De acordo com dados apresentados pela Capes, por ocasião do Dia Internacional da Mulher (texto na íntegra disponível aqui), as mulheres constituem a maioria entre os alunos matriculados e titulados mestres e doutores no país. Ainda segundo o órgão, em 2015, o número de mulheres matriculadas e tituladas em Programas de Pós-Graduação (o que incluiu mestrado, doutorado e mestrado profissional) era de 175.419 alunas, enquanto os homens somavam 150.236 pós-graduandos. Informações do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE, 2010) indicam que as mulheres deixaram de ser minoria em relação ao número de titulados doutores no país a partir de 2004.
Frente a este panorama, Moschkovich e Almeida (2015) investigaram se esse aumento no número de mulheres tituladas doutoras também se refletiria em uma maior igualdade de acesso a altos cargos no interior da academia por essas profissionais – o estudo teve por universo de análise os docentes atuantes nas 27 unidades da UNICAMP. Nesta instituição, docentes mulheres são minoria, e estão distribuídas de forma heterogênea pelas diferentes áreas – nas ciências exatas e nas engenharias os homens continuam a ser a maioria absoluta. Moschkovich e Almeida (2015) pontuam que as áreas tradicionalmente femininas parecem ser mais abertas à inserção de professores homens, ao passo que áreas tradicionalmente masculinas, ainda mostram-se resistentes a introdução de mulheres ao corpo de profissionais. O estudo apontou ainda que as mulheres levam mais tempo para chegar ao topo da carreira acadêmica, e a quantidade de docentes do sexo feminino no nível mais alto da carreira (MS6) é significativamente menor se comparado ao número de docentes homens neste nível.
Ademais, as mulheres geralmente não ocupam os altos cargos de gestão da universidade, como a “coordenação de pós-graduação, das diretorias de faculdades e institutos, da reitoria e do conselho universitário” (Moschkovich & Almeida, 2015, p. 781). Informações disponibilizadas pelo Ministério da Educação (MEC), no último dia 08 de março (apresentadas em um intrigante tom comemorativo), corroboram com essa afirmação: em apenas um terço, das 63 universidades federais brasileiras, mulheres ocupam o cargo máximo da instituição, a reitoria (para conferir as informações em formato de áudio clique aqui).
A bolsa de Produtividade em Pesquisa (PQ), concedida pelo CNPq a um seleto grupo de pesquisadores com alto nível de produção científica, tem como beneficiários preponderantes homens (informação disponível neste link). Ainda conforme informações disponibilizadas pelo CNPq (conferir link), entre 2001 e 2016, observou-se um discreto aumento de 4% no número de bolsas PQ outorgadas a mulheres – conduto, as mulheres correspondem a apenas 35% no número total de bolsas atualmente concedidas pelo órgão. A distribuição de bolsas PQ entre homens e mulheres é ainda mais discrepante se a considerarmos ao longo das categorias que constituem essa modalidade de bolsa: no menor estrato, nível 2, 38% dos beneficiários são mulheres; no estrato 1D, são 35%; na categoria 1C, 36%; na categoria 1B, 31%; e no maior estrato, 1A, apenas 24% dos bolsistas são mulheres (dados de 2014, disponíveis neste endereço).
No relatório Gender in the Global Research Landscape (“Gênero no panorama mundial de ciência” em tradução livre), preparado e publicado pela Elsevier em 2017, Brasil e Portugal são considerados os países com maiores chances de atingir a paridade entre mulheres e homens na ciência. O documento, que buscou avaliar a proporção de pesquisadores do sexo feminino e do sexo masculino na ciência em 12 diferentes áreas geográficas, e em 27 áreas do conhecimento ao longo de 20 anos, se valeu da análise dos perfis dos autores que tiveram publicações indexadas na base de dados Scopus nos períodos 1996-2000 e 2011-2015. Em relação a publicações de autores brasileiros, 49% dessas foram publicadas por cientistas mulheres (mesmo valor encontrado entre pesquisadores portugueses). Ou seja, quase metade da produção científica brasileira, publicada em revistas científicas indexadas na base de dados Scopus, foi produzida por mulheres.
Assim, no Brasil, as mulheres são a maioria entre os pós-graduandos, produzem ciência tanto quanto os homens, e, contudo, constituem a minoria na gestão de altos cargos acadêmicos, demandam mais tempo para alcançar o topo da carreira, e estão em menor número entre os beneficiários de modalidades de bolsas importantes como a PQ. Com relação à distribuição de bolsas PQ convém enfatizar: as mulheres produzem ciência em uma taxa de resposta aproximada ao observada em homens, e ainda assim, a bolsa PQ destinada a pesquisadores com alto nível de produção científica, tem beneficiado majoritariamente homens. Também vale lembrar, por exemplo, que mesmo em áreas tradicionalmente femininas, como é o caso da área de Psicologia, os coordenadores de área de avaliação da Capes, do mestrado e do doutorado acadêmico, são homens (para conferir os nomes dos atuais coordenadores, acessar este link).
Marques (2017), em texto publicado na Revista Pesquisa Fapesp, divulgou o estudo pioneiro conduzido pela pesquisadora Carolina Araújo da UFRJ – a pesquisa avaliou a participação feminina na área de filosofia ao longo da carreira acadêmica. Segundo o estudo, que coletou dados estatísticos junto ao Inep e a Capes, como discentes de filosofia na graduação, as mulheres somavam 38,4% em 2014; como pós-graduandas, as mulheres representavam 28,45% em 2015, e, como docentes permanentes dos programas de pós-graduação no país, as mulheres totalizam apenas 20,94% do quadro de professores. Ou seja, a participação das mulheres diminui conforme avança a carreira acadêmica (Marques, 2017). Nas palavras de Araújo (2015, p. 08), e considerando os dados levantados, “no sistema da Pós-Graduação em Filosofia no Brasil, uma mulher tem aproximadamente 2,5 vezes menos chance do que um homem de chegar ao topo da carreira profissional”.
Reportagem de outubro de 2016, na versão brasileira do jornal El País, traz o dado alarmante de que desde 1901, 97% dos premiados com os Nobel de Ciência são homens, ou, apenas 3% dos premiados foram mulheres (disponível neste endereço). Lerback e Hanson (2017), em artigo publicado na Nature, trazem dados que demonstram que as mulheres são, usualmente, convidadas com menos frequência para revisarem trabalhos científicos e conduzem menos revisões por pessoa do que homens (a pesquisa foi realizada considerando o sexo dos revisores e autores de publicações, entre 2012 e 2015, para os jornais da American Geophysical Union – AGU).
Moss-Racusin, Dovidio, Brescoll, Graham e Handelsman (2012), em um estudo experimental, identificaram que docentes mulheres e homens, frente a estudantes do sexo feminino e do sexo masculino com qualificação, capacitação e currículo equivalentes, tendem a preferir o estudante do sexo masculino para gerir um laboratório. As meninas foram, em geral, consideradas menos competentes e menos dignas de serem contratadas para preencher a vaga; além disso, a elas foram oferecidos menores salários iniciais e menor orientação (tutoria) – o que seria, segundo os autores, uma forma sutil e não intencional de preconceito, produto de estereótipos culturais de gênero amplamente difundidos.
Tendo em vista o exposto, é possível concluir que, ao contrário do que sugere o relatório publicado pela Elsevier (2017), no Brasil, ainda estamos distantes de alcançar a paridade de gênero na ciência. Ou então, as informações publicadas pela Elsevier (2017) podem ser consideradas alarmantes: se o caso brasileiro representa avanços em termos de paridade se comparado aos demais países, a despeito de dados como os apresentados, a situação das mulheres na ciência no panorama global é extremamente preocupante. Como ressaltam Moss-Racusin, Dovidio, Brescoll, Graham e Handelsman (2012) o mero aumento da presença de mulheres na ciência não necessariamente reflete paridade entre mulheres e homens – assim como o aumento na proporção de mulheres como autoras de artigos científicos não indicam que mulheres e homens têm oportunidades iguais no campo científico (mas indicam, por exemplo, que as mulheres produzem tanta ciência quanto os homens).
O fato de as mulheres serem minoria na gestão de altos cargos acadêmicos ou estarem em menor número no topo da carreira acadêmica não é algo natural. As mulheres são expostas a contingências que reduzem a probabilidade de elas assumirem, por exemplo, um cargo de reitoria – práticas culturais intra e extra-muros acadêmicos reduzem as chances de as mulheres terem acesso igualitário às oportunidades na ciência e no mercado de trabalho. A análise do comportamento, com seu arsenal teórico-metodológico, pode contribuir na identificação dessas contingências, e principalmente, pode ajudar na construção de práticas que possibilitem às mulheres e aos homens uma rotina de trabalho e de vida permeada por paridade.
Referências
Araújo, C.(2016). Mulheres na Pós-Graduação em Filosofia no Brasil – 2015. São Paulo: ANPOF. Recuperado de http://anpof.org/portal/images/Documentos/ARAUJOCarolina_Artigo_2016.pdf
Centro de Gestão e Estudos Estratégicos. (2010). Doutores 2010: Estudos da demografia da base técnico-científica brasileira. Brasília, DF: Centro de Gestão e Estudos Estratégicos.
Elsevier. (2017). Gender in the Global Research Landscape. Recuperado de https://www.elsevier.com/__data/assets/pdf_file/0008/265661/ElsevierGenderReport_final_for-web.pdf
Lerback, J. & Hanson, B. (2017). Journals invite too few women to referee. Nature, 541, 455-457.
Marques, F. (2017). Corredor estreito. Revista Pesquisa Fapesp, (252), 32-35.
Moschkovich, M. & Almeida, A. M. F. (2015). Desigualdades de Gênero na Carreira Acadêmica no Brasil. Dados-Revista de Ciências Sociais, 58(3), 749-189.
Moss-Racusin, C. A., Dovidio, J. F., Brescoll, V. L., Graham, M. J. & Handelsman, J. (2012). Science faculty’s subtle gender biases favor male students. PNAS, 109(41), 16474–16479.