A vida de B.F. Skinner parte XI: Para Além da Liberdade e Dignidade

Este é o décimo primeiro artigo de uma série que discute a vida de Burrhus Frederic Skinner. Recomenda-se que o leitor interessado leia os artigos anteriores disponibilizados pelo Comporte-se, para que consiga compreender melhor o texto. Quem é o homem por trás da teoria que inspira tantas pessoas até hoje? O objetivo desta série é reconstruir o caminho percorrido por Skinner, apontando aspectos de sua vida pessoal que determinaram seu comportamento e, consequentemente, o de muitos outros. Espera-se que esta narrativa possa não apenas cativar o leitor, mas também tornar natural e humano aquilo que mais nos fascina.

Em 1965, Skinner começou a preparar uma de suas maiores e mais polêmicas obras – Beyond Freedom and Dignity (em português, Para Além da Liberdade e Dignidade). Grosso modo, o livro é uma crítica a defesa da ausência de controle como uma salvaguarda da liberdade e da dignidade. Historicamente, grupos sociais que lutaram contra a tirania e o controle despótico garantiram um sentimento de liberdade altamente valorizado. No entanto, com os dados oriundos da pesquisa sobre comportamento animal humano e não humano, o conceito de liberdade enquanto ausência de controle foi esvaziado de sentido. Não se trata de negar o controle, uma vez que este é um fato, mas sim de como melhorá-lo, de forma a promover a sobrevivência de cultura e o bem-estar de seus membros.

A preparação do livro foi permitida somente pela posição confortável em que Skinner se encontrava em Harvard, com pouca carga horária obrigatória e muitos recursos disponíveis. O primeiro passo foi coletar e organizar uma série de notas e artigos soltos como Freedom and Control of Men (1955) e The Control of Human Behavior (1955), de forma que eles compusessem uma argumentação coerente e sólida. Entre 1965 e 1970, enquanto escrevia, Skinner viajou bastante para dar seminários e palestras sobre o tema principalmente para universidade inglesas. As plateias compostas de pensadores de diferentes áreas, constituíram-se como uma audiência muito especial, exigindo um refinamento na argumentação e, ao mesmo tempo, maior habilidade para dialogar com pessoas de formações distintas.

Skinner optou por escrever um livro que fosse lido por pessoas leigas ao behaviorismo e até a psicologia como um todo. Para isso, teria que adaptar seu estilo textual e reformular suas argumentações em frases mais palatáveis, mas precisas cientificamente. Nesse processo, o autor decidiu deixar de lado citações a cientistas sociais e filósofos da chamada “literatura da liberdade e dignidade”. Essa decisão foi posteriormente criticada, pois, apesar de tornar mais fácil a leitura para um leigo, não atribuía créditos aos autores de algumas ideias e nem deixava claro com quem o Skinner dialogava.

O livro originalmente se chamaria “Freedom and Dignity”, mas o editor afirmou que a argumentação de Skinner não deixava muito espaço para as concepções tradicionais sobre o tema. Então, inspirado pelas obras de Nietzsche (Beyond Good and Evil) e Freud (Beyond the Pleasure Principle), Skinner mudou o nome para Beyond Freedom and Dignity.

Nenhuma outra obra demandou tanto do autor quanto esta. Ao longo da preparação do livro, Skinner sofreu os custos desta empreitada:

“Eu tenho uma dor de estômago maçante na maior parte do tempo. Eu não consigo digerir facilmente uma refeição e tomo um comprimido antiácido depois de cada uma. Muitas vezes me pergunto se sou capaz de terminar” (Skinner, 1979, 309).

Quando o livro foi lançado, foi um sucesso de vendas, chegando a atingir a lista de livros mais vendidos da New York Times e permanecendo por lá por mais de 20 semanas. Skinner experienciava algo que poucos analistas do comportamento viveram até hoje, a fama para além da academia – pessoas interrompiam seus jantares para pedir autógrafos, foi convidado para participar de diversos programas de TV e deu incontáveis palestras em escolas e universidades.

Capa da Revista Time de 20 de setembro de 1971.

No entanto, a maior parte desta atenção era devido ao predominante crítica negativa que seu livro recebeu. Skinner foi acusado de promover a obediência cega ao behaviorismo, afirmando que o objetivo do autor era criar uma sociedade absolutista com traços próximos ao fascismo, na qual o behaviorista controlaria a todos (Bjork, 1997). Além disso, Skinner foi acusado de deixar de ver um fato óbvio da condição humana, que seria o livre-arbítrio. Fato este, que diferenciaria os animais estudados por Skinner em laboratório, dos seres humanos.

Talvez a crítica que mais incomodou o autor foi a de um antigo adversário, Noam Chomsky. O autor já havia publicada uma árdua crítica ao livro Comportamento Verbal (Chomsky, 1959), cujo impacto já havia atingido Skinner. Além da maior parte das críticas já mencionadas, Chomsky previu a decadência do behaviorismo e ridicularizou a tentativa de aplicar a teoria em seres humanos. Suas críticas eram tão diversas, tão pouco articuladas e Skinner estava com pouquíssimo tempo para redigir uma resposta formal, que optou por, mais uma vez, não responder a Chomsky.

Os sintomas físicos de desgaste se agravaram ainda mais após o lançamento do livro, quando Skinner promovia sua obra em uma incansável rotina de compromissos. Foi somente quando descobriu um problema cardíaco que o autor diminuiu o ritmo: “Possivelmente, eu estou arriscando minha vida ao cumprir essa quantidade de obrigações […] será que meu senso de responsabilidade, minha ética protestante, irá me matar? ” (p.330).

Skinner em uma cerimônia em sua homenagem em 1967, na Universidade de Chicago.

Provavelmente, a forte rejeição às ideias de Skinner se deve em parte ao momento histórico vivido no ocidente. Havia fortes movimentos que reivindicavam direito civis e o fim da Guerra do Vietnã, propagando ideais pacifistas e opondo-se ao conceito de controle por porte do governo e da religião. Um livro que questionasse a importância da “liberdade” e que buscasse promover novas formas de “controle” dificilmente seria bem recebido.

A falta de resposta formal de Skinner às criticas, as polêmicas palavras que escolheu, a interpretação enviesada de parte da academia e o contexto sócio-político da época dificultaram a aceitação das propostas do autor. Isso é uma pena, uma vez que o objetivo do autor era fazer um divisor de águas entre os movimentos sociais da década de 60 e a preocupação com a sobrevivência da cultura. Segundo Skinner, o futuro da humanidade estaria ameaçado pela concepção de um homem autodeterminado – uma vez que o verdadeiro responsável pelas ações das pessoas, o seu ambiente, seria deixado em segundo plano (Skinner, 1979).

A saga de B.F. Skinner continua, não perca!

Referências:

Bjork, D. W. (1997). B.F. Skinner: A life. Washington, DC, US: American Psychological Association.

Chomsky, N. (1959). A review of BF Skinner’s Verbal Behavior. Language, 35, 26-58.

Skinner, B. F. (1979). The shaping of a behaviorist: Part two of an autobiography. New York: Alfred A. Knopf.

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Escrito por Cainã Gomes

Formado em Psicologia pela PUC-SP e especialista em Clínica Analítico-Comportamental. É pesquisador do Paradigma - Centro de Ciências do Comportamento, onde também atua como terapeuta. Tem experiência na área de Análise do Comportamento, com ênfase com Comportamento Governado por Regra e RFT (Relational Frame Theory). Foi coordenador da Comissão de História de Análise do Comportamento da Associação Brasileira de Psicologia e Medicina Comportamental (ABPMC) na gestão 2015-2016. Além disso, é mestrando do programa de Psicologia Experimental: Análise do Comportamento da PUC-SP com período sanduíche na Universidade de Gent, sob orientação do Prof. Dermot Barnes-Holmes. Está cursando o Intensive Training em DBT do Behavioral Tech, Linehan Institute.

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