Velha roupa colorida

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Um tema recorrente das músicas do bem e velho Belchior é a mudança, ou como ele gosta de chamar, “é o novo”. Como Nossos Pais fala sobre o quanto reproduzimos costumes e formas de viver de nossos pais, mas afirma que o novo sempre vence. Mota e Glosa é uma música com poucas estrofes em que o cearense pergunta repetidamente: “passarinho que vive no ninho, você que é muito vivo me diga qual é o novo”.

A que eu mais gosto, no entanto, é Velha Roupa Colorida, um hino sobre a dialética do tempo e da mudança social, que ao mesmo tempo reciclam o velho como novo e descartam o velho como velho. A mudança pode ser sorrateira, gradual e discreta: “você não sente nem vê, mas eu não posso deixar de dizer, meu amigo; que uma nova mudança em breve vai acontecer; e o que há algum tempo era jovem novo; hoje é antigo, e precisamos todos rejuvenescer”. “O passado nunca mais”, responde ao cantor o pássaro preto, porque “no presente a mente, o corpo é diferente; e o passado é uma roupa que não nos serve mais”.

 

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O momento político do Brasil é turbulento e controverso, para dizer o mínimo, e paira um detestável cheiro de naftalina no ar. O primeiro grande símbolo da contradição é a foto do presidente, então interino, cercado de seu “novo” ministério, formado por homens brancos, de meia idade a idosos, engravatados e antiquados em seus hábitos e em seus valores. Assim como a república brasileira, o novo ministério nasceu velho, e dali não tinha como sair muita coisa boa. Desde a posse já tivemos escândalos de toda sorte, que vão desde denúncias de favorecimento de negócios imobiliários a corrupção passiva e ativa. Muitos já caíram e o mais recente lote de delatados pela Operação Laja Jato inclui um dos nomes mais fortes da equipe ministerial.

 

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Uma olhada por alto no show de horrores de nossos “representantes” revela que, para o atual governo, o lugar de mulheres é nas “secretarias” – antigos ministérios rebaixados a secretarias e incorporados a outros ministérios em nome de uma economia pra lá de duvidosa, como ministérios da cultura, da mulher, dos direitos humanos. Esforços para sucateamento de bens e serviços públicos chegaram à sua expressão máxima com as chamadas “reformas” da previdência e trabalhista, que são reformas num sentido muito específico do termo: ao invés de proporcionar bases mais sólidas para a segurança daqueles que dependem de serviços estatais ou para que os trabalhadores não corram o risco de serem substituídos da noite pelo dia como gado em seus postos de emprego e subemprego, elas favorecem os elos fortes dessa relação – o empresariado e as instituições financeiras. O investimento na ciência e tecnologia nacional caiu drasticamente, como se cabeças pensantes fossem um artigo de luxo num país com tantos problemas a serem resolvidos. O “novo” slogan do governo, com uma bandeira do país datada da época da ditadura e com destaque para o lema geriátrico “ordem e progresso”, nos mostram que ordem significa poder para o Brasil corporativo, em direção ao progresso da exploração de nossos já surrados povos e recursos.

A “ponte para o futuro” prometida pelo “novo” presidente já nasceu velha. O mais interessante desse período, se é que tem algo de interessante nisso tudo, é confirmar mais uma vez que contingências sociais e histórias diferentes produzem pessoas muito diferentes. É notório o cinzento anacronismo que paira sobre o país, e o desconforto dele decorrente só é possível porque muita coisa mudou desde o tempo da bandeira da década de 1970 que foi escolhida pelo governo “novo”. É reconfortante e traz esperança ver que as pessoas não encaram mais com naturalidade um governo só de patriarcas brancos e velhos; que as pessoas não encaram mais com naturalidade o silêncio institucional forçado de negros, indígenas, mulheres, pessoas de orientações sexuais diversas; que as pessoas não encaram mais com naturalidade uma polícia militarizada e violenta a reprimir os cidadãos pelos quais ela deveria estar zelando… Bem, essa lista pode continuar por muito tempo.

Temer e seus comparsas são um pedaço do passado que teima em se manter vivo e ativo, são fruto de um caldo cultural que recheia livros didáticos de história, representam um conjunto de valores e normas que ilustram o que há de mais retrógrado e nojento em nossa sociedade. Em suma, vestem uma velha roupa colorida, um passado que já não nos serve mais e que precisa morrer.

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Escrito por Diego Mansano Fernandes

Diego é um um jovem analista do comportamento, sem dinheiro no banco, sem parentes importantes e formado no interior. Formado em Psicologia pela UNESP de Bauru, e Mestre em Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem também pela UNESP de Bauru, voltado para a Análise Comportamental da Cultura.

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