O direito a se comportar diferente

Vivemos em uma época de intolerâncias: intolerância religiosa, intolerância política, intolerância racial, intolerância sexual e assim por diante. Temos muitos exemplos (infelizmente) de como nossa sociedade tem encontrado dificuldade em lidar com as diferenças: desde os conflitos religiosos no Afeganistão, em Israel e tantos outros países; as discussões políticas no nosso país que dividiram a sociedade; e o preconceito ao homossexual com a recente decisão judicial sobre o tratamento psicológico de homossexuais, popularmente intitulado “cura gay”.

Entretanto, não precisamos ir muito longe para nos depararmos com essa dificuldade em entender que o outro pensa diferente, que o outro tem o direito de ser, sentir, pensar, agir de forma diferente da nossa. Muitos dos nossos clientes apresentam essa dificuldade em lidar com o que é diferente de si próprio, dificuldade essa que traz sofrimento, perdas afetivas e profissionais e piora a qualidade de vida. É o pai que não aceita que o filho pense diferente dele e queira seguir uma carreira profissional que não traz status ou reconhecimento. É a filha que não se sente amada pelos pais porque os pais não conseguem demonstrar amor da forma como ela gostaria. É a mulher que briga com o marido porque não entende que para ele é importante jogar futebol com os amigos no domingo. É a ex-namorada que não aceita/entende os motivos para o ex-namorado terminar o namoro. É a adolescente que desfaz a amizade porque a colega não concordou com ela em uma situação. E todas essas situações são fontes de sofrimento para os clientes, eles se incomodam de perder amigos, brigar com familiares. Porém, não conseguem entender que os outros (pais, amigos, marido, filhos…) são diferentes deles.

Querer que os outros pensem e se comportem como a gente é o caminho para o sofrimento. Cada ser humano tem uma história de contingências de reforçamento única, e, sendo assim, terá um arranjo do que é reforçador e do que é aversivo único. Não é possível ter duas pessoas com a mesma história de contingências! Como é possível então que as pessoas se comportem da mesma forma?

Mas o que acontece com nossos clientes (e com as pessoas em geral) que não conseguem discriminar que há padrões de comportamento diferentes dos seus? Dentro da perspectiva da Terapia por Contingências de Reforçamento (TCR), Guilhardi (2012) faz uma diferenciação entre o comportamento sensorial e o comportamento sensível que pode nos ajudar a entender essa dificuldade em lidar com as diferenças.

A relação entre os estímulos do ambiente físico e os órgãos do sentido seria o que chamamos de comportamento sensorial. Por exemplo, a visão de um prato de comida pode ocasionar em uma pessoa faminta a resposta de comer, e por sua vez, essa resposta produz reforçadores como saciedade, o sabor da comida etc.

Para que esse comportamento de sentir se torne sensível e não apenas sensorial, precisamos que ele se generalize para as interações entre as pessoas, o indivíduo precisa “sentir” os outros e não apenas o ambiente físico. Nas palavras de Guilhardi (2012, p. 5): “O interlocutor deveria ficar sob controle das consequências aversivas atuais e futuras que incidem no outro e atuar de forma a influenciar – através de instruções, de modelagem, de fading, de manejo diferencial de consequências reforçadoras positivas, de apresentação de modelos etc. – o comportamento do outro, tendo como exclusiva consequência o bem estar do outro, sem nenhum ganho imediato, nem direto para si mesmo”.

Essa diferença entre comportamento sensorial e comportamento sensível nos remete também aos três níveis de variação e seleção propostos por Skinner (1981). Nesse caso, o comportamento sensorial estaria relacionado com o primeiro e segundo níveis de seleção, na medida em que o indivíduo se comporta em função do que é reforçador para si próprio. E o comportamento sensível estaria relacionado com o terceiro nível de seleção, uma vez que a pessoa emite um comportamento que não tem valor reforçador para si própria, mas é reforçador ao outro.
E como essa discussão entre comportamento sensorial e sensível pode nos ajudar a refletir sobre o respeito às diferenças? Respeitar as diferenças seria então discriminar que existem outras pessoas, com outras histórias de reforçamentos, para as quais os estímulos têm funções diferentes. E mais que discriminar, seria se comportar no sentido de aceitar, conviver com essas diferenças entendendo que não há melhor nem pior, certo ou errado. Nesse sentido, respeitar as diferenças se refere em grande parte ao comportamento sensível.

Como qualquer comportamento, o comportamento sensível precisa ser aprendido, desenvolvido ao longo da história de contingências da pessoa. E se queremos uma sociedade em que as pessoas se respeitem, tenham relacionamentos saudáveis, saibam conviver em grupo, precisamos desenvolver esse comportamento sensível em nossos clientes. E como fazer tal tarefa? Guilhardi (2012) dá algumas pistas, como: ensinar nossos clientes a observar e descrever o comportamento dos outros; promover neles a generalização dos efeitos das contingências de reforçamento às quais o outro está exposto para efeitos que os nossos clientes sentiram quando foram expostos a contingências semelhantes; e reforçar essa generalização.

Cabe também a nós, psicoterapeutas analistas comportamentais, ajudar a construir um mundo em que as diferenças sejam respeitadas, em que se comportar de forma diferente seja visto como apenas diferente, e não melhor ou pior. Vamos ensinar nossos clientes a se comportarem de forma sensível!

Referências:
Guilhardi, H. J. (2012). Os seis sentidos de “The Lady and the unicorn”. Disponível em: http://www.itcrcampinas.com.br/txt/seissentidos.pdf
Skinner, B. F. (1981). Selection by consequences. Science, 213, 501-504.

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Escrito por Camila Comodo

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