O ciúme é algo tão antigo como talvez a própria existência. Podemos falar do ciúme como um fenômeno universal que atinge homens e mulheres, crianças e adultos, não existe um lugar onde este comportamento não aconteça. Encontramos algumas diferenciações e variações desse comportamento, por isso podemos também dizer que existe o ciúme normal e o patológico. Dizemos que existem fatores filogenéticos e culturais determinando a ocorrência desse comportamento.
O ciúme é algo comum e consiste em tema frequente nos consultórios clínicos, na terapia de casal e individual. Talvez dentre os relacionamentos amorosos este seja um dos maiores vilões para uma relação saudável. O ciúme não acontece somente em relacionamentos entre casais, mas entre irmãos, amigos, pais e filhos e etc. Pode-se encontrar em diversos ambientes sociais, na escola, no meio familiar, no ambiente de trabalho. Por sua vez, o ciúme constitui motivo de violência e homicídios por todo o mundo, são muitas vezes chamados crimes passionais, mesmo sabendo que estes são ditos motivados por “amor”. Há quem diga que o ciúme prepondera.
Segundo Menezes e Castro (2001), podemos definir o ciúme como “um sentimento que emerge em uma situação sinalizadora de possível perda de um estímulo reforçador para outro individuo, podendo envolver a emissão de respostas coercitivas que visam evitar a perda e a produção de conseqüências reforçadoras e punitivas para o comportamento dos indivíduos envolvidos na relação” Outras definições estão em diferenciar o ciúme normal do patológico, onde o primeiro seria motivado por fatos e o outro persiste a despeito da ausência de qualquer ameaça real ou provável (Costa, 2005). Na análise do comportamento podemos definir o ciúme como um evento privado capaz de controlar eventos públicos, e estes podem ser reflexo tanto do condicionamento reflexo ou operante de Skinner (1991). O condicionamento reflexo explica as reações fisiológicas que são sentidas quando o indivíduo relata estar com ciúme, já os operantes permitem entender a relação estabelecida entre o que ocorre com o cliente fisiologicamente quando está diante de situações que lhe causam tais sensações.
Segundo Tourinho (1997), o ciúme pode se originar de outras contingências sociais, considerando as diferenças entre sentir e demonstrar ciúme. Podemos dizer que o ciúme é reforçado por uma cultura que reforça esse tipo de padrão, através de regras distorcidas e enviesadas. Para a Análise do Comportamento o ciúme não é um comportamento necessário às relações, é possível que uma relação sobreviva sem ele. Há quem diga que se não houver ciúme não existe amor, essa é mais uma das diversas regras em torno desse tema. Entretanto, o analista do comportamento apenas fará do ciúme alvo de suas intervenções se este trouxer prejuízo para quem busca a terapia (Costa, 2002).
Podemos dizer que um cliente que descreve comportamentos tidos como o de uma pessoa ciumenta aprendeu ao sentir tais sensações, descritas nesses casos e passou a emitir comportamentos públicos sob controle dessas sensações, como por exemplo, perguntar ao parceiro (a) onde ele estava, ligar várias vezes quando a ligação não é atendida, fazer perguntas com a intenção de checar se o parceiro está falando a verdade e etc.
O ciúme é mantido por um esquema intermitente de reforçamento, por isso é tão difícil ser colocado em extinção (Menezes e Castro, 2001). No atendimento clinico de pessoas com essa demanda nos deparamos com algumas dificuldades, por exemplo, com as regras e auto regras dos clientes que foram estabelecidas na sua história de vida e que são mantidas por relacionamentos e pessoas na sua vida presente. O parceiro ao invés de contribuir com a melhora do par, muitas vezes por falta de conhecimento, na maioria do tempo reforça de maneira a manter tudo o que o cliente sente. Pensa em estar fazendo o melhor e muitas vezes está apenas colaborando para que a sensação e o sentimento de “ciúme” não sejam interrompidos.
É possível que o ciúme seja reforçado positivamente por uma contingencia na qual no momento onde a pessoa emite comportamentos de ciúme esta é reforçada, no sentido de se obter ganhos por ter emitido tais comportamentos, por exemplo, quando uma pessoa liga várias vezes para o namorado e este quando atende explica que ela não precisa se preocupar porque ela é a única mulher em sua vida e que não a trocaria por outra pessoa nunca. Nessas ocasiões podem ser apresentados vários outros reforçadores após a manifestação do ciúme, o que de certa forma colabora para a manutenção e da continuidade ao comportamento de ser ciumento. Vale ressaltar que sentir ciúmes em nossa cultura em muitos casos é visto como sinal de amor e o contrário, às vezes, é punido como se fosse a ausência de tal sentimento. Pode também ser reforçado negativamente quando remove ou se evita a possibilidade de perda do relacionamento em que o ciumento se encontra, ou seja, o parceiro do ciumento condiciona o relacionamento à ausência de comportamentos de ciúme que, na maioria das vezes, a depender da forma e frequência que se apresenta, é extremamente punido.
De acordo com Menezes e Castro (2001) e suas considerações acerca dos fenômenos comportamentais existentes nesse processo, quando se trata da instalação desses comportamentos iremos falar de reforçamento positivo, negativo, como foi falado e generalização e imitação. Ainda segundo os autores, para a Análise do Comportamento, o ciúme seria um sentimento que emerge em uma situação onde é sinalizada a perda de um estimulo reforçador, apresentando a emissão de respostas coercitivas que visa evitar essa perda e a produção de consequências reforçadoras.
Antigamente o namoro acontecia quando os casais se encontravam uma vez por semana, mais ou menos, e nessa época a comunicação era mínima, assim como o controle entre os casais. Com o avanço da tecnologia, as redes de comunicação se estreitaram, em seguida, os encontros e a comunicação se tornaram quase que frequentes, o que favoreceu o aumento do controle sobre os comportamentos do parceiro e consequentemente o ciúme veio à tona. Poderíamos dizer que as redes sociais são de grande importância e utilidade, mas junto a isso vieram os efeitos colaterais.
Observo em minha pratica clinica que atualmente o ciúme tem se apresentado também diante de contingencias virtuais. O ciúme está em plena ascensão, na era das redes sociais onde as relações parecem fáceis, são na verdade muito frágeis. O controle das relações está mais fácil, o que deu ao ciúme forma e quantidade de curtidas, por exemplo. Portanto, as redes sociais são um prato cheio para que comportamentos ditos como de ciúme sejam evocados. Muitos casais optam muitas vezes por terem uma conta de Facebook, por exemplo, onde os dois possam usar o mesmo perfil, assim controlam mais facilmente a vida do outro ou que nem um dos pares tenham acesso a essas redes sociais. Tendo em vista que a exposição é algo necessário para lidarmos com alguns comportamentos, ou seja, é se expondo às condições desagradáveis que iremos aprender a lidar com elas, eu diria que decisões como se esquivar ou fugir do que causa o problema não seria a melhor forma de aprender a lidar com os problemas advindos desse contexto, mas talvez evitá-los a curto prazo.
Os relacionamentos amorosos são envolvidos por uma série de regras, assim como os relacionamentos em redes sociais. Essas regras, muitas vezes “distorcidas” foram criadas a medida que toda essa tecnologia foi sendo desenvolvida e aperfeiçoada. Quantas pessoas param para se preocupar, analisar e tirar conclusões equivocadas diante de uma visualização sem resposta do whatsapp ou sem uma curtida em uma foto postada no Facebook. A aceitação e a rejeição são avaliadas o tempo todo por esses cliques sinalizadores, o que mexe com muitos sentimentos que podem estar sob controle dessas variáveis virtuais. Então o ciúme é apenas mais um desses sentimentos que são evocados e dimensionados por essas redes sociais.
É obvio que na prática clinica alterar esses padrões torna-se um grande desafio para o terapeuta, na medida em que ao propor a instalação de novos comportamentos ou a extinção de outros pode ser a princípio, a curto prazo, punidos. É claro, que muitas outras coisas precisam ser analisadas quando esse padrão comportamental de ciúme aparece, seja lá de que forma e aonde. As contingências presentes precisam ser discriminadas e analisadas em cada caso. Porque pode aparecer simplesmente como uma pontinha de muitos outros problemas como, por exemplo, uma relação que não está muito legal, padrões de baixa auto estima, pouca auto confiança, insegurança, falta de autoconhecimento e muitos outros. Portanto, por trás de uma queixa como esta muitas outras coisas precisam ser investigadas e trabalhadas para que os comportamentos e consequentemente esses sentimentos possam ser modificados, sendo diminuindo ou extinguindo.
Portanto uma avaliação funcional da queixa do cliente é importante para que se tenha uma compreensão do caso e para que os objetivos terapêuticos sejam estabelecidos a fim de identificar quais comportamentos trazem sofrimento ao cliente e as variáveis que mantem tal padrão, além de determinar intervenções adequadas e monitorar progressos. Através dessa análise é possível entender tudo o que o ciúme é para o cliente e todas as variáveis envolvidas que estão lhe trazendo sofrimento. Entender sua história de vida, o desenvolvimento do comportamento “problema”, uma análise do funcionamento do cliente, são etapas muito importantes para um bom processo terapêutico. Assim como no ciúme, a análise funcional é importante em todos os casos em atendimento clinico.
Referência bibliográficas
Costa, N. (2005), Contribuições da psicologia evolutiva e da análise do comportamento acerca do ciúme. Vol. 1 Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva. São Paulo
Menezes, A. & Castro, F. (2001). O ciúme romântico: uma abordagem analítico-comportamental. Trabalho apresentado no X Encontro Brasileiro de Medicina e Terapia Comportamental (Campinas, São Paulo)
Tourinho, E. Z. (1997). Eventos privados em uma ciência do comportamento. Em R. A. Banaco, (Org.), Sobre o comportamento e cognição: aspectos teóricos, metodológicos e de formação em analise do comportamento e terapia cognitivista, vol. 1. (PP. 174- 187). Santo Andre: ESETec Editores Associados
Skinner, B.F. (1991). Questões recentes na análise comportamental.