Parece haver uma maior aceitação (e até apreciação) de si mesmo e uma menor cobrança por ter que agradar ou causar uma boa impressão nos outros. O conflito entre “querer interagir” versus “não se considerar capaz de interagir” não costuma aparecer nos introvertidos.

Já na timidez, o que sobressai é o medo e a insegurança nas interações sociais, além do intenso desejo de causar uma boa impressão, como ressaltado antes. Apesar de não constituírem, habitualmente, demandas clínicas, estes dois padrões merecem maiores estudos e investigações sistemáticas em razão da possibilidade de serem fatores de risco para um transtorno de ansiedade social. Sem adentrar em aspectos sociais mais amplos, é importante apenas registrar que a nossa cultura, de modo geral, reforça e valoriza excessivamente a extroversão, e desinibição e desenvoltura social. Isso indica que toda a classe de comportamentos introvertidos e/ou tímidos é punida ou não é reforçada nos mais variados contextos sociais, o que pode transformar uma característica natural da pessoa em uma patologia a ser tratada.

 

Referências:

Camisão, C., Figueira, I., Nardi, A. E., Mendlowicz M., Andrade, Y., Marques, C., Coscarelli, P., & Versiani. (1994). O sofrimento silencioso da timidez. Jornal Brasileiro de Psiquiatria, vol. 43 (6), pp. 340-343.

Emanuel, P., & Vagos, R. M. (2010). Ansiedade social e assertividade na adolescência. Tese de doutorado. Universidade de Aveiro, Portugal.

Farias, F. R. (1982). Uma contribuição ao estudo do stress: introversão-extroversão, dogmatismo e vulnerabilidade ao stress. Dissertação de mestrado. Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro.

Gouveia, J. P. (2000). Ansiedade social: Da timidez à fobia social. Coimbra: Quarteto Editora.

Lessa, E. (2015). A teoria dos tipos psicológicos. Instituto Junguiano do Rio de Janeiro. Disponível em http://www.jung­rj.com.br/artigos/tipos_psicologicos.htm

Kashdan, T. B., Goodman, F. R., Machell, K. A., Kleiman, E. M., Monfort, S. S., Ciarrochi, J., & Nezlek, J. B. (2014). A contextual approach to experiential avoidance and social anxiety: Evidence from na experimental interaction and daily interactions of people with social anxiety disorder. Emotion. Author manuscript.

Regis Neto, D. M., Banaco, R. A., Borges, N. B., & Zamignani, D. R. (2011). Supressão condicionada: Um modelo experimental para o estudo da ansiedade. Perspectivas em Análise do Comportamento, vol. 2 (1), pp. 5-20.

Sidman, M. (1989/2009). Coerção e suas implicações. Campinas: Livro Pleno.

 

 

 

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Escrito por Pedro Gouvea

Psicólogo. Especialista em Análise Comportamental Clínica pelo Instituto Brasiliense de Análise do Comportamento. Especialista em Docência do Ensino Superior pela AVM Educacional/UCAM. Especialista em Terapia Cognitivo-Comportamental pelo Centro de Psicologia Aplicada e Formação/UCAM. Atua como psicólogo clínico e em instituição de acolhimento para idosos. Tem interesse principalmente pelos seguintes temas: Psicoterapia Analítica Funcional (FAP) e Psicopatologias/Comportamentos que envolvem a ansiedade social, como o transtorno de ansiedade social (fobia social), timidez, introversão e personalidade evitativa. E-mail para contato: pedrow.gouvea@gmail.com

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