Ultimamente tenho observado uma certa semelhança no padrão de crianças e adolescentes que são levados por seus pais ou responsáveis para o processo psicoterapêutico. Digo que são levados considerando o fato de que nem sempre a queixa parte da própria criança ou adolescente. Crianças de pouca idade que não seguem regras ou instruções, que apresentam comportamentos indesejados em relação aos coleguinhas e amiguinhos da escola e que pouco se interessam por estímulos que não produzam reforço imediato tais como jogos eletrônicos e tablets. Adolescentes desinteressados, entediados, apresentando notas baixas, cada vez mais isolados ou com problemas emocionais que exigem que intervenções medicamentosas sejam utilizadas cada vez mais cedo…A descrição desses padrões configura os efeitos colaterais do mundo e das práticas contemporâneas sobre os comportamentos da futura geração de adultos. Minha proposta com este texto é muito mais levantar questões que funcionem como estímulos discriminativos (estímulos que estabelecem a ocasião para a emissão de respostas que produzirão reforçadores positivos) para a nossa atuação clínica, que no meu entender, encontra-se em um momento delicado, dados os comportamentos “desinteressados” que estamos tendo que enfrentar, do que descrever soluções prontas para essa nova contingência de reforçamento que está em operação.
Na tirinha acima, o pequeno Armandinho, de seu modo sempre muito concreto, ajuda-nos a refletir sobre como tem sido a educação das crianças e adolescentes. Metaforicamente, poderíamos considerar que a educação que vem de casa seria aquela pautada em regras e limites e estruturada de tal forma que produza um repertório de comportamentos desejados abrangentes e relevantes em diferentes contextos. Como, nós terapeutas da TCR e terapeutas analítico comportamentais, entendemos regras e limites? Vamos partir da nossa unidade básica de análise: a tríplice contingência (1). A regra funciona como um estímulo discriminativo, ou seja, uma deixa de que, caso a resposta seja emitida, ela produzirá consequências. Os limites seriam a apresentação de consequências contingentes à emissão das respostas especificadas pela regra. A educação que vem de casa, na nossa analogia, seria a apresentação de regras claras e de consequências contingentes a emissão das respostas especificadas. E a educação que vem do apartamento? Na metáfora que proponho, esse tipo de educação seria permeada pela permissividade e pela falta de coerência e consistência na apresentação de regras e limites. Seria a educação do “tudo pode”, “se não seguir o combinado não tem problema”, “eu não preciso fazer porque tem quem faça”. Esse tipo de educação produz os padrões comportamentais descritos no início do texto e tantos outros que podem ser observados na geração atual.
Voltemo-nos para os nossos adolescentes. A segunda tirinha de Armandinho suscita uma importante reflexão. Além de repensar as regras e os limites que têm sido apresentados para essa nova geração, atentemo-nos para o que acontece com Armandinho e de forma análoga pensemos nos adolescentes. A mãe questiona o que deve fazer para que Armandino seja mais obediente (ou seja, siga as regras que ela deve ter apresentado ou deixe de apresentar comportamentos indesejados). Armandinho emite um comportamento verbal (que pode ser considerado um mando, pois especifica a consequência) que dá uma dica “boa” para a mãe do que pode ser feito. Mas será mesmo que a mãe ouviu a dica do filho? Será que ela ouviu o que o filho tinha a dizer? Ao punir o comportamento indesejado do filho da forma como o fez, são enfraquecidos o autoconhecimento, sentimentos e comportamentos de autoestima e autoconfiança (2). O ponto aqui é: como estamos nos posicionando perante os adolescentes?
A psicóloga e colunista da Folha de São Paulo, Rosely Sayão, durante os meses de março e abril publicou uma série de textos sobre a temática adolescência. Na coluna de 28/03/17 (3), ela discute a busca de saídas arriscadas pelos adolescentes para dar lidar com os sentimentos de tédio e vazio que os acometem. Considero importante o trecho no qual ela descreve que pouco ouvimos os adolescentes, como ocorre na tirinha do Armandinho (“O que eu faço para você ser mais obediente? ”). A mãe até ouviu, mas ficou pouco sob controle do que ele estava dizendo. Rosely afirma que é justamente isso que acontece. Os diálogos com os adultos, sejam eles pais ou professores, tornam-se tediosos em função dos “sermões” de todo dia e do fato de que tudo o que eles dizem ser considerado bobagem. O que isso produz? As mesmas consequências descritas para o comportamento de Armandinho: baixo autoconhecimento e o enfraquecimento de sentimentos de autoestima e autoconfiança.
Por que o diálogo com os adultos é tão importante? Segundo Rosely, o diálogo se faz necessário para que os adolescentes se entendam melhor e construam seus próprios valores. O que Rosely quer dizer é que o período da adolescência é uma fase crucial onde os jovens se preparam para a vida adulta, e sem o diálogo isso fica muito mais difícil. Conforme afirma Skinner (1974) (4), “O autoconhecimento é de origem social. Só quando o mundo privado de uma pessoa se torna importante para as demais é que ele se torna importante para ela própria.” E completa “O autoconhecimento tem um valor especial para o próprio indivíduo. Uma pessoa que se tornou consciente de si mesma por meio de perguntas que lhe foram feitas está em melhor posição de prever e controlar seu próprio comportamento.” (p. 31). Precisamos ouvir os nossos adolescentes e as nossas crianças e auxiliá-los no processo de autoconhecimento, no reconhecimento de emoções, na resolução de problemas e no autocontrole. É dessa forma que a saúde mental deles estará protegida.
Guilhardi (2014) (5) salienta que para lidar com os comportamentos dessa nova geração é necessário tolerância à frustração, uma vez que o processo é de mudança gradual. Não basta apresentar aos pais e professores – que são agentes importantíssimos nesse processo – orientações genéricas do tipo “Seu filho precisa entrar em contato com as consequências”. Os procedimentos para mudança são graduais. Minha proposta é que comecemos nos atentando mais ao que eles dizem, ao que eles pensam, ou seja, vamos ouvir. Ouvir e interagir de forma amena é uma forma de contribuir para que eles se entendam, desenvolvam autoconhecimento, sensibilidade ao outro e ao coletivo.
Nossa tarefa é árdua, mas possível. Em termos práticos, precisamos nos atentar às mínimas mudanças comportamentais desejadas, avaliar o contexto físico e social dos adolescentes e nos manter comprometidos em auxiliá-los no processo de autoconhecimento. As regras e limites são necessários, sim, mas junto com atenção, ouvidos atentos e afeto. Olhemos com carinho para as árvores e assim vamos entender a complexidade da floresta!
Referências
(1) Para saber mais sobre o papel da análise funcional recomendo a leitura do texto da nossa colunista Camila Comodo: https://comportese.com/2016/12/analise-funcional-e-as-contingencias-de-reforcamento
(2) Guilhardi, H.J. (2002). Autoestima, autoconfiança e responsabilidade. Disponível em http://www.itcrcampinas.com.br/pdf/helio/Autoestima_conf_respons.pdf
(3) Recomendo a leitura da coluna da Rosely Sayão disponível em http://www1.folha.uol.com.br/colunas/roselysayao/2017/03/1870330-adolescentes-buscam-saidas-arriscadas-contra-o-vazio-e-o-tedio-que-sentem.shtml
(4) Skinner, B.F. (1974/2006). Sobre o behaviorismo. São Paulo: Editora Cultrix.
(5) Guilhardi, H.J. (2014). Bochecha rosada. Seção Giro do Jornal Sinal Verde. Edição 77. Disponível em http://www.itcrcampinas.com.br/jornal/dialogo_edicao77.html