Como arruinamos o Mindfulness – TIME MAGAZINE

excertos do texto de Roman Krznaric, publicado na TIME, dia 26 de maio de 2017

link para o original, completo: http://time.com/4792596/mindfulness-exercises-morality-carpe-diem/

traduzido por Tiago Tatton

Respire. Viva o momento. Viva o aqui e agora.

Essas são palavras familiares, tenho certeza, pois estamos vivendo a revolução mindfulness (da Atenção Plena). Cursos de Mindfulness já varreram o mundo, e centenas de milhares de pessoas fazem aulas de Mindfulness-Based Stress Reduction (MBSR) – e outras técnicas de meditação – em centros comunitários, escolas, hospitais, prisões e empresas. Além disso, uma infinidade de estudos têm sugerido que mindfulness é uma cura quase milagrosa para tudo, desde ansiedade e depressão até doenças cardíacas.

Mas um número crescente de críticos têm colocado mindfulness sob o microscópio e parece que a atenção plena não é a panacéia revolucionária para o bem-estar humano que muitos de nós acreditávamos.

Um desses críticos pode surpreendê-lo: o monge budista francês Matthieu Ricard, um dos especialistas de mindfulness mais famosos do mundo. Recentemente, perguntei a Ricard o que ele pensava das versões seculares da atenção plena, como MBSR e Terapia Cognitiva Baseada em Mindfulness (MBCT), que foram descritas como “meditação budista sem o budismo”. Como alguém que passou quatro décadas em meditação no sopé do Himalaia – e é considerado o “homem mais feliz do mundo” – eu esperava que ele fosse um defensor entusiasmado do mindfulness. Sua resposta chocou-me.

“There are a lot of people speaking about mindfulness,” Ricard told me, “but the risk is that it’s taken too literally — to just ‘be mindful.’ Well, you could have a very mindful sniper and a mindful psychopath. It’s true! A sniper needs to be so focused, never distracted, very calm, always bringing back his attention to the present moment. And non-judgmental — just kill people and no judgment. That could happen!”

“Há muitas pessoas falando sobre mindfulness”, disse Ricard, “mas o risco é que seja tomado literalmente – como apenas – ficar atento. Bem, você poderia ter um atirador e um psicopatas super atentos e concentrados. É verdade! Um franco-atirador precisa estar muito concentrado, sem distração, calmo, sempre com a atenção voltada para o momento presente. E sem julgar – apenas focado em atirar no alvo e matar pessoas. Isso pode acontecer!”.

Ricard estava brincando, em parte, com a questão do atirador. Ele e outros críticos sabem que cursos de mindfulness tornaram-se populares no treinamento militar (com verdadeiros atiradores), ao mesmo tempo que invadiram o mundo corporativo, um “McMindfulness”, ajudando negociadores estressados de Wall Street a manterem a calma e o foco no meio das turbulências de mercado e acordos de alto risco. Você frequentemente verá o fundador do MBSR, Jon Kabat-Zinn, conduzindo aulas de mindfulness para CEOs no forum econômico mundial, em Davos.

O ponto de Ricard é que o movimento secular (não-religioso) de mindfulness geralmente oferece atenção plena sem valores. É um mindfulness que pode ser bom para você, mas que não necessariamente faz de você uma pessoa boa. Em contraste, Ricard acredita que a antiga tradição budista oferece uma estrutura ética muito necessária que integra conceitos como compaixão, empatia e cuidado. Os cursos seculares poderiam facilmente incluir essa perspectiva mais ampla baseada nos valores, mas a maioria não consegue fazê-lo – estão ocupados demais empacotando mindfulness para nossa era de hiper-individualismo.

[…]

Então devemos abandonar o mindfulness? De modo nenhum. Mas, ao mesmo tempo, gostaríamos de reconhecer que mindfulness está longe de ser moralmente inocente.


REFLEXÃO do tradutor

Se de um lado eu concordo em absoluto com o texto de Krznaric por outro vejo como problemática essa idéia de que a única fonte de valores possíveis para o mindfulness seja o Budismo. Em minha tese de doutorado eu demonstrei que o exercício da Atenção Plena é universal, estando presente entre os gregos e romanos, independente do influxo do pensamento oriental. Há outras fontes possíveis de valores – incluindo o humanismo laico – que não o Budismo. Obviamente, o Budismo parece a opção mais óbvia dada sua proximidade com as intervenções de mindfulness do tipo MBSR. Importante lembrar da forma como a Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT), por exemplo, se aproxima do mindfulness, sem nenhuma relação necessária com meditação e Budismo. Mas algo central na ACT é auxiliar o indivíduo a encontrar valores.

O Budismo parece oferecer um ética para todos, baseado na tolerância, respeito e compaixão; mas não é exclusivo nessa proposta.

Por fim, como não há um órgão que regulamenta o ensino e prática de mindfulness no Brasil e no mundo, qualquer um pode ser “professor de mindfulness”. A cada dia, mais e mais coachings e terapeutas holísticos, sem treinamento formal em meditação, Psicologia ou Medicina, ensinam mindfulness para pessoas subdiagnosticadas em empresas, escolas e em seus consultórios. É um problema real e crescente.

A falta de ética, a pressa, a gana por dinheiro e por status assolam o mindfulness – assim como diversas outras técnicas e métodos que ganham a atenção da grande mídia.

Seja Budista ou não, a verdade é que é preciso mais visão e mais ética no mindfulness.

Abraços!

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Escrito por Tiago Tatton

piadista inveterado, torcedor do Flamengo e pai da Clara Luz. Nas horas vagas é psicólogo, especialista e mestre em Ciência da Religião (UFJF/MG), doutor em Psicologia (UFRGS/RS e King´s College Londres), pós-doutor em Psiquiatria e Ciências do Comportamento (UFRGS/RS). Diretor Geral da Iniciativa Mindfulness. Em 2016 completou o Mindfulness Advanced Teacher Intensive pela Universidade da California em San Diego (USA).

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