Autores: Lucelmo Lacerda, Aída Brito e Natalie Brito
Olá a todos! É um prazer colaborar com o Comporte-se. A nossa coluna se chama “práticas inclusivas baseadas em evidências”. Com ela, pretendemos abrir o leque de discussão acerca desse tema tão espinhoso da realidade brasileira e dialogar com a comunidade de analistas do comportamento acerca dos conteúdos que abordaremos. Nesse primeiro texto, faremos uma introdução crítica ao modelo de inclusão escolar adotado pelas políticas públicas brasileiras e à dificuldade da inserção, nesse meio, de práticas baseadas em evidências, a exemplo da analítico comportamental.
Desde a década de 1990, a matrícula de crianças com deficiência na escola regular se tornou um imperativo ético. No entanto, não veio acompanhada de um elemento fundamental, o imperativo da formação técnica, uma vez que sequer a educação para as crianças típicas no Brasil pode ser considerada bem-sucedida.
É suposto que à medida em que as crianças fossem matriculadas na rede regular, os professores receberiam formação e recursos para ensiná-las de maneira que elas efetivamente aprendam. Mas isso não aconteceu e ainda não acontece e o motivo é mal expresso, sempre nas entrelinhas.
Seguindo a linha interpretativa de Mendes (2006), compreendemos o campo do pensamento político-pedagógico sobre o fenômeno da inclusão dividido em dois grupos distintos e opostos:
a) Inclusão Total é aquela corrente que acredita que todas as crianças com deficiência deveriam ser imediatamente matriculadas nas escolas regulares, com o fechamento das escolas de Educação Especial. Nesta perspectiva, é “natural” que as crianças com deficiência se ajustem à escolarização, e que a escola deve organizar sua atuação para todos aprenderem, sendo condenável qualquer tipo de adaptação curricular ou apoio pedagógico para pessoas com deficiências.
b) Educação Inclusiva é aquela corrente que defende que as adaptações curriculares e apoios pedagógicos ou qualquer outro suporte devem ser realizados para os educandos com necessidades educacionais especiais, a depender de suas particularidades, portanto, defende-se um continuum de serviços entre a Educação Especial e a Educação Inclusiva. Assim, o que deve controlar a migração das crianças da escola de Educação Especial para a regular é o Princípio da Voluntariedade, concentrado nos pais.
Se basta fechar as escolas de Educação Especial (que são caras) e matriculá-las da escola regular, sem apoio pedagógico (eventualmente caro) e sem formação técnica (cara), a perspectiva da Inclusão Total é uma opção barata e a escolha óbvia para os controladores das políticas de Estado. E este aspecto é fundamental, o domínio do MEC e a imposição autoritária de suas políticas, utilizando os instrumentos que não passam por controle democrático, podemos citar o decreto que regulamenta a Lei Berenice Piana (BRASIL, 2012), que reduz o “Acompanhante Especializado” a mero cuidador e o Fascículo 01 da Política Nacional da Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, chamado de “Escola Comum Inclusiva”, que ataca qualquer tipo de adaptação curricular para crianças com deficiência.
Um profissional mais técnico poderia dizer que as evidências demonstram que a aprendizagem ocorre mais e melhor quando há um suporte metodológico e estrutural para as crianças em condição de inclusão. Por outro lado, os defensores da Inclusão Total diriam que algo como “pautar-se por uma produção de conhecimento engessada em enquadramentos cartesianos é a redução do homem, recusando sua complexidade”.
Não há dúvida, o confronto é político e epistemológico. Se, na Modernidade Sólida, as formas de pensar eram consideradas evolutivas, sendo cada uma melhor que a anterior, poderíamos pensar que a ciência, afinal, triunfaria (tão século XIX) sobre o obscurantismo, bastava que demonstrássemos, com evidência cada vez mais forte (megatrial, quem sabe?) que as metodologias baseadas na Análise do Comportamento eram mais eficazes e eficientes, e aguardar o reconhecimento. Ledo engano, a Modernidade Líquida solapou a noção de evolução epistemológica. Uma forma de ver que privilegie as evidências científicas, que priorize métodos de produção de conhecimento que ofereça objetividade e controle representam somente o pensamento de “só mais uma tribo” e seu espaço social é definido na luta política e cultural.
Se no campo ideológico as epistemologias podem ser entendidas como equivalentes, pautar-se pelas evidências ou pela “sensibilidade e intuição humanas” podem parecer alternativas igualmente legítimas, o confronto real dos professores, pais e demais professores com a realidade da in(ex)clusão nas escolas pode e deve ser o combustível do enfrentamento político desta política de mera matrícula nas escolas regulares.
Além de mais importante produtor de tecnologia e evidências no processo de ensino, qual pode ser a contribuição do Analista do Comportamento no debate público acerca da inclusão? Estamos nos ocupando deste papel? A quantas andam as pesquisas translacionais em inclusão escolar no Brasil (fundamental neste processo)?
Algumas preocupações surgem ao colocarmos estas questões em pauta. propomos uma breve reflexão sobre essa problemática:
- Recusamos insuflar tendências colonialistas que povoam as mentes dos que se veem como “os” cientistas, eventualmente dispostos, magnanimamente, a compartilhar seu saber superior para os reles professores.
O diálogo com a educação deve ser orgânico, isto é, compreendendo (no sentido mais amplo da palavra) o conhecimento propriamente educacional, lendo e dialogando com autores fundamentais como Paulo Freire. Este movimento tem muitas vias de promoção, mas a mais interessante delas é construir espaços de formações dos próprios professores em Análise do Comportamento, ao invés do contrário. - Ainda que os Analistas do Comportamento façam seu dever de casa, incorporando o conhecimento pedagógico em seu fazer e em seu dizer, as concepções equivocadas sobre o behaviorismo podem impedir sequer uma aproximação em qualquer nível. Quais são as possibilidades de enfrentarmos essas visões equivocadas sobre a Análise do Comportamento? São muitas, mas um grave problema a ser enfrentado é a cultura, muito próxima das ciências naturais, de uma produção basicamente restrita a artigos científicos, quando a formação de base em Educação se faz através da leitura de livros, que explicitam didaticamente, bases teóricas e processos de aplicação (quando cabível).
- Ainda na esfera da cultura dos Analistas do Comportamento, sua resistência à tradução dos textos do inglês para o português é impressionante. Como exemplo, note-se que o artigo de Lovaas, de 1987, ainda que de importância ímpar, jamais foi traduzido, o que se choca com a tradição pedagógica de trabalhar com textos em português.
Para fechar, uma provocação. No Brasil, a construção histórica da Análise do Comportamento parece concebê-la como um campo da Psicologia, quando ela é uma uma ciência própria, de fronteira com diversos campos e inclusive (ou sobretudo?) da educação.
REFERÊNCIAS:
Mendes, E. G. (2006). A radicalização do debate sobre inclusão escolar no Brasil. Revista Brasileira de Educação, 11(33), 387-405.
Bauman, Z., & Líquida, M. (2001). Trad. Plínio Dentzien Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor.
Lovaas, O. I. (1987). Behavioral treatment and normal educational and intellectual functioning in young autistic children. Journal of consulting and clinical psychology, 55(1), 3.
LEGISLAÇÃO CITADA:
BRASIL. Lei n. 12.764, de 27 de dezembro de 2012. (Lei Berenice Piana). Institui a política nacional de proteção dos direitos da pessoa com transtorno do espectro autista; e altera o §3º do Art. 98 da lei n. 8.112, de 11 de dezembro de 1990. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 28 dez. 2012.