Ao longo da trajetória enquanto psicoterapeutas, nos deparamos muitas vezes com situações em que é difícil produzir uma mudança significativa no padrão comportamental do cliente. É o caso do cliente que nos diz: “eu não consegui fazer o que você propôs” ou “foi muito difícil, eu tentei, mas não consegui” e assim por diante. E nessa situação muitos clientes se frustram por não haver progressos na psicoterapia. A sensação é de que estamos com o cliente em areia movediça, quanto mais tentamos fazer mudanças, menos saímos do lugar.
Quando isso acontece o primeiro passo é o psicoterapeuta fazer uma autoavaliação dos objetivos e procedimentos que está implementando: “Será que escolhi as melhores ferramentas para atuar com esse cliente?”. Nessa autoavaliação cabe também uma reflexão sobre as análises funcionais realizadas e uma revisão das hipóteses levantadas sobre a história de contingências de reforçamento do cliente, sobre as contingências atuais e o sobre o padrão comportamental que elas produziram no cliente. Assim: “que outras contingências podem estar mantendo esse comportamento?”, “é possível que esses eventos ocorridos na história de vida do cliente tenham uma função diferente da que eu inferi?”.
Entretanto, além de olharmos para a ação psicoterapêutica, também precisamos olhar para os clientes com os quais estamos atuando. A literatura mostra que alguns arranjos de contingências são mais difíceis de serem modificados, produzindo clientes que têm dificuldade em alterar o padrão comportamental.
Um desses arranjos é o comportamento prioritariamente controlado por regras. Skinner (1966) faz uma distinção entre o comportamento emitido sob controle de regras (comportamento governado por regras) e aquele instalado a partir da experiência direta com as contingências (comportamento modelado por contingências), e aponta que o comportamento governado por regras pode produzir menor sensibilidade às contingências. Ou seja, um cliente que, ao longo da sua história de contingências de reforçamento, teve um forte controle por regras, pode ter maior dificuldade em ficar sob controle das contingências atuais presentes em sua vida, assim como das contingências promovidas pelo psicoterapeuta. Um exemplo seria o caso de uma cliente cuja mãe sempre dizia “minha filha, você tem que ser a melhor aluna da classe para ser reconhecida”. Ao procurar psicoterapia por um esgotamento emocional advindo do trabalho (cliente trabalha em excesso diariamente, leva trabalho para casa aos finais de semana, se distanciou dos amigos e familiares por não ter tempo de se relacionar com eles, etc.), essa cliente pode ter dificuldade em ficar sensível a essas contingências atuais de excesso de trabalho e ausência de reforçadores sociais, por estar respondendo a regra de que precisa ser a melhor funcionária e que com isso terá reconhecimento. E da mesma forma que a cliente não está sob controle das contingências presentes em sua vida, provavelmente também ficará pouco sensível às intervenções do psicoterapeuta.
Outro arranjo que também produz um padrão comportamental rígido e inflexível são as contingências que produzem o comportamento de esquiva (Sidman, 1989/2011). Nesse caso, o sujeito aprende a emitir certa resposta com a função de se esquivar de um estímulo aversivo. O problema ocorre quando esse padrão de esquiva está trazendo prejuízos para o cliente e/ou quando o estímulo aversivo não está mais presente, porém o cliente não altera o comportamento de esquiva de forma a entrar em contato com as contingências e discriminar que não será punido. Um exemplo dessa situação seria o cliente que não consegue manter relacionamentos amorosos duradouros: ele põe fim às relações antes que possa se envolver afetivamente e ser rejeitado. Provavelmente esse cliente teve uma história de contingências em que a rejeição assumiu uma função extremamente aversiva, e esse comportamento de por fim aos relacionamentos, por mais que produza algum sofrimento (cliente pode se incomodar por não conseguir levar um namoro adiante), também evita a possível rejeição.
Outra questão a ser levantada quando falamos sobre a dificuldade do cliente em modificar os próprios padrões comportamentais é o quanto essa pessoa está “motivada” para a mudança. Não estamos falando aqui de motivação como uma força interna ao indivíduo, mas sim de variáveis que alteram temporariamente a eficácia de um estímulo como reforço, assim como alteram a probabilidade do indivíduo se engajar no comportamento que produz esse estímulo (Martin & Pear, 2009). Sendo assim, para o cliente se engajar em comportamentos diferentes daqueles que ele está emitindo, é necessário que haja operações motivacionais para tal. É necessário que de alguma forma o padrão comportamental atual do cliente esteja trazendo sofrimento a ponto de se envolver em outro comportamento possível. Sabemos que todo comportamento se mantém porque é reforçado de alguma forma, sendo assim, mesmo que o cliente esteja tendo prejuízos com a forma de se comportar, também está produzindo algum ganho (acesso a estímulos reforçadores ou eliminação de estímulos aversivos) (Marçal, 2010). Para ilustrar podemos pensar no caso de um cliente que procura psicoterapia com dificuldade em emagrecer. O excesso de peso provavelmente está produzindo desconforto ao cliente, porém, o comer em demasia também traz acesso a reforçadores importantes. Ao procurar psicoterapia os clientes estão em relativo sofrimento, porém, esse sofrimento é o suficiente para ele se engajar em uma mudança?
Por vezes, esses exemplos aqui descritos e outros mais que tragam dificuldades na mudança do padrão comportamental dos clientes, podem ser produtos de contingências matriciais. Guilhardi (2015, p.2) afirma que “contingências matriciais são aquelas que produzem padrões de comportamentos e sentimentos fortes (frequentes ou intensos), duradouros (se generalizam no tempo), que ocorrem em múltiplos contextos (generalização para diferentes ambientes) e que se mantêm insensíveis a novas contingências a que a pessoa é exposta”. Por essas características, as contingências matriciais dificultam o trabalho do psicoterapeuta, mas não o anulam ou impedem!
Lança-se o desafio do psicoterapeuta refletir sobre procedimentos e formas de alterar esses arranjos de contingências de forma a viabilizar a mudança no comportamento e no contexto do cliente. Vamos testar procedimentos que tornem os clientes mais sensíveis às contingências e que flexibilizem as regras. Vamos investir em intervenções que alterem operações motivacionais nos nossos clientes. Vamos procurar ferramentas que nos ajudem a lidar com contingências matriciais. Mão a obra!
REFERÊNCIAS
Guilhardi, H. J. (2015). Contingências de reforçamento matriciais. Disponível em: http://www.itcrcampinas.com.br/txt/matriciais.pdf
Marçal, J. V. S. (2010). Behaviorismo radical e prática clínica. In: A. K. C. R. de Farias e colaboradores (Orgs). Análise comportamental clínica: aspectos teóricos e estudos de caso. (pp. 30 – 48). Porto Alegre: Artmed.
Martin, G. & Pear, J. (2009). Modificação do Comportamento: o que é e como fazer. Tradução de N. C. de Aguirre. São Paulo: Roca.
Sidman, M. (1989/2011). Coerção e suas implicações. Editora Livro Pleno.
Skinner, B. F. (1966). An operant analysis of problema solving. In: B. Kleinmuntz (Org.) Problem Solving: research, method, and theory.. (225-257). New Yok, John Wiley.