O tipo de controle que uma determinada família lança mão para educação dos filhos – focando-se aqui, especialmente, no papel educacional dos pais (ou cuidadores) – em muito irá influenciar para o desenvolvimento de comportamentos socialmente adequados ou inadequados. Apesar de nem todos os comportamentos socialmente inadequados serem considerados antissociais, quando se fala em comportamentos socialmente inadequados, pode-se incluir nesse conceito os chamados comportamentos antissociais (WEBER, SALVADOR & BRANDENBURG, 2005).
Nesse ponto, torna-se importante ressaltar que, segundo vários autores, (MARINHO & CABALLO, 2002; PATTERSON, REID & DISHION, 1992; REID, PATTERSON & SNYDER, 2002), o termo antissocial refere-se a diversos comportamentos, com alta frequência e intensidade, que infringem regras sociais. Ainda, no intuito de conceituar comportamentos antissociais, Silva e Hutz (2002) defendem que, apesar desses padrões de comportamentos também serem instalados e mantidos por contingências de reforço que não envolvem estimulação aversiva, geralmente os comportamentos antissociais são respostas da criança ou jovem diante de situações perigosas que ameaçam frequentemente o seu bem-estar.
Agora, após essa breve explanação do termo antissocial e já retornando à temática família e comportamentos antissociais, torna-se interessante notar o que Weber, Cunha e Moura (2007) afirmam:
O estudo do comportamento antissocial aponta uma multiplicidade de fatores que podem influenciar o seu surgimento e manutenção. Indubitavelmente, a família surge como um fator de elevada importância, por estar associada à função básica de prover as necessidades afetivas e a socialização da criança (WEBER, CUNHA e MOURA, 2007, p. 347).
Desse modo, percebe-se que há uma relação de influência, ainda que não seja a única, entre as práticas educativas (independentes de quais elas sejam) e o desenvolvimento ou não do comportamento antissocial na infância e na adolescência (WEBER, SALVADOR & BRANDENBURG, 2005).
Patterson et al (1992) exemplificou, de modo sequencial, uma possível maneira de como se daria o desenvolvimento do comportamento antissocial e a dividiu em quatro partes principais – vale ressaltar que trata-se apenas de um exemplo e que, portanto, não pode ser generalizado para todos os casos no que tange ao desenvolvimento do comportamento antissocial. São elas:
1. Iniciando-se em casa, a aprendizagem de padrões comportamentais antissociais pode origina-se, por exemplo, a partir da falta de habilidades dos pais para lidar com comportamentos agressivos dirigidos, constantemente, de um ente familiar para o outro (por exemplo, quando o irmão mais velho agride o mais novo e vice-versa); é bastante comum, também, que, por falta de repertório comportamental alternativo, os próprios pais agridam, constantemente, os filhos, quando diante de algum comportamento julgado como inadequado pela família (PATTERSON et al, 1992);
2. Esses comportamentos agressivos aprendidos em casa, principalmente pela ausência de modelos de como se comportar de modo não agressivo diante de situações problema, podem conduzir a criança a uma situação de fracasso acadêmico, pois, diante das dificuldades presentes no dia a dia da escola, é bastante provável que a criança se comporte de maneira agressiva, o que poderá resultar, também, em rejeição por parte dos colegas (PATTERSON et al, 1992);
3. Em seguida, essas crianças rejeitadas, provavelmente, se unirão a outras, num “grupo de rejeitados”, insurgindo-se contra a escola e autoridades, em atos de rebeldia (PATTERSON et al, 1992);
4. Finalmente, numa probabilidade muito alta, essas crianças tornar-se-ão, caso não tratadas, adultos com uma infinidade de problemas de adaptação. Por exemplo: uso de drogas, detenção por crimes, desordens mentais, problemas no emprego, no casamento, entre outros (PATTERSON et al, 1992).
Dessa maneira, ainda de acordo com Patterson et al (1992), pode-se perceber que alguns comportamentos inadequados (como, por exemplo, as trocas de agressões constantes entre os filhos), tidos como inofensivos na infância, na verdade, podem ser uma prévia dos comportamentos antissociais na adolescência. Além disso, conforme Sidman (1995), os indivíduos que apresentam comportamentos antissociais, o fazem porque aprenderam, em suas relações intrafamiliares, a comportar-se de modo a remover os estímulos aversivos aos quais estão frequentemente expostos. Assim, seus atos coercitivos são, de maneira constante, reforçados negativamente, tendendo assim a, cada vez mais, se fortificarem.
Ademais, muitas pesquisas realizadas a respeito do desenvolvimento de comportamentos antissociais em adolescentes têm sugerido que tanto as punições corporais (dar tapas, bater, surrar, entre outras) quanto as verbais (dar bronca, gritar, xingar, ameaçar, entre outras) têm uma relação direta com o desenvolvimento desses comportamentos (GERSHOF, 2002; GROGAN-KAYLOR, 2005; PATTERSON & COLS., 2002; WEBER, VIEZZER& BRANDENBURG, 2004; BRENNER & FOX, 1998).
Conforme Meneghel, Giuliani e Falceto (1998), adolescentes percebidos como agressivos na escola, em suas histórias de vida, foram muito mais punidos (punições corporais, como tapas e surras, e verbais, como gritos e ameaças) por seus pais do que aqueles tidos como não agressivos. Os autores constataram, também, que os adolescentes, com maior histórico de punição por seus pais, apresentaram probabilidade de serem violentos com os irmãos oito vezes mais do que os adolescentes não punidos.
Ainda, após efetuar uma meta-análise de 88 artigos, Gershoff (2002) elencou uma série de consequências atreladas ao uso da punição corporal doméstica. São elas:
· Aumento da agressividade;
· Aumento de comportamento delinquente e antissocial;
· Prejuízo da relação entre pais e filhos;
· Prejuízo na saúde mental;
· Aumento do risco de maltrato de filhos ou esposa.
Desse modo, a partir das referências que embasaram esta pesquisa, considera-se que contingências coercitivas intrafamiliares (tratando-se, principalmente, de trocas agressivas, envolvendo punições corporais e/ou verbais) – quando somadas a outras variáveis não abordadas neste artigo, como, por exemplo, pobreza, violência e criminalidade presentes nas comunidades em que vivem os adolescentes – podem estar diretamente em função do aprendizado de comportamentos antissociais (GERSHOF, 2002; GROGAN-KAYLOR, 2005; PATTERSON & COLS., 2002; WEBER, VIEZZER & BRANDENBURG, 2004; BRENNER & FOX, 1998; PATTERSON et al, 1992).
REFERÊNCIAS
BRENNER, V., & FOX, R. A. (1998). Parental discipline and behavior problems in young children. Journal of Genetic Psychology, 159 (2), 251-256.
GERSHOFF, E. T. (2002). Corporal punishment by parents and associated child behaviors and experiences: A meta-analytic and theoretical review. Psychological Bulletin, 128 (4), 539-579.
GROGAN-KAYLOR, A. (2005). Relationship of corporal punishment and antisocial behavior by neighborhood. Archives of Pediatric Adolescense and Medicine, 159 (10), 938-42.
MARINHO, M. L., & CABALLO, V.E. (2002). Comportamento Anti-Social Infantil e seu impacto para a competência social. Psicologia, Saúde e Doenças, 3 (2), 141 – 147.
MENEGHEL, S. N, GIULIANI, E.J., & FALCETO, O. (1998). Relações entre violência doméstica e agressividade na adolescência. Cadernos de Saúde Pública, 14 (2), 327-335.
PATTERSON, G. R.; REID, J. B., & DISHION, T. J. (1992). Antisocial Boys. Eugene, OR. Castalia Press.
REID, J. B., PATTERSON, G. R., & SNYDER, J. (2002). Antisocial Behavior In Children And Adolescents: A Developmental Analysis and Model for intervention. Washington, DC: American Psychological Association.
SIDMAN, M. (1995). Coerção e suas implicações. Tradução de Maria Amélia Andery e Tereza Maria Sério. Campinas: Editorial Psy.
SILVA, D.F.M., & HUTZ, C.S. (2002). Abuso infantil e comportamento delinquente na adolescência: Prevenção e intervenção. In. C. S. Hutz (Org.). Situações de risco e vulnerabilidade na infância e adolescência: aspectos teóricos e estratégias de intervenção. São Paulo: Casa do Psicólogo.
WEBER, L.N.D., CUNHA, J.M., & MOURA, V.F. (2007). Análise das relações entre o comportamento anti-social de adolescentes e a interação familiar. In. Starling R.R. (Org.). Sobre comportamento e cognição: temas aplicados: Vol. 19. Santo André: Esetec, 347.
WEBER, L. N. D., SALVADOR, A. P. V., & BRANDENBURG, O. J. (2005). Programa de qualidade na interação familiar – Manual para aplicadores. Curitiba: Juruá.
WEBER, L.N.D., VIEZZER, A.P., & BRANDENBURG, O.J. (2004). O uso de palmadas e surras como prática educativa. Estudos de Psicologia (Natal), 9 (2), 227-238.