IT: a coisa – uma reflexão sobre os medos e como lidar com eles

Não, este não é para ser um texto que irá provocar medo.

O filme IT – A coisa, lançado este ano é baseado no clássico de Stephen King. A história narrada nos cinemas retrata as férias de verão de 1984 de um grupo de sete adolescentes. O que esses adolescentes tem em comum? O grupo de amigos, inicialmente formado apenas por seis meninos, são conhecidos como os losers. Ou seja, cada um deles sofre bullying por alguma característica que apresentam e são marginalizados do grupo da escola (prometo não dar spoilers do filme, por isso não vou descrever muito os detalhes). Mais adiante na trama, os meninos “perdedores” acolhem em seu grupo uma menina e um gordinho novato. Além dos problemas na escola, cada um do grupo enfrenta realidades difíceis dentro de suas casas tais como abuso, luto e depressão. Juntos, o grupo irá dividir uma série de experiências durante as férias.
Vocês devem estar se perguntando, mas por que o nome do filme é It – a coisa? A coisa é o palhaço Pennywise que assombra a pequena cidade de Derry deixando rastros de morte e de sangue ao atacar crianças indefesas. O palhaço sombrio atrai as crianças e as ataca. Crianças desaparecem sem explicação e na trama não há ações para que os sumiços sejam esclarecidos ou solucionados. É o pequeno grupo de adolescentes que irá encarar seus medos para enfrentar a coisa. Por que digo encarar seus medos? O que “A coisa” tem a ver com isso? O palhaço Penniwise ou A Coisa (como vocês preferirem) é uma metáfora para o medo que assombra cada um daqueles adolescentes. Eu explico… diante de cada um dos adolescentes, o palhaço toma a forma do medo particular de cada um e somente com a união do grupo que os adolescentes conseguem enfrentá-los. É exatamente esse o ponto que me chama a atenção no filme.

No meu ponto de vista, o filme traz uma metáfora sobre os medos além de explorar alguns valores (empatia e sensibilidade ao outro), que no meu entender, são essenciais para superar quaisquer que sejam eles e a sua forma. O que é o medo do ponto de vista da Análise do Comportamento? E como os psicoterapeutas da TCR podem auxiliar os seus clientes a lidar com aquilo que os assombra?

Skinner (1945/1961) apresentou um posicionamento behaviorista radical que diverge das concepções tradicionais sobre o que é sentido por nós. Primeiramente, o autor ressalta a natureza do que é sentido e em segundo lugar a relação entre os sentimentos e comportamentos. O sentir pode ser entendido como “ações sensoriais”, nas palavras do próprio Skinner, ou seja, são manifestações do organismo que ocorrem sob condições específicas e, portanto, não apresentam natureza distinta do fazer e do pensar. Diante de um evento que nos é aversivo, apresentamos uma série de reações corporais tais como maior circulação de adrenalina no organismo, aumento dos batimentos cardíacos, tensão muscular etc. Em paralelo, observa-se uma probabilidade menor de emitir respostas de aproximação do objeto temido e uma probabilidade maior de nos afastar desse objeto.

Como passamos a sentir medo? O que sentimos surge praticamente ao mesmo tempo, ou seja, de forma contígua ao comportamento. Portanto, é estabelecida uma relação entre eles. Os sentimentos são, assim como os comportamentos, produto de contingências de reforçamento. É na história de contingências do indivíduo, ou seja, na história de condicionamento de cada um que as funções dos estímulos foram estabelecidos. Se fossemos analisar a história de contingências de cada um dos adolescentes do filme (temos algumas dicas ao longo da trama pelo que acontece no ambiente de casa de cada um), entenderíamos a função aversiva que os eventos-estímulos foram adquirindo ao longo do tempo. Durante as nossas experiências de vida, eventos ambientais ocorrem de forma pareada a estímulos incondicionados (aqueles que eliciam reflexos incondicionados e estão relacionados com as emoções básicas) e passam a eliciar tais respostas reflexas, passando a ter função de estímulos eliciadores condicionados porque sua relação com a resposta foi aprendida.

E as respostas de medo? O que o psicoterapeuta deve fazer com elas? Inicialmente, é necessário identificar quais são os estímulos que tem função aversiva para o cliente e quais são as respostas de enfrentamento que estão disponíveis em seu repertório. Uma vez realizada essa discriminação, é necessário também que o psicoterapeuta colete dados a respeito da história de contingências do seu cliente. Deste modo, poderá acessar como tais estímulos foram adquirindo funções aversivas e quais foram as relações de equivalência estabelecidas. O controle de estímulos precisa ser alterado a partir de mudanças graduais, ou seja, novos pareamentos precisam ser realizados por meio de procedimentos de esvanecimento (fading in e out) e exposições graduais ao estímulo aversivo, por exemplo. Além disso, é preciso que sejam apresentados modelos combinados com instruções de possíveis respostas de enfrentamento.

Os medos não devem ser considerados coisas bobas. Tudo que é sentido é real, uma vez que é produto de contingências de reforçamento. O processo psicoterapêutico pode ajudar na superação dos medos e tão importante quanto, são a empatia e a sensibilidade ao outro daqueles que estão ao redor do indivíduo. Fazendo um paralelo com o filme, o enfrentamento dos medos de cada um é bem sucedido, uma vez que a exposição ao aversivo é feita de forma gradual, respostas de enfrentamento vão sendo fortalecidas pelo grupo em função da sensibilidade com a dor do outro e da confiança de que o medo será superado.

Referências Bibliográficas

Skinner, B.F. (1989/1991). Questões Recentes na Análise Comportamental. Campinas: Ed. Papirus. (Tradução do original inglês de 1989, Merrill Publishing Company).

Skinner, B. F. (1945/1961). The operacional analysis of psychological terms. The Psychological Review, 52, 270-277.

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Escrito por Florença Justino

Psicóloga graduada pela Universidade Federal de São Carlos. Doutora em Psicologia pela Universidade Federal de São Carlos. Especialista em Psicologia Clínica Comportamental pelo Instituto de Terapia por Contingências de Reforçamento (ITCR-Campinas). Psicoterapeuta de adultos e crianças. Supervisora clínica e professora do Curso de Especialização em TCR.

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